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Na indústria cinematográfica, o que não falta são homenagens de seus cineastas à sétima arte, destacando a criatividade, o trabalho esforçado, e muitas vezes a dificuldade de realizar um filme. Como exemplos relativamente atuais, temos obras como “A Invenção de Hugo Cabret”, de Martin Scorsese; “Era uma Vez em... Hollywood”, de Quentin Tarantino; e “Os Fabelmans”, de Steven Spielberg. Alguns destes tributos não somente prestam respeito ao cinema em si, mas também à experiência de assisti-lo em uma sala escura com uma tela enorme, como o clássico “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore; e os subestimados “Cine Majestic”, de Frank Darabont, e “Império da Luz”, de Sam Mendes. Graças à uma das estreias mais recentes nos cinemas do país, podemos acrescentar mais uma obra a esta lista: o documentário brasileiro “Retratos Fantasmas”, realizado por Kleber Mendonça Filho.
Pré-selecionado para concorrer à uma vaga para representar o Brasil em mais uma corrida pelo Oscar de Melhor Filme Internacional, a mais nova obra do diretor de clássicos contemporâneos do cinema nacional, como “O Som Ao Redor”, “Aquarius” e “Bacurau”, encontra seu realizador em seu momento mais pessoal, explorando sua paixão crescente pela sétima arte e seu apreço enorme pelos cinemas de rua do centro de Recife, sua cidade natal. Há três razões em particular às quais é possível atribuir a excelente transmissão da mensagem contida dentro de “Retratos Fantasmas”: a abordagem do fazer cinematográfico como algo íntimo para o cineasta; a urbanização como um ponto chave para o desaparecimento dos cinemas de rua; e a resistência das memórias afetivas das pessoas que frequentam estes estabelecimentos como a razão de alguns ainda permanecerem em pé.
O que Kleber Mendonça Filho faz aqui é particularmente incrível, porque ao falar de Recife, ele acaba falando de toda cidade do Brasil cujo centro financeiro foi deslocado ao longo do tempo. Por isso, a presente crítica, além de analisar o trabalho em questão, fará uma comparação paralela entre tudo o que foi exposto no documentário e o que acontece em Goiânia (de onde a crítica está sendo escrita), em relação à sua urbanização e ao desaparecimento gradual de seus cinemas de rua, com o objetivo de comprovar a universalidade na abordagem escolhida pelo diretor.
(In the film industry, homages from its filmmakers to their art come aplenty, highlighting the creativity, the hard work, and many times the difficulties faced in making a film. As relatively current examples, we have works like Martin Scorsese's “Hugo”; Quentin Tarantino's “Once Upon a Time in... Hollywood”; and Steven Spielberg's “The Fabelmans”. Some of these tributes not only pay respect to cinema itself, but also to the experience of seeing it on a dark room with a huge screen, such as Giuseppe Tornatore's classic “Cinema Paradiso”; and underrated gems such as Frank Darabont's “The Majestic”, and Sam Mendes's “Empire of Light”. Thanks to one of the most recent releases in Brazil's movie theaters, we can add one more work to that list: the documentary “Pictures of Ghosts”, directed by Kleber Mendonça Filho.
Pre-selected to apply for a slot to represent Brazil in yet another race for the Oscar for Best International Feature Film, the newest work by the director responsible for contemporary classics of Brazilian cinema, such as “Neighboring Sounds”, “Aquarius” and “Bacurau”, finds its filmmaker in his most personal moment, exploring his growing passion for the art of cinema and his enormous appreciation towards the street movie theaters in the downtown of Recife, his hometown. There are three reasons to which it's possible to atribute the excellent conveying of the message contained within “Pictures of Ghosts”: its approach to filmmaking as something intimate to its subject; the urbanization as a key factor towards the disappearance of street cinemas; and the resistance of memories from the people who attend to these establishments as the reason why some of them still stand.
What Kleber Mendonça Filho does here is particularly amazing, because by talking about Recife, he ends up talking about every city in Brazil where its financial center changed throughout history. Because of that, this review, besides analyzing the work displayed here, will make a parallel comparison between everything that was exposed in the documentary and what happens in Goiânia (from where the review is being written), when it comes to its process of urbanization and the gradual disappearance of its street movie theaters, with the objective of proving the universality in the approach the director chose.)
