E não se esqueçam de curtir e seguir o blog nas redes sociais:
(And don't forget to like and follow the blog in social medias:)
Facebook: https://www.facebook.com/NoCinemaComJoaoPedroBlog/
Twitter: @nocinemacomjp2
Instagram: @nocinemacomjpblog
YouTube: https://www.youtube.com/@nocinemacomjp
Os melhores filmes considerados “extremos” são aqueles que usam seus aspectos mais explícitos como um véu que esconde uma tremenda história por trás. Um exemplo recente é o subestimado “Babilônia”, o épico de 3 horas de Damien Chazelle que se inicia com um elefante defecando monstruosamente e uma orgia, para depois desenvolver uma verdadeira odisseia sobre as mudanças que ocorreram na transição entre o cinema mudo e o falado. Em “Saltburn”, novo filme de Emerald Fennell disponível para streaming na Prime Video, cenas de devassidão e uma sequência envolvendo uma banheira que vai dar o que falar são simplesmente um chamariz para um suspense psicológico de primeira categoria que se disfarça de sátira social.
A primeira obra de Fennell após sua vitória no Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original por sua estreia “Bela Vingança”, “Saltburn” reforça a capacidade da diretora e roteirista de misturar perfeitamente o gênero do suspense com um senso de humor negro e satírico, algo que já era presente desde seu trabalho na segunda aclamada temporada da série de espionagem “Killing Eve”. Intensificando o tom da narrativa no decorrer da trama, a cineasta nunca falha em surpreender o espectador com seu novo filme, seja pelas voltas que o roteiro dá, pelas atuações dignas de prêmios de seu elenco, ou pela imersão completa na atmosfera britânica do início dos anos 2000.
(The best films considered “extreme” are those that use their most explicit aspects as a veil that conceals one hell of a story behind it. A recent example is the underrated “Babylon”, Damien Chazelle's 3-hour epic that opens with an elephant defecating monstruously and an orgy, only to then develop a true odyssey on the changes that occurred during the transition between silent films and talkies. In “Saltburn”, the new film by Emerald Fennell that's now streaming on Prime Video, scenes of debauchery and a sequence involving a bathtub that's bound to spark some discussion are merely a decoy for a first-rate psychological thriller that disguises itself as a social satire.
Fennell's first work after her Oscar win in the Best Original Screenplay category for her directorial debut “Promising Young Woman”, “Saltburn” reinforces the writer-director's ability to perfectly blend the thriller genre with a dark, satirical sense of humor, something that was already there ever since her work on the acclaimed second season of the espionage TV show “Killing Eve”. Intensifying the narrative's tone as the plot moves forward, the filmmaker never fails to surprise the viewer with her new film, whether it's because of the screenplay's twists and turns, the cast's award-worthy performances, or its complete immersion in the British atmosphere of the early 2000s.)
Trama
“Saltburn” é um filme que tem seu impacto máximo no espectador com o mínimo de conhecimento prévio possível, então vou reduzir a sinopse às seguintes palavras: Oliver Quick (Barry Keoghan, “Os Banshees de Inisherin”) é um universitário de Oxford que se encontra obcecado pela família aristocrática de seu colega Felix (Jacob Elordi, “Euphoria”). Conforme os dois vão se conhecendo melhor, Felix convida Oliver para passar um verão inesquecível na mansão de sua família, um castelo imponente conhecido como Saltburn.
(Plot
“Saltburn” is a film that leaves maximum impact on the viewer with as little prior knowledge as they can gather, so I'll reduce the plot synopsis to the following words: Oliver Quick (Barry Keoghan, “The Banshees of Inisherin”) is an Oxford undergraduate student who finds himself obsessed with the aristocratic family of his colleague Felix (Jacob Elordi, “Euphoria”). As the two get to know each other better, Felix invites Oliver to spend an unforgettable summer in his family's mansion, a majestic castle known as Saltburn.)
Suspense e humor negro no “Talentoso Ripley” do séc. XXI
O primeiro destaque a fazer sobre o roteiro de “Saltburn” é o quão bem ele mistura os gêneros geralmente opostos de suspense e comédia, reforçando o trabalho vencedor do Oscar de Fennell em “Bela Vingança”. O filme se inicia como uma sátira social, explorando as diferenças entre classes diferentes dentro do cenário universitário. A partir do momento em que Oliver entra em Saltburn, a trama vai lentamente se direcionando para uma vibe mais séria e intrigante, conseguindo reter o senso de humor através dos familiares ricos de Felix. De forma similar aos momentos-chave de suspense em sua estreia, a diretora e roteirista frequentemente pega o espectador desprevenido com as doses sombrias cada vez mais intensas espalhadas pelas partes cômicas, injetando no longa-metragem um altíssimo teor de entretenimento.
