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sexta-feira, 18 de agosto de 2023

"Fale Comigo": a estreia aterrorizante dos irmãos Danny e Michael Philippou (Bilíngue)

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Não é uma regra, mas filmes de terror contemporâneos costumam ter cenas iniciais que não só atiçam a curiosidade do espectador, mas que também chocam pelo resultado final, levando quem assiste a se perguntar “O que diabos está acontecendo?”. Em “Corra!”, de 2017, vemos um homem negro sendo cautelosamente perseguido e sequestrado por uma pessoa com capacete medieval que dirige um carro branco como a neve. Em “Corrente do Mal”, de 2014, acompanhamos uma jovem paranoica fugindo de casa e indo para a praia, com uma ameaça invisível aparentemente em seu encalço. Depois de se despedir dos pais, a cena corta para mostrar o cadáver mutilado da moça, com membros grotescamente retorcidos. No caso de “Fale Comigo”, uma das estreias desta quinta-feira (17) nos cinemas, não é uma exceção. Em uma tomada contínua, um adolescente procura o irmão em uma festa, e as coisas escalam rapidamente de uma maneira bem macabra.

Essa cena é o pontapé inicial para a estreia dos gêmeos australianos Danny e Michael Philippou na direção, YouTubers anteriormente conhecidos por realizarem vídeos inusitados e surpreendentemente violentos com o mascote do McDonald's, o palhaço Ronald McDonald. Após uma exibição mega comentada no Festival de Sundance, nos EUA, o filme foi adquirido pela A24, distribuidora que não só se tornou a primeira na história do Oscar a vencer as 8 categorias principais (Filme, Direção, Atuações e Roteiros), como também é agora uma referência no cenário do terror contemporâneo, entregando obras como “Hereditário”, “A Bruxa” e “O Farol”. “Fale Comigo” é um terror com um orçamento indie e um apelo para as massas, graças à abordagem atual de uma premissa básica, atuações promissoras de um elenco jovem praticamente desconhecido e um controle magistral dos aspectos técnicos, tornando a experiência cada vez mais imersiva.

(It's not a rule, but contemporary horror films usually have opening scenes that not only tickle the viewer's curiosity, but also shock them because of their outcome, leading those who are watching to ask themselves “What the hell is going on?”. In 2017's “Get Out”, we see a Black man being carefully stalked and kidnapped by a person with a medieval helmet who drives a car as white as snow. In 2014's “It Follows”, we follow a paranoid young woman running away from home and driving to the beach, with an invisible threat apparently in pursuit. After saying goodbye to her parents, the scene cuts to show the woman's mutilated corpse, with grotesquely twisted limbs. When it comes to “Talk to Me”, one of this Thursday's (17th) newest releases in Brazil, it's not an exception. In one continuous shot, a teenager looks for his brother in a party, and things escalate quickly in a rather macabre manner.

That scene kickstarts the directorial debut of Australian twins Danny and Michael Philippou, a pair of YouTubers previously known for making unusual and suprisingly violent videos with the McDonald's mascot, clown Ronald McDonald. After a super-buzzed screening at the Sundance Film Festival, the film was acquired by A24, a distributor that not only became the first in Oscar history to win all 8 main categories (Picture, Director, Acting and Screenplays), but it's also now a reference in the contemporary horror scene, delivering works like “Hereditary”, “The Witch” and “The Lighthouse”. “Talk to Me” is a horror film with an indie budget and a mass appeal, thanks to the current approach to a basic premise, promising performances by a practically unknown cast of young actors and a masterful control of its technical aspects, making the experience all the more immersive.)



Trama

Fale Comigo” acompanha um grupo de adolescentes que realiza sessões espíritas transmitidas ao vivo pelas redes sociais, usando uma mão de cerâmica embalsamada de origens desconhecidas. Quando Mia (Sophie Wilde), uma jovem traumatizada pela morte inexplicável da mãe, se oferece para ser a próxima a fazer contato com os espíritos, as coisas dão terrivelmente errado, e o grupo precisa correr contra o tempo para salvar um de seus amigos antes que seja tarde demais.

