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domingo, 7 de julho de 2024

Festival de Annecy 2024: 5 animações diferentes para ficar de olho (Bilíngue)

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Um festival pouco comentado que deveria receber mais atenção é o Festival de Annecy. Um dos principais eventos internacionais sobre animação, o festival foi fundado em 1960, na cidade francesa de Annecy. Inicialmente, o evento ocorria uma vez a cada dois anos; porém, a partir de 1998, ele passou a ter uma frequência anual. Hoje em dia, Annecy não só serve como uma plataforma para que os maiores estúdios mostrassem prévias de seus vindouros trabalhos, como também oferece uma mostra competitiva composta por longas-metragens dos mais variados países e métodos de animação. Alguns dos vencedores dos principais prêmios de Annecy foram indicados ao Oscar de Melhor Filme de Animação, como “Coraline e o Mundo Secreto”, “O Fantástico Sr. Raposo” e até o brasileiro “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu. Então, na postagem de hoje, irei listar cinco destaques para ficar de olho presentes na edição de 2024 do Festival de Annecy, que ocorreu entre os dias 9 e 15 de junho. Vamos lá!

(A lesser-known festival that should get more attention is the Annecy International Animation Film Festival. One of the main international events on animation, the festival was founded in 1960, in the French town of Annecy. Initially, the event occurred once every two years; however, starting in 1998, it went on to have an annual frequency. Nowadays, Annecy not only serves as a platform for the biggest studios to show sneak previews of their upcoming work, as it also offers a competitive showcase composed by feature films from a wide variety of countries and animation methods. Some of the winners of the main awards from Annecy were nominated for the Oscar for Best Animated Feature, such as “Coraline”, “Fantastic Mr. Fox” and even the Brazilian feature “Boy and the World”, by Alê Abreu. So, in today's post, I'll list five highlights to keep an eye out for from the 2024 edition of the Annecy Film Festival, which occurred between June 9 and 15. Let's go!)



  • MEMOIR OF A SNAIL”, dirigido por Adam Elliot

    (“MEMOIR OF A SNAIL”, directed by Adam Elliot)

15 anos após sua primeira obra-prima, “Mary e Max: Uma Amizade Diferente”, premiado em Annecy, o australiano Adam Elliot retorna com seu segundo longa-metragem em stop-motion, “Memoir of a Snail” (Memórias de um Caracol, em tradução livre). Vencedor do Prêmio Cristal de Melhor Longa-Metragem no Festival, o longa de Elliot é ambientado na Austrália dos anos 1970, e acompanha Grace, uma garota cuja vida é conduzida por uma série de tragédias. Quando sua mãe morre durante o parto, Grace e seu irmão gêmeo Gilbert vão morar com seu pai, Percy, um ex-malabarista paraplégico alcoólatra, e encontram a família que tanto desejavam. Porém, quando Percy falece durante o sono, Grace e Gilbert são separados um do outro e colocados em lares adotivos. As primeiras imagens liberadas lembram muito o trabalho do cineasta em “Mary e Max”, com a adição de um pouco mais de cor. O elenco de vozes conta com nomes renomados como Sarah Snook (“Succession”), Eric Bana (“Hulk”), Jacki Weaver (“O Lado Bom da Vida”), Kodi Smit-McPhee (“Ataque dos Cães”) e Dominique Pinon (“O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”). Todos estes fatores prometem uma ótima segunda empreitada para Elliot.

(Fifteen years after his first masterpiece, “Mary and Max”, awarded in Annecy, the Australian filmmaker Adam Elliot returns with his second feature-length stop-motion film, “Memoir of a Snail”. Winner of the Cristal Award for Best Feature Film in the Festival, Elliot's film is set in 1970s Australia, following Grace, a girl whose life is conducted by a series of tragedies. When her mother dies during childbirth, Grace and her twin brother Gilbert go on to live with their father, Percy, a paraplegic, alcoholic former juggler, where they find the family they longed for forever. However, when Percy passes away during his sleep, Grace and Gilbert are separated from each other and thrust into foster homes. The first images released are very reminiscent of the filmmaker's work in “Mary and Max”, with the addition of a little bit more of color. The voice cast relies on industry names like Sarah Snook (“Succession”), Eric Bana (“Hulk”), Jacki Weaver (“Silver Linings Playbook”), Kodi Smit-McPhee (“The Power of the Dog”) and Dominique Pinon (“Amélie”). All these factors promise a great second outing for Elliot.)



  • FLOW”, dirigido por Gints Zilbalodis

    (“FLOW”, directed by Gints Zilbalodis)

Aclamado em suas primeiras exibições no Festival de Cannes, o segundo longa-metragem do cineasta letão Gints Zilbalodis, “Flow” (Fluxo, em tradução livre), venceu tanto o Prêmio do Júri quanto o Prêmio do Público no Festival de Annecy, já despontando como um dos favoritos ao Oscar 2025 de Melhor Filme de Animação. Acompanhando a jornada de um gato que navega por uma cidade alagada em um barco, encontrando outros animais no decorrer da trajetória, “Flow” conquistou o coração dos críticos por seu belíssimo trabalho de animação e sua narrativa emocionante, que transmite mensagens humanas por meio de seus personagens animais. Vale a pena ressaltar que, assim como o primeiro filme de Zilbalodis, “Away”, no qual o diretor foi o único animador, “Flow” não tem diálogos, com o visual e a trilha sonora carregando todo o peso narrativo e emocional que a trama deseja passar. Caso queiram ver um clipe, podem fazê-lo neste link.

(Acclaimed in its first screenings in the Cannes Film Festival, the second feature film by Latvian filmmaker Gints Zilbalodis, “Flow”, won both the Jury Prize and the Audience Award in the Annecy Film Festival, already stepping up to be one of the favorites in the race for next year's Oscar for Best Animated Feature. Following the journey of a cat who sails across a flooded city on a boat, finding other animals throughout his traveling, “Flow” won over critics' hearts for its gorgeous work in animation and its emotional narrative, which conveys human messages through its animal characters. It's worth mentioning that, like Zilbalodis's first film, “Away”, in which the director was the sole animator, “Flow” has no dialogue, with the visuals and score carrying all the narrative and emotional weight the plot wishes to convey. If you'd like to see a clip, you can do it in this link.)



  • SAVAGES”, dirigido por Claude Barras

    (“SAVAGES”, directed by Claude Barras)

Assim como as obras supracitadas, “Savages” (Selvagens, em tradução livre) marca o retorno de mais uma voz promissora na animação. Após o surpreendente sucesso do criminalmente subestimado (e indicado ao Oscar) “Minha Vida de Abobrinha”, o suíço Claude Barras retorna à direção com seu terceiro longa-metragem em stop-motion, que acompanha Kéria, uma garota suiça que vive com seu pai em uma província na ilha de Bornéu e adota um bebê orangotango como animal de estimação. Quando a prima de Kéria é expulsa de seu lar por causa do desmatamento, passando a morar com ela e seu pai, as duas crianças e o orangotango se veem forçadas a lutar contra as companhias de exploração madeireira. Barras fez um incrível trabalho com a temática familiar em “Minha Vida de Abobrinha”, e ele parece repetir o feito com seu novo filme, acrescentando a exploração sempre necessária dos efeitos do desmatamento no meio ambiente e os danos que ele causa à natureza e à população de seus ecossistemas. Assim como “Flow”, “Savages” foi aclamado no Festival de Cannes, onde os críticos destacaram a triste realidade da narrativa por trás da belíssima animação da obra, uma qualidade que a torna ainda mais impactante.

(Just like the aforementioned works, “Savages” marks the return of yet another promising voice in animation. After the astounding success of the criminally underrated (and Oscar-nominated) “My Life as a Zucchini”, Swiss filmmaker Claude Barras returns to direct his third stop-motion feature-length film, which follows Kéria, a Swiss girl who lives with her father in a province in the island of Borneo and adopts a baby orangutan as a pet. When Kéria's cousin is kicked out of her home due to deforestation, starting to live with her and her father, the two children and the orangutan see themselves forced to fight against the logging companies. Barras did an amazing job with the family theme in “My Life as a Zucchini”, and he seems to have repeated that feat with his new film, adding the ever-necessary exploration of the effects of deforestation in the environment and the damages it causes to nature and the population of its ecosystems. Like “Flow”, “Savages” was acclaimed in the Cannes Film Festival, where critics highlighted the narrative's sad reality behind the work's gorgeous animation, a quality that makes it all the more impactful.)



  • THE COLORS WITHIN”, dirigido por Naoko Yamada

    (“THE COLORS WITHIN”, directed by Naoko Yamada)

A animação japonesa têm alcançado um novo nível de público recentemente, com a disponibilidade dos filmes do Studio Ghibli em serviços de streaming, a vitória de “O Menino e a Garça” no Oscar e a distribuição de filmes de franquias como “Demon Slayer” e “Haikyuu!” pela Sony. “The Colors Within” (As Cores Dentro de Nós, em tradução livre) promete ser mais um sucesso neste meio, por vários fatores. O primeiro é a direção de Naoko Yamada, responsável por um dos animes mais aclamados e emocionantes dos últimos tempos, “A Voz do Silêncio”. O segundo