Outro destaque é a abordagem essencialmente psicológica no desenvolvimento de seu protagonista. O material promocional, focando nas partes mais provocantes, fez parecer que o filme seria um romance gay entre os personagens de Keoghan e Elordi. E, ao mesmo tempo que foi uma propaganda falsa para quem esperava algo parecido, foi uma maneira brilhante de manter a verdadeira mensagem do longa em segredo: é uma história sobre as distâncias que uma pessoa é capaz de percorrer para pertencer à um lugar que não é seu habitat natural. Fennell lida com essa trajetória através das partes provocantes supracitadas, que revelam novas camadas em seu personagem principal de maneira surpreendente e, muitas vezes, bizarra, resultando em sequências e reviravoltas de cair o queixo.
Muitos críticos compararam “Saltburn” à “O Talentoso Ripley”, romance icônico de Patricia Highsmith que ganhou uma impecável adaptação para o cinema em 1999 protagonizada por Matt Damon, e é uma comparação extremamente válida, pela abordagem psicológica de temas similares. Indo além do roteiro, Fennell faz questão de refletir a verdadeira mensagem do longa através da direção de fotografia sublime de Linus Sandgren, rodada na proporção de tela 1.33:1, com uma imagem mais estreita, para dar a impressão de alguém estar bisbilhotando nos eventos da trama pelas frestas de uma porta entreaberta. É uma escolha visual criativa por parte da diretora, que promete ser uma das vozes mais potentes da nossa geração.
(Suspense and dark humor in the 21st century's “Talented Mr. Ripley”
The first highlight to make on the screenplay for “Saltburn” is how well it mixes the generally opposing genres of thriller and comedy, reinforcing Fennell's Oscar-winning work in “Promising Young Woman”. The film starts off as a social satire, exploring the differences between different classes inside the college scenario. Starting from the moment Oliver enters Saltburn, the plot slowly directs itself towards a more serious, intriguing vibe, managing to retain the sense of humor through Felix's wealthy family members. In a similar way to the key moments of suspense in her debut, the writer-director frequently catches the viewer off guard with its dark doses that grow more and more intense, being sprinkled inbetween its more comical parts, injecting the feature with a high level of entertainment.
Another highlight is the essentially psychological approach to the development of its protagonist. The promotional material, focusing in the more provocative parts, made it look like the film was going to be a gay romance between Keoghan and Elordi's characters. And, at the same time it was false advertising for those that expected something like that, it was also a brilliant way of keeping the movie's true message a secret: it's a story about the lengths that a person can go in order to belong in a place that's not their natural habitat. Fennell deals with this trajectory through the aforementioned provocative parts, which reveal new layers to its main character in a surprising and, many times, bizarre way, resulting in jaw-dropping sequences and plot twists.
Many critics have compared “Saltburn” to “The Talented Mr. Ripley”, the iconic novel by Patricia Highsmith that was flawlessly adapted in 1999 into a movie starring Matt Damon, and it's an extremely valid comparison, because of both films' psychological approach towards similar themes. Going beyond the screenplay, Fennell makes a point to reflect the feature's true message through Linus Sandgren's sublime cinematography, shot in an aspect ratio of 1.33:1, with a more narrow image, in order to give the impression that someone is eavesdropping on the plot's events through the gap in an almost closed door. It's a creative visual choice in the director's behalf, as she promises to be one of the most potent voices in our generation.)
Muitos jovens, poucos veteranos (e isso é bom)
É interessante ver como o foco no elenco de “Saltburn” é no elenco mais jovem, mesmo tendo nomes veteranos como Rosamund Pike, Richard E. Grant e Carey Mulligan, mas é inegável que foi a escolha criativa certa a se fazer, brilhando um holofote para uma geração mais nova e tão talentosa quanto a anterior. Desde a primeira vez em que vi Barry Keoghan em tela, em “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, ele causou uma impressão enorme em mim, que somente foi intensificada pelo seu papel indicado ao Oscar em “Os Banshees de Inisherin”. Aqui, ele testa e, muitas vezes, ultrapassa seus limites como ator, transitando entre inocência e frieza de maneira sensacional. Não é à toa que ele foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Ator – Drama por seu papel aqui. Keoghan tem uma química palpável com o ótimo Jacob Elordi, cujo personagem consegue emanar uma atitude despreocupada contagiante, sendo mais parecido com o protagonista do que sua própria família.
Como dois familiares de Felix na mesma faixa etária da dupla, temos performances roubadoras de cena de Alison Oliver e Archie Madekwe. Os personagens deles servem como um constante lembrete para o protagonista de seu não pertencimento no círculo familiar de Saltburn, e as cenas onde Keoghan confronta tanto Oliver quanto Madekwe são salpicadas por um sarcasmo e cinismo capazes de fazer o queixo do espectador cair. A troca de farpas com o primo rico acostumado de Madekwe são particularmente divertidas de assistir, sendo o mais próximo de uma relação protagonista-antagonista que o roteiro estabelece.
No lado dos veteranos, temos o trio supracitado composto por Rosamund Pike, Richard E. Grant e Carey Mulligan, através dos quais Fennell expõe o egoísmo e a antipatia presentes nas classes aristocráticas. Pike e Grant, em particular, são alívios cômicos eficientes ao longo do tempo de duração de 2 horas e 15 minutos como os pais de Felix, mas conseguem mostrar outras camadas em seus personagens, em especial perto da conclusão do filme, evitando que eles sejam unidimensionais, o que é muito bem-vindo. Gostaria de ter visto mais da Carey Mulligan, mas já pelo seu curto tempo de tela, ela causa uma impressão bem forte, mesmo com sua personagem sendo drasticamente diferente da que interpretou no filme “Maestro”, de Bradley Cooper, no bom sentido.
(Many youngsters, few veterans (and that's very good)
It's interesting to see how the focus in the cast of “Saltburn” is on the younger cast, even with seasoned names like Rosamund Pike, Richard E. Grant and Carey Mulligan, but it's undeniable that that was the right creative choice to make, shining a spotlight on a newer generation that's as talented as the previous one. Ever since the first time I saw Barry Keoghan onscreen, in “The Killing of a Sacred Deer”, he made an enormous impression on me, which just became more intense with his Oscar-nominated turn in “The Banshees of Inisherin”. Here, he tests and, often, surpasses his limits as an actor, traveling between innocence and coldness in a sensational way. It's not surprising that he got nominated for the Golden Globe for Best Actor in a Leading Role – Drama for his role here. Keoghan has a palpable chemistry with the great Jacob Elordi, whose character manages to exhale a contagious careless attitude, acting more like the protagonist than his own family.
As two of Felix's relatives in the same age as the main duo, we have scene-stealing performances by Alison Oliver and Archie Madekwe. Their characters serve as a constant reminder of the protagonist's not belonging in Saltburn's family circle, and the scenes where Keoghan confronts both Oliver and Madekwe are drizzled with a dose of sarcasm and cynicism that are fully able to make the viewer's jaw drop in awe. His squabbling with Madekwe's rich accostumed cousin is particularly fun to watch, being the closest the script gets to a protagonist-antagonist dynamic.
In the veterans' side, we have the aforementioned trio composed by Rosamund Pike, Richard E. Grant and Carey Mulligan, through which Fennell exposes the selfishness and antipathy in aristocratic classes. Pike and Grant, in particular, are efficient comic reliefs throughout the 2-hour-and-15-minute runtime as Felix's parents, but they manage to show other layers to their characters, especially towards the plot's conclusion, avoiding a position for them as one-dimensional characters, which is a very welcome decision. I wish I could've seen more of Carey Mulligan, but through her short screentime, she causes a very strong impression, even if her character here is wildly different from her turn in Bradley Cooper's “Maestro”, in a good way.)
A atmosfera perfeita
A escolha da ambientação no início dos anos 2000 foi outro grande acerto para “Saltburn”, menos pela nostalgia, que também é bem presente, e mais pelo fato de não ter sido uma época essencialmente digital. Por ser uma década onde a tecnologia que possibilita a rapidez na transmissão de informação ainda não havia alcançado a abrangência e o imediatismo dos dias atuais, isso permite com que Emerald Fennell elabore uma trama mais “analógica”, no melhor sentido possível, limitando a ação no roteiro aos arredores das ambientações. Além disso, é muito legal ver os personagens se divertindo com qualquer coisa exceto seus dispositivos móveis, seja andando de Jeep ao som de The Killers ou revezando na leitura do último livro de “Harry Potter”.
Outro destaque fica com a direção de arte, que faz um ótimo trabalho em estabelecer um contraste visual entre a identidade festeira e despreocupada da juventude e a classe e a aristocracia dos adultos na sociedade britânica. O castelo de Saltburn, localizado ao leste do centro da Inglaterra, parece ser um personagem em si, com toda a sua grandiosidade e infinidade de cômodos. É tudo muito cuidadosamente decorado, para refletir a sofisticação inerente de seus moradores. Porém, é um lugar igualmente atraente quando invadido pelas cores neon e pop que caracterizam os personagens mais jovens, com a direção de fotografia de Linus Sandgren fazendo uso de uma paleta vibrante e colorida.
Como a cereja no bolo, temos a trilha sonora, que funciona tanto no quesito instrumental, através do trabalho incrível de Anthony Willis, quanto no aspecto diegético, onde somos presenteados com hits de bandas e cantores do movimento Britpop, popularizado na época retratada. Nas faixas originais de Willis, o caráter psicológico da trama e o prestígio da ambientação em Oxford são refletidas por meio de uma presença forte de orquestras, que tornam a atmosfera ainda mais intensa. Entre os hits do início dos anos 2000, temos artistas como The Cheeky Girls, Arcade Fire, Bloc Party, Benny Benassi, Arctic Monkeys, MGMT, Blur e Sophie Ellis-Bextor, com algumas das canções sendo o foco de certas cenas-chave, aumentando o impacto delas como resultado.
(The perfect atmosphere
The choice of setting in the early 2000s was another home run for “Saltburn”, less for its nostalgia, which is also pretty present, but more for the fact that it wasn't an essentially digital time. Because it's a decade where technology that allows fastness in transmitting information hadn't yet reached today's wide range and immediateness, it allows Emerald Fennell to elaborate a more “analog” plot, in the best way possible, limiting the screenplay's action to the setting's surroundings. Besides, it's really nice to see the characters having fun with anything but their mobile devices, whether it's riding a Jeep listening to the Killers, or taking turns reading the last “Harry Potter” book.
Another highlight stays with the production design, that does a great job in establishing a visual contrast between the youth's partying and careless identity with the adults' class and aristocracy in British society. The Saltburn castle, located in the East Midlands of England, feels like a character in itself, with all its greatness and infinity of rooms. It's all very carefully decorated, in order to reflect its inhabitants' inherent sophistication. However, it ends up as an equally appealing place when it's invaded by the neon, pop colors that symbolize the younger characters, with Linus Sandgren's cinematography using a vibrant, colorful palette.
As the cherry on top, we have the music, which works both as a score, through Anthony Willis's incredible work, and as a soundtrack, where we're gifted with hits by bands and singers from the Britpop movement, which was made popular in the film's timeframe. In Willis's original tracks, the plot's psychological vein and the prestige of Oxford as a setting are reflected through a strong presence of orchestras, which make the atmosphere all the more intense. Among the hits of the early 2000s, we have music by artists such as The Cheeky Girls, Arcade Fire, Bloc Party, Benny Benassi, Arctic Monkeys, MGMT, Blur and Sophie Ellis-Bextor, with some of the songs playing a major part in some of the film's key scenes, enhancing their impact as a result.)
Resumindo, “Saltburn” reforça o incrível talento de Emerald Fennell como roteirista e diretora, graças à uma trama que perfeitamente mistura suspense e humor negro, um elenco maravilhoso que entrega atuações dignas de prêmios, e uma imersão completa na atmosfera da Inglaterra do início dos anos 2000. Como uma das vozes mais promissoras da nossa geração, a cineasta faz uma série de acertos criativos consecutivos que transformam essa obra provocante e essencialmente satírica em um dos melhores filmes de 2023.
Nota: 10 de 10!!
É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,
João Pedro
(In a nutshell, “Saltburn” reinforces Emerald Fennell's incredible talent as a writer and director, thanks to a plot that perfectly blends suspense and dark humor, a wonderful cast that delivers award-worthy performances, and a full-on immersion into the atmosphere of England in the early 2000s. As one of the most promising voices in our generation, the filmmaker makes a series of consecutive creative home runs that transform this provocative and essentially satirical piece of work into one of the best films of 2023.
I give it a 10 out of 10!!
That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,
João Pedro)