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Graças a Deus pelo Festival Fringe de Edimburgo. O maior evento de artes do mundo, o Festival foi fundado em 1947, sendo sempre sediado na capital da Escócia no mês de agosto, servindo de palco para talentos de diferentes áreas culturais, somente perdendo para as Olimpíadas e a Copa do Mundo em termos de bilheteria. Foi lá que fomos apresentados ao fenômeno que iria se tornar Phoebe Waller-Bridge, com sua inesquecível Fleabag fazendo sua estreia mundial em Edimburgo no ano de 2013, na forma de uma peça de uma atriz só, evoluindo para a excepcional série de TV que todos veneram. O Fringe também foi o palco inicial para o comediante Richard Gadd, cujo monólogo de 2019 deu origem à minissérie de 7 episódios em análise, “Bebê Rena”, lançada no catálogo da Netflix no dia 11 de abril.
De forma similar ao trabalho de Waller-Bridge em “Fleabag”, “Bebê Rena” é um estudo de personagem do protagonista interpretado por Gadd, inspirado nele mesmo. O diferencial é que a trama da minissérie da Netflix é baseada em fatos reais, misturando a capacidade do autor e ator de envolver o público em uma história altamente viciante (algo que Waller-Bridge também faz de forma primorosa) com uma honestidade tão crua que chega a ser aterrorizante. O resultado é uma mistura impecável entre drama e suspense com um toque de humor negro, guiada por uma valsa perversa entre Gadd e a atriz Jessica Gunning, que também funciona como um conto preventivo sobre o impacto emocional que o trauma tem em uma pessoa e a necessidade de pedir ajuda.
(Thank God for the Edinburgh Festival Fringe. The largest arts event in the world, the Festival was founded in 1947, always being held in the capital of Scotland in the month of August, serving as a stage for talents of different cultural areas, only losing to the Olympics and the FIFA World Cup, when it comes to box office. It was there that we were introduced to the phenomenon that would become Phoebe Waller-Bridge, with her unforgettable Fleabag making her worldwide debut in Edinburgh in 2013, in the form of a one-woman show, eventually evolving into the exceptional TV show everybody loves. The Fringe was also the early stage for comedian Richard Gadd, whose 2019 one-man show gave birth to the 7-episode limited series in analysis, “Baby Reindeer”, which was released on Netflix on April 11.
In a similar way to Waller-Bridge's work in “Fleabag”, “Baby Reindeer” is a character study of Gadd's protagonist, inspired on himself. What makes it stand out is that the plot of the Netflix series is based on true events, blending the writer and actor's capacity of captivating the audience with a highly addictive story (something that Waller-Bridge also does wonderfully) with an honesty that's so raw, it comes out as terrifying. The result is a flawless mix between drama and thriller with a touch of dark humor, led by a wicked waltz between Gadd and actress Jessica Gunning, which also works as a cautionary tale on the emotional impact trauma has on a person and the need to call for help.)
Trama
A história acompanha Donny Dunn (interpretado por Richard Gadd), um comediante que ganha a vida trabalhando como barman em um pub. Certo dia, uma mulher mais velha, Martha Scott (interpretada por Jessica Gunning), entra em seu local de trabalho, cabisbaixa. Em um ato de bondade e compaixão, Donny oferece uma xícara de chá de cortesia para Martha. A partir daí, a mulher começa a criar uma obsessão por Donny, atormentando-o em todos os aspectos de sua vida e gradualmente forçando-o a desenterrar uma experiência traumática, encoberta por muito tempo.
(Plot
The story follows Donny Dunn (played by Richard Gadd), a comedian that makes a living by working as a bartender in a pub. One day, an older woman, Martha Scott (played by Jessica Gunning), enters his workplace, looking sad. In an act of kindness and compassion, Donny offers Martha a cup of tea on the house. From that point on, the woman starts obsessing over Donny, tormenting him in every aspect of his life and gradually forcing him to unearth a traumatic experience, which has been kept hidden for a long amount of time.)
Uma experiência envolvente, melhor vivenciada às cegas
Antes de falar qualquer coisa, é preciso dizer que assistir “Bebê Rena” é uma experiência melhor vivenciada sabendo o mínimo possível. Por isso, recomendo que vejam a minissérie antes da leitura desta crítica. A primeira qualidade a se destacar sobre o roteiro é o quão envolvente ele consegue ser. Fazia muito tempo que este crítico via uma série tão boa, a ponto de não querer parar de assistir até o último episódio. É uma trama altamente viciante que, a princípio, começa como um suspense, acompanhando a dinâmica eletrizante entre Donny e sua stalker, guiada pela narração em voice-over do comediante. Mas o mais interessante é a capacidade de Gadd de continuar surpreendendo o espectador a cada episódio, com o quarto capítulo, em particular, funcionando como uma virada de jogo que leva o público a ver a narrativa que veio antes com olhos completamente diferentes.