(Plot

Talk to Me” follows a group of teenagers that conduct séances broadcasted live through social media, using an embalmed ceramic hand, its origins unknown. When Mia (Sophie Wilde), a young woman who's traumatized by her mother's inexplicable death, volunteers to be the next one to make contact with the spirits, things go terribly wrong, and the group needs to race against time to save one of their own before it's too late.)



Premissa básica, com upgrades

Um dos fatores-chave para que o roteiro dos Philippou, escrito em parceria com Bill Hinzman e Daley Pearson, funcione tão bem é a abordagem atual de uma premissa que já foi utilizada inúmeras vezes no gênero, ou seja, a de pessoas que mexem com coisas que não deveriam ter sido perturbadas e acabam levando a pior por isso. Uma sacada brilhante que os diretores têm é o uso das redes sociais e os desafios virais para justificar as sessões espíritas que os protagonistas realizam, remetendo, por exemplo, ao Charlie Charlie Challenge e ao fenômeno controverso e perturbador do desafio Baleia Azul, que levou crianças ao suicídio ao redor do mundo. Essa interpretação faz com que o enredo seja autêntico, original e até relevante para os dias atuais.

Outro grande acerto dos cineastas é a mistura homogênea entre o terror sobrenatural, permeado de jumpscares e sustos eficientes, e uma atmosfera gradualmente perturbadora, que permite uma abordagem temática mais aprofundada no roteiro, assim como a criação de metáforas e alegorias, o que sempre é bem-vindo no gênero. Ao lidar com os temas do luto e da perda, “Fale Comigo” lembra bastante o também australiano “O Babadook”, de 2014, escrito e dirigido por Jennifer Kent (CURIOSIDADE: os Philippou participaram da equipe técnica do filme de Kent); e os filmes e séries comandados por Mike Flanagan, como “O Espelho”, “A Maldição da Residência Hill” e “Missa da Meia-Noite”. É um filme muito assustador, contendo várias sequências que deixaram este crítico boquiaberto, mas que possui uma veia dramática que comunica muito bem com os sustos que consegue transmitir ao público.

Um último aspecto que poderia ter dado errado nas mãos de outros diretores, mas que os Philippou tiram de letra é a criação de uma mitologia, apelando de forma eficaz para o terror convencional de franquias como “Invocação do Mal” e “It: A Coisa”. Pouco se sabe sobre a mão de cerâmica embalsamada que os protagonistas utilizam para fazer contato com espíritos, mas, somente pelo visual vandalizado e pela presença imponente do objeto em tela, pode-se perceber que há toda uma história a ser contada sobre ele. Os cineastas, espertamente, deixam algumas pontas soltas no roteiro, com um propósito bem claro em mente: uma nova franquia. A A24 se impressionou tanto com o desempenho de “Fale Comigo” nas bilheterias e na crítica que deu a luz verde para uma sequência, a ser dirigida novamente pelos Philippou. Além disso, os realizadores confirmaram a existência de um prólogo abordando a trajetória dos personagens da cena inicial, filmado inteiramente através de telas de celulares e mídias sociais, à la “Buscando”, de 2018. Ao que tudo indica, esse longa-metragem é só o começo de algo extremamente promissor.

(Basic premise, with upgrades

One of the key factors for the screenplay written by the Philippou brothers, in partnership with Bill Hinzman and Daley Pearson, to work this well is the contemporary approach of a premise that's been vastly used in the genre, that of people who mess with things they should've left undisturbed and end up getting the worst of it because of that. A brilliant idea the directors apply is the use of social media and viral challenges in order to justify the séances the protagonists have throughout the plot, dialing back, for example, to the Charlie Charlie Challenge and the controversial and disturbing phenomenon of the Blue Whale Challenge, which led children to suicide all around the world. That portrayal of reality makes the plot authentic, original and even timely to our days.

Another thing the directors get right is the uniform mix between supernatural horror, permeated with effective jumpscares, and a gradually disturbing atmosphere, which allows a more in-depth thematic approach in the script, as well as the creation of metaphors and allegories, which are always welcome in the genre. By dealing with the themes of grief and loss, “Talk to Me” reminded me a lot of the also Australian “The Babadook”, released in 2014, written and directed by Jennifer Kent (FUN FACT: the Philippou brothers were part of the crew in Kent's film); and the films and TV shows spearheaded by Mike Flanagan, such as “Oculus”, “The Haunting of Hill House” and “Midnight Mass”. It's a really frightening film, with several sequences that left this particular critic's jaw dropped, but it has a dramatic vein that connects really well with the scares it's trying to convey.