O cinema como algo íntimo e pessoal
Um dos acertos de “Retratos Fantasmas” é a sua subdivisão em três partes, partindo de um ponto mais particular e expandindo gradualmente para o universal. A primeira é concentrada na história do próprio Kleber Mendonça Filho, que narra o documentário por completo. Tendo como pano de fundo o seu crescimento em um apartamento no bairro de Setúbal, em Recife, o cineasta discorre sobre sua mãe e destaca a influência dela no desejo dele de fazer cinema. Esta primeira parte parece ser um recado para todo jovem brasileiro ou não que almeja seguir a mesma carreira, pois mostra que grande parte do trabalho inicial do diretor foi rodado dentro deste apartamento, inclusive o seu primeiro longa-metragem, “O Som ao Redor”, lançado em 2012. A montagem faz um trabalho ágil de transitar entre fotos e filmagens do arquivo pessoal do realizador e fragmentos de suas obras, e com isso, permite que o espectador tenha uma proximidade mais íntima do narrador.
De fato, esta proximidade pode ser tamanha, que pode beirar à identificação com aquilo que está sendo mostrado em tela. Este crítico que vos escreve, em particular, se sentiu bastante visto na trajetória de Kleber Mendonça Filho, e aqui, a crítica fará um parêntese para transitar para a primeira pessoa. Durante o ápice da pandemia, em meados de 2020, eu, como milhões de pessoas ao redor do mundo, me vi dominado pela ansiedade em relação ao COVID-19, em especial sobre o que aconteceria se uma das pessoas do meu círculo familiar mais próximo contraísse a doença. Deste ponto de vista, me veio a ideia de escrever um roteiro que conseguisse transmitir essa angústia para a tela. O resultado foi um documento de 37 páginas, cujas cenas são inteiramente ambientadas dentro da minha casa. Objetos que tenho serviram como adereços para uma possível direção de arte, partes específicas dos cômodos são referenciadas nos mínimos detalhes. Mesmo que eu já tenha iniciado outros trabalhos de ficção, este roteiro não filmado, embora amador, continua sendo meu trabalho mais pessoal até o momento, e eu não pude evitar a identificação com o diretor em relação à isso.
(Filmmaking as something intimate and personal
One of the things that “Pictures of Ghosts” gets right is its division into three parts, going from a more particular point of view and gradually expanding towards an universal one. The first part is focused on the story of Kleber Mendonça Filho himself, who also narrates the documentary in its entirety. Having his coming-of-age in an apartment in the neighborhood of Setúbal, in Recife, as a background, the filmmaker tells us about his mother and highlights her influence in his desire to make movies. This first part seems to be a message to every young person, Brazilian or not, who wishes to follow the same footsteps, as it shows that a great part of the director's initial work was filmed inside this apartment, including his first feature film, “Neighboring Sounds”, released in 2012. The editing does an agile job in shifting through photos and footage from the author's personal archive and fragments of his works, and with that, it allows the viewer to have a more intimate closeness with the narrator.
Indeed, that closeness can reach such high levels, that it can also generate identification to what's being shown onscreen. This particular critic felt quite seen through Kleber Mendonça Filho's trajectory, and here, the review will quickly switch to the first person. During the peak of the pandemic, throughout 2020, I, just like millions of people around the world, saw myself dominated by anxiety in regards to COVID-19, especially about what would happen if one of the people in my closest family circle contracted it. From that point of view, an idea came to me of writing a script that managed to convey that anguish to the screen. The result was a 37-page document, where the scenes are entirely set in my house. Objects that I have served as props for production design, specific parts of the rooms are described to the tiniest detail. Even though I've already moved on to other fiction projects, this unfilmed script, albeit amateurish, remains being my most personal work to date, and I couldn't help but relate to the director because of it.)
A urbanização e os cinemas de rua
Outro assunto colocado em pauta, em sua maioria, na segunda parte de “Retratos Fantasmas” é a urbanização e seu impacto no centro de Recife e, em especial, nos cinemas de rua. Kleber serve como nosso guia aos estabelecimentos que marcaram sua formação como cinéfilo, muitos dos quais já se encontram de portas fechadas nos dias de hoje. Mergulhando na história de cada cinema abordado, o próprio diretor descobre coisas que ele mesmo, até aquele momento, não tinha ciência. Um exemplo bastante interessante é o fato de um dos prédios que ele mais frequentava, originalmente, seria um centro de distribuição de propaganda nazista durante o governo de Getúlio Vargas nos anos 1930 e 1940, que tinha Recife como uma cidade estratégica para a propagação deste conteúdo.
O longa também mostra o destino de muitos destes cinemas que se encontram fechados, e o diretor faz a escolha certeira de usar filmagens de arquivo para, logo depois, revelar o estado atual destes prédios, afetados ou pela chegada de novos atores devido à desvalorização imobiliária do centro de Recife, como igrejas neopentecostais e lojas de eletrodomésticos, ou pelo completo abandono. Uma sequência em particular chama a atenção: um antigo cinema de rua que, outrora, era reminiscente à um palácio; mas, agora, parece um prédio mal-assombrado, com luzes piscando e morcegos voando. É uma parte triste de testemunhar, pois é possível ver que estes cinemas faziam parte da personalidade da cidade; porém, o cineasta faz questão de demonstrar que o centro de Recife não morreu por conta disso, adicionando um tom agridoce aos seus depoimentos.
O mesmo cenário pode ser visto em Goiânia: em sua era de ouro, existiam cerca de 15 cinemas de rua no centro da capital de Goiás. Porém, com o tempo, a urbanização veio, com a desvalorização imobiliária, o deslocamento do centro financeiro da cidade e o surgimento de novos atores, forçando estes estabelecimentos a fecharem as portas. Destes 15, somente três permanecem em pé: o Cine Ritz, o Cine Ouro (que somente sedia eventos, não sendo um cinema comercial), e o Cine Cultura, este último sendo o cinema no qual possibilitou a escrita dessa resenha pela exibição de “Retratos Fantasmas”. Caso queiram saber mais sobre a história destes cinemas, este crítico auxiliou em uma reportagem investigativa sobre eles, e ela pode ser lida aqui neste link.
(Urbanization and street movie theaters
Another subject that's put into discussion, in its majority, in the second part of “Pictures of Ghosts” is urbanization and its impact in downtown Recife and, especially, in its street movie theaters. Kleber is our guide through the establishments that marked his formation as a cinephile, many of which have their doors closed nowadays. Diving into the story of each cinema approached, the director himself discovers things that even he, up until that point, was unaware of. One pretty interesting example is the fact that one of the buildings he attended the most, originally, would be a distribution centre of Nazi propaganda during the tenure of Getúlio Vargas in the 1930s and 1940s, which had Recife as a strategic city for the spreading of this content.
The film also shows the destiny of many of these theaters that are closed, and the director makes the right choice of using archival footage to, soon after, reveal the current state of these buildings, affected either by the arrival of new actors due to the real estate devaluation of downtown Recife, like neo-pentecostal churches and department stores, or by complete abandon. One particular sequence comes to mind: an old street movie theater that, previously, was reminiscent of a palace; but, now, it looks like a real haunted building, with blinking lights and flying bats. It's a sad part to witness, because it's possible to see how these cinemas were part of the city's personality; however, the filmmaker shows us that downtown Recife isn't “dead” because of that, adding a bittersweet tone to his statements.
The same scenario can be seen in Goiânia: in its golden age, there were 15 street movie theaters in the downtown part of Goiás's capital. However, throughout time, urbanization came, with its real estate devaluation, the displacement of the city's financial centre and the upbringing of new actors, forcing these establishments to close their doors. Out of these 15, only three remain standing tall: Cine Ritz, Cine Ouro (which only hosts events, not being a commercial venue), and Cine Cultura, the latter being the one that made this review possible, through its screening of “Pictures of Ghosts”. In case you wish to know more about these buildings, this critic helped in writing an investigative report on them, and you can read it (in Portuguese) here.)
A memória afetiva como resistência
A terceira e última parte de “Retratos Fantasmas” oferece uma luz no fim do túnel para o cenário nada promissor da parte anterior, focando na sobrevivência de um cinema em particular no centro de Recife, o Cinema São Luiz, inaugurado em 1952 e tombado em 2008 pelo governo estadual. A paixão do cineasta na descrição do espaço e as imagens reconfortantes de filas quilométricas para entrar na sala são a chave para compreender o porquê de alguns cinemas de rua permanecerem de pé: as memórias afetivas das pessoas que o frequentam. Este terceiro segmento tem um título bem interessante: “Igrejas e Espíritos Santos”. Poderia ser uma referência à aquisição destes espaços por grupos religiosos, mas há um segundo sentido muito mais profundo: a idealização do cinema de rua como uma espécie de “templo”, com o Cinema São Luiz sendo um perfeito exemplo disso. (Obs.: O Cinema São Luiz se encontra fechado desde maio de 2022, mas uma reinauguração foi programada para 2024, anunciada perto da estreia deste documentário. Coincidência? Acho que não.)
O “espírito” seria a experiência de ir em um cinema de rua em si, a qual era tratada antigamente como um verdadeiro evento. Era “o” lugar para ir nos finais de semana, ou nas matinês. Atualmente, com os cinemas sediados em shopping centers, temos acesso à mais alta tecnologia disponível no mercado, e isso é simplesmente sensacional. Porém, ao mesmo tempo, é possível sentir que falta algo no processo da ida como um todo, e esse sentimento vem diretamente das memórias afetivas que uma pessoa tem em relação à ida ao cinema. Não é coincidência que muitas pessoas (não lembro se eu fui uma delas) tiveram sua primeira experiência com a telona em um destes estabelecimentos no centro das cidades. Em Goiânia, isso se tornou bastante evidente quando um dos únicos sobreviventes do Centro, o Cine Ritz, sofreu uma breve interdição. Caso se interessem em ler mais sobre o assunto, este crítico fez uma reportagem que pode ser lida aqui neste link.
(Affective memory as resistance
The third and final part of “Pictures of Ghosts” offers a light at the end of the tunnel to the grim scenario of the previous part, focusing on the survival of a particular theater in downtown Recife, Cinema São Luiz, which opened in 1952 and was considered a cultural heritage in 2008 by the state's government. The filmmaker's passion in the description of the space and the comforting images of mile-long lines to enter the room are the key to understand why some street cinemas still stand tall: the affective memories of people who attend them. This third segment has a rather interesting title: “Churches and Holy Spirits”. It could be a reference to the acquisition of these spaces by religious groups, but there's a much deeper second meaning: the idealization of the street movie theater as some sort of “temple”, with Cinema São Luiz being a perfect example of that. (Fact: Cinema São Luiz has been closed since May 2022, but a re-opening was programmed for 2024, announced close to the release of this documentary. Coincidence? I think not.)
The “spirit” would be the experience of going to a street movie theater itself, which was treated as a real event, at its golden years. It was “the” place to go to on weekends, or matinees. Nowadays, with movie theaters being linked with shopping centers, we have access to all the cutting-edge technology has to offer in the market, and that's simply sensational. However, at the same time, we can't help but feel like it's missing something in the process as a whole, and that feeling comes directly from the affective memories a person has in regards of going to the movies. It's not a coincidence that many people (can't remember if I'm among them) had their first moviegoing experience at one of these establishments in the downtown neighborhood of their cities. In Goiânia, that became really evident when one of the last street cinema survivors, Cine Ritz, suffered a brief interdiction. If you are interested in reading more about it, this critic made a report that can be read (in Portuguese) here.)
Resumindo, “Retratos Fantasmas” é um relato íntimo e, ao mesmo tempo, universal sobre história, cinema, memória e resistência. Sendo o trabalho mais pessoal de Kleber Mendonça Filho até o momento, esta jornada nostálgica e melancólica pelo passado destaca a experiência de ir à um cinema de rua como única e a importância destes estabelecimentos para a personalidade cultural das cidades brasileiras, ressaltando a memória como fator chave para a permanência dos mesmos. Torcendo com todas as forças para que o Brasil escolha este filme como representante para o Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional. Cinema é massa! (Quem viu, vai entender.)
Nota: 10 de 10!!
É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,
João Pedro
(In a nutshell, “Pictures of Ghosts” is an intimate and, simultaneously, universal statement on history, filmmaking, memory and resistance. As Kleber Mendonça Filho's most personal work to date, this nostalgic, bittersweet journey to the past highlights the experience of going to a street movie theater as unique and the importance of these establishments to the cultural personalities of Brazilian cities, making memory a key factor for those buildings to remain standing tall. I'm rooting with all my heart that Brazil chooses this film to represent the country in 2024's Oscar race for Best International Feature Film.
I give it a 10 out of 10!!
That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,
João Pedro)