Isso acontece pela escolha criativa acertada de Gadd de fazer com que Donny tenha um passado essencialmente ambíguo (novamente, de forma bem similar à “Fleabag” em sua primeira temporada). Pouco nos é revelado sobre o protagonista nos minutos iniciais da série, que já preparam o palco para a dinâmica supracitada. Porém, é através das interações entre Donny e Martha que o personagem vai gradualmente se abrindo para o espectador, em momentos tão honestos, retratados de maneira tão realista, que chegam a ser constrangedores. E quando tal passado finalmente é revelado, “Bebê Rena” transita para o gênero no qual ele funciona de forma ainda mais eficaz do que o suspense: o drama.
É através da abordagem dramática da narrativa que Gadd encontra uma plataforma para lidar com as temáticas profundas da minissérie, com os quatro episódios finais contendo as cenas mais emocionalmente impactantes da trama. Novamente, assim como na dinâmica entre Donny e Martha, nestes momentos, o realismo prevalece, resultando em uma proximidade cada vez mais íntima entre o protagonista e o espectador. A maneira com que o roteirista se aproxima do trauma é simplesmente admirável, ainda mais pelo fato dele abordar uma experiência traumática própria. Gadd o visualiza como um caminho sem saída, onde a incapacidade de pedir ajuda devido ao medo do julgamento dos outros força a pessoa traumatizada a enfrentar o mesmo ciclo infinito, levando à uma obsessão doentia. E a sacada mais genial dessa abordagem é o fato do roteiro fazer isso não só por Donny, mas também por Martha, trazendo uma dose de humanidade à uma personagem que, no papel, seria somente um instrumento para desenvolver o protagonista.
E aqui, eu preciso fazer um adendo breve ao quarto episódio da série, o qual, além de ser o mais longo (com 45 minutos de duração, em contraponto à predominância de meia hora nos outros 6), também funciona como uma experiência isolada, encapsulando a temática de “Bebê Rena” como um todo em um retrato aterrorizante, cru, chocante e realista das consequências da busca por atenção, e como esta busca pode levar à um trauma que é capaz de perseguir e atormentar alguém pelo resto da vida. É graças a este episódio que a minissérie passa de uma comédia de humor negro com toques de suspense, à la Irmãos Coen, para um drama brutalmente honesto, cujo impacto perdura até os segundos finais da narrativa. É uma verdadeira aula em todos os aspectos da produção, do roteiro aos aspectos técnicos, levando os três episódios finais por um caminho sufocante, que não se cansa de surpreender o espectador com suas reviravoltas.
(A riveting viewing, best experienced going in blind
Before I say anything, I need to state that watching “Baby Reindeer” is an experience that's even better if you know as little as possible. Therefore, I recommend watching the miniseries before reading this review. The first quality to highlight on the script is how involving it manages to be. It's been a long time since this particular critic stumbled upon a show that's so good, that you just don't want to stop watching until it ends. It's a highly addictive plot that, at first, starts off as a thriller, following the electrifying dynamics between Donny and his stalker, led by the comedian's voice-over narration. Yet the most interesting thing is Gadd's capacity of keep on surprising the viewer at each episode, with the fourth chapter, in particular, functioning as a game-changing turn that leads the audience into looking at the previous narrative with a brand-new perspective.
That happens because of Gadd's jackpot of a creative choice in making Donny having an essentially ambiguous past (once again, very similarly to “Fleabag” in its first season). We know very little about the protagonist in the show's initial moments, which already set the stage for the aforementioned dynamics. However, it's through the interactions between Donny and Martha that the character gradually opens himself up to the viewer, in moments imbued with such honesty, portrayed in such a realistic way, they come out as somewhat embarassing to watch. And when his past finally comes to light, “Baby Reindeer” moves on to the genre in which it works in an even more effective way than it does as a thriller: drama.
It's through the narrative's dramatic approach that Gadd finds a platform to deal with the miniseries's thematic depths, with its four final episodes containing the plot's most emotionally impactful scenes. Once again, like Donny and Martha's dynamics, realism prevails, resulting in a proximity between character and viewer that becomes more and more intimate as the story moves forward. The way the writer approaches trauma is simply admirable, even more so for the fact that he's dealing with a traumatic experience he lived through. Gadd visualizes it as a one-way trip, where the incapacity of asking for help out of fear of people's judgement forces the traumatized person to face the same endless cycle, leading to a sick, twisted obsession. And the most brilliant thing the script does with that approach is that it does it for Martha in the same way it's doing for Donny, adding a necessary dose of humanity to a character that, on paper, would only be an instrument to develop the protagonist.
And here, I must dedicate a particular paragraph towards the series's fourth episode, which, besides being the longest (45 minutes long, in contrast with the half-hour runtime of the other six), also functions as an isolated experience, encapsulating the theme of “Baby Reindeer” as a whole in a terrifying, raw, shocking and realistic portrayal of the consequences that come with a search for attention, and how that search might lead to a trauma that's capable of tormenting someone for the rest of their lives. It's thanks to that episode that the limited series moves from being a dark comedy with hints of suspense, à la the Coen brothers, to a brutally honest drama, armed with a powerful impact that lasts from that moment on. It's a true masterclass in every aspect of the production, from the script to the technical aspects, leading the final three episodes through a suffocating path, in which Gadd keeps surprising the viewer with the twists up his sleeve.)
Uma valsa perversa
É preciso admirar a coragem de Richard Gadd de atuar o próprio trauma, quando seria muito mais fácil escalar um ator. O fato da narrativa ter sido baseada em sua experiência de vida injeta um realismo e honestidade ainda maiores ao desempenho do comediante escocês aqui. Assim como Phoebe Waller-Bridge, Gadd consegue equilibrar uma esperteza bem-humorada com uma vulnerabilidade tocante de maneira primorosa. O uso de narrações em voice-over oferece uma perspectiva mais interna do personagem, que é refletida através de sua fisicalidade cada vez mais deteriorada. É possível ver, somente através dos olhos do ator, como a obsessão de Martha com seu personagem o faz sentir, e também se lembrar da experiência traumática que passou.
Do outro lado desta dança, temos outra performance excelente pela atriz Jessica Gunning, interpretando Martha. É incrível como Gadd faz com que o espectador sinta um misto de emoções em relação à sua personagem, desde a compaixão e a identificação com ela (porque, afinal, quem não gostaria de receber atenção?) até uma vergonha alheia que evolui para um sentimento dominante de pavor em toda cena em que ela aparece em tela. Há uma ameaça constante em relação à Martha que causa arrepios tanto em Donny quanto no público, e quando as emoções explosivas dela chegam à superfície, Gunning não precisa de nenhum esforço para ser absolutamente aterrorizante. O caráter extrovertido e invasivo de Martha é o contraste perfeito para a timidez de Donny, e é por isso que a dinâmica entre os dois funciona tão bem.
Em papéis coadjuvantes, temos performances competentes de Nava Mau como um interesse amoroso que também oferece perspectivas sobre a identidade do protagonista, Nina Sosanya como uma figura materna para Donny, Tom Goodman-Hill como alguém intrínseco para desvendar o arco narrativo do personagem principal, e por fim, Mark Lewis Jones e Amanda Root como os pais do comediante, com quem Gadd compartilha algumas das melhores cenas da série. Há uma cena em particular do episódio final que me deixou com o queixo caído, e parte deste impacto vem do desempenho específico de Jones e da naturalidade com a qual ele lida com seus diálogos.
(A wicked waltz
One must need to admire Richard Gadd's courage in acting out his own trauma, when it would've been much easier to cast someone else. The fact the narrative is based on his life experience injects the Scottish comedian's performance here with an even greater sense of honesty and realism. Just like Phoebe Waller-Bridge, Gadd manages to balance out a well-humored with a touching vulnerability in a masterful way. The use of voice-over narrations offer a more inner perspective on the character, which is reflected by his gradually deteriorating physicality. One can clearly see, only through the actor's eyes, how Martha's obsession over his character makes him feel, as well as remember the traumatic experience he's been through.
On the other side of this dance, we have another excellent performance by actress Jessica Gunning, playing Martha. It's simply amazing how Gadd makes the viewer feel a strange blend of emotions towards her character, from compassion and relating to her (because, after all, who wouldn't like getting attention?) to a second-hand embarrassment that evolves to a dominating feeling of dread in every scene she's onscreen. There's a constant threat surrounding Martha that sends shivers to both Donny and the audience, and when her explosive emotions reach the surface, Gunning needs no effort to be absolutely terrifying. Martha's extrovert, invasive character is the perfect contrast to Donny's shyness, and that's why their dynamic works so well.
In supporting roles, we have competent performances by Nava Mau as a love interest that also offers perspectives on the protagonist's identity, Nina Sosanya as a mother figure to Donny, Tom Goodman-Hill as someone that's crucial in unraveling the main character's narrative arc, and, finally, Mark Lewis Jones and Amanda Root as the comedian's parents, with whom Gadd shares some of the series's best scenes. There's a particular scene in the final episode that left my jaw dropped to the floor, and part of that impact came specifically because of Jones's performance and the natural way he deals with his dialogue.)
Realismo = tensão
Nos aspectos técnicos, “Bebê Rena” segue o realismo do roteiro e das performances, novamente sendo muito similar à “Fleabag” ao injetar uma energia visual que tenta, com todas as forças, alcançar o passo dos monólogos interiores do protagonista. Há um trabalho conjunto incrível entre a direção de fotografia e a montagem, as quais, assim como Martha, conseguem ser invasivas e excessivamente íntimas de forma bem eficaz em certos momentos, seja através de um zoom aproximado em uma situação desconfortável ou a prolongação desta mesma cena por alguns segundos a mais. Tudo isso colabora para um tom de constante tensão ao longo dos 7 sucintos episódios.
E por último, mas não menos importante, temos o design de som e a trilha sonora. O impacto que o silêncio consegue ter nos momentos mais emocionalmente vulneráveis da trama é admirável, adicionando uma vibe confessional aos diálogos e situações retratadas. Há uma cena em particular no final do sexto episódio que exemplifica perfeitamente essa força da falta de sons externos. Porém, a série não peca na trilha sonora, que conta com hits de artistas como Patsy Cline, David Byrne, Brian Eno, Jethro Tull, Frank Sinatra, Evie Sands, Bee Gees e George Harrison, presentes em momentos que comparam e combinam a trajetória do protagonista com o que as letras de cada canção desejam transmitir.
(Realism = tension
In the technical aspects, “Baby Reindeer” follows through with the realism in the script and performances, once again being very similar to “Fleabag” as it injects a visual energy that tries, with everything they have, to keep up with the protagonist's inner monologues. There's an amazing teamwork between the cinematography and the editing, which, just like Martha, manage to be invasive and excessively intimate in a very effective way in certain moments, whether it's through a close zoom towards an uncomfortable situation or the prolonging of that same scene for a few extra seconds. All of that collaborates for a tone of constant tension throughout the show's 7 succint episodes.
And at last, but definitely not least, we have the sound design and the soundtrack. The impact that silence manages to have in the plot's most emotionally vulnerable moments is admirable, adding a confessional vibe to the dialogues and situations portrayed onscreen. There's a particular scene in the end of the sixth episode that perfectly exemplifies this strength that the lack of external sounds may have. However, the series doesn't skimp on the soundtrack, which relies on hits by artists like Patsy Cline, David Byrne, Brian Eno, Jethro Tull, Frank Sinatra, Evie Sands, Bee Gees and George Harrison, which are present in moments that compare and combine the protagonist's trajectory with what the lyrics of each song wish to convey.)
Resumindo, “Bebê Rena” é uma das melhores minisséries que a Netflix tem a oferecer. Com seu criador, roteirista e protagonista baseando a narrativa em sua própria experiência de vida, a série conta com uma trama envolvente que mistura suspense, drama e humor negro; uma valsa perversa entre seus dois atores principais, que entregam performances dignas de prêmios; e aspectos técnicos que intensificam o realismo do roteiro e do desempenho do elenco, resultando em uma experiência brutalmente honesta que não vai sair da sua cabeça tão cedo.
Nota: 10 de 10!!
É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,
João Pedro
(In a nutshell, “Baby Reindeer” is one of the best limited series Netflix has to offer. With its creator, writer and protagonist turning his own life experience into the basis of the narrative, the series relies on an involving plot that blends suspense, drama and dark humor; a wicked waltz between its two main leads, who deliver award-worthy performances; and technical aspects that intensify the realism in the script and in the cast's work, resulting in a brutally honest experience that won't leave viewers' heads too soon.
I give it a 10 out of 10!!
That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,
João Pedro)