One last aspect that could've gone terribly wrong in the hands of other directors, but that the Philippou twins excel at is the creation of a mythology or lore, effectively appealing to the more conventional horror of franchises such as “The Conjuring” and “It”. The viewers know very little about the embalmed ceramic hand that the protagonists use to make contact with spirits, but, just by the vandalized look of it and the object's imponent presence onscreen, a viewer can tell there's a whole story to be told about it. The filmmakers, cleverly, intentionally leave some loose ends in the script, with a very clear purpose in mind: a new franchise. A24 was so impressed by the box-office returns and critical praise of “Talk to Me” that it greenlit a sequel, to be directed again by the Philippou brothers. Besides that, the directors confirmed the existence of a prequel about the opening scene's characters, shot entirely through phone cameras and social media, a la 2018's “Searching”. With all these things considered, this feature is only the beginning of something extremely promising.)



Elenco iniciante (e promissor)

Os irmãos Philippou fizeram a escolha certa de escalar atores jovens praticamente desconhecidos pelo grande público para interpretar os protagonistas. O desenvolvimento de todos eles é tão bom aqui, que em todo projeto futuro que eles aparecerem, o espectador é plenamente capaz de apontar pra tela e dizer: “Ó, aquele(a) ali participou de 'Fale Comigo'!”. Lembrem destes nomes: Sophie Wilde, Alexandra Jensen, Joe Bird, Otis Dhanji, Zoe Terakes, Chris Alosio, Ari McCarthy e Sunny Johnson. Um toque extra que acrescenta à autenticidade das performances de cada um é o fato de realmente parecerem e agirem como adolescentes, permitindo uma naturalidade que raramente é vista em atores com pouca experiência. Todos estes jovens têm um futuro brilhante pela frente, e eu mal posso esperar para ver o que eles farão a seguir.

Do lado adulto, temos a única atriz conhecida pelo público, através de Miranda Otto, melhor lembrada pelo seu papel como Éowyn na trilogia “O Senhor dos Anéis”, porém também marcante no gênero do terror como uma das tias da protagonista de “O Mundo Sombrio de Sabrina”, da Netflix. Além de Otto, temos performances que chamam a atenção de Alexandria Steffensen e Marcus Johnson. Na trama, os adultos não têm um papel tão importante a cumprir quanto os jovens, somente servindo como uma espécie de auxílio para que os arcos narrativos dos adolescentes cheguem à conclusão, em especial, no caso da protagonista interpretada por Wilde.

(A beginner (and promising) young cast

The Philippou brothers made the right choice in casting young actors that are practically unknown to the wider audience to play the main characters. The work delivered by all of them is so good here, that in every future project they end up in, the viewer is capable of pointing at the screen and saying: “Hey, that one was in 'Talk to Me'!”. Remember these names: Sophie Wilde, Alexandra Jensen, Joe Bird, Otis Dhanji, Zoe Terakes, Chris Alosio, Ari McCarthy and Sunny Johnson. One extra touch that adds to the authenticity of their performances is the fact that they actually look and act like teenagers, allowing a natural approach to acting that's rarely seen in actors with little onscreen experience. All of these youngsters have a brilliant future ahead of them, and I can't wait to see what they'll do next.

On the grown-up side, we have the only actress that's known to the public, through Miranda Otto, best remembered for her role as Éowyn in the “Lord of the Rings” trilogy, yet also great in the horror genre as one of the protagonist's aunts in Netflix's “Chilling Adventures of Sabrina”. Besides Otto, we have honorable mention performances by Alexandria Steffensen and Marcus Johnson. In the plot, the adults don't have a much important role to play as the youngsters, only serving as some sort of assistance so that their narrative arcs reach a conclusion, especially, when it comes to the protagonist played by Wilde.)



Orçamento pequeno, grandes ambições

Um fato interessante sobre “Fale Comigo” é que, como um filme independente, ele teve um orçamento bem pequeno, de aproximadamente US$4,5 milhões. Para fins de comparação, o primeiro “Invocação do Mal” teve US$20 milhões ao seu dispor. “It: A Coisa” foi ainda além, custando US$35 a 40 milhões. Para mim, é simplesmente impressionante que duas pessoas cuja experiência anterior com o fazer cinematográfico era através do YouTube conseguiram fazer algo tão eficiente e profissionalmente bem feito com uma quantidade extremamente limitada de dinheiro. É incrível ver o controle que Danny e Michael Philippou mostram em todos os aspectos técnicos, para que eles possam ter o efeito máximo no espectador. A câmera do Aaron McLisky e a montagem do Geoff Lamb sabem exatamente quando cortar e quando estender a cena para que a atmosfera envolva quem está assistindo por completo. O design de som é essencialmente imersivo, adicionando ao caráter perturbador de algumas cenas em particular.

E por último, mas não menos importante, uma vantagem enorme que os filmes de terror independentes têm, pelo orçamento limitado, é o uso de efeitos especiais práticos. Eu já disse isso aqui e digo novamente: efeitos em computação gráfica nunca serão mais assustadores do que aqueles gerados por um trabalho árduo de maquiagem, penteado e litros de sangue cenográfico. O realismo e a dedicação nessa arte fazem tudo que está em tela parecer palpável, e isso funciona da melhor maneira possível em “Fale Comigo”. Os espíritos, quando visíveis, são completamente aterrorizantes, e as cenas onde os personagens são possuídos por estes espíritos funcionam não somente pela atuação convincente dos atores, mas também pelo uso criativo de efeitos práticos, que causam um desconforto e medo maiores no espectador, por aquilo parecer real. Para mim, isso é algo que todo filme de terror deveria seguir, na medida do possível.

(Small budget, big ambitions

An interesting fact about “Talk to Me” is that, as an independent film, it had a relatively small budget, of approximately US$4.5 million. For example, in order to compare it to other horror films, the first “The Conjuring” had US$20 million to spend. 2017's “It” went even further beyond, costing US$35 to 40 million. To me, it's simply astonishing that two people whose previous experience with filmmaking was through YouTube were able to do something this effective and professionally well-done with an extremely limited amount of money. It's incredible to see the control that Danny and Michael Philippou show in every technical aspect, so that they can have maximum effect on the viewer. Aaron McLisky's camera and Geoff Lamb's editing know exactly when to cut and when to extend the scene for the atmosphere to completely envelop who's watching. The sound design is essentially immersive, adding to the disturbing vein of a few particular scenes.

And at last, but not least, an enormous advantage that indie horror films have, due to their limited budget, is the use of practical special effects. I've said this before and I'll say it again: CGI-generated effects will never be more frightening than the ones created through a hard work of make-up, hairstyling and gallons of fake blood. The realism and dedication put into that craft make everything onscreen seem palpable, and that works in the best way possible in “Talk to Me”. The spirits, when visible, are completely terrifying, and the scenes where the characters are possessed by those spirits work not only because of the actors' convincing performances, but also through the creative use of practical effects, which cause a larger amount of discomfort and fear in the viewer, because of the fact that it actually looks real. To me, that's something that every horror film should stick by, whenever it's possible.)



Resumindo, com “Fale Comigo”, os estreantes australianos Danny e Michael Philippou fazem um cartão de visitas deliciosamente aterrorizante, graças à abordagem contemporânea de uma premissa amplamente utilizada, performances dedicadas de um elenco jovem promissor e um controle criativo louvável dos aspectos técnicos ao seu dispor, resultando no melhor filme de terror de 2023 até o momento e um dos melhores exemplares do gênero distribuídos pela A24. Que venha a sequência!

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, with “Talk to Me”, Australian debuting directors Danny and Michael Philippou make a delightfully terrifying calling card, thanks to the contemporary approach of a widely used premise, dedicated performances from a young promising cast and a praise-worthy creative control over its technical aspects, resulting in the best horror movie of 2023 so far and one of the best outings of the genre distributed by A24. Bring us the sequel!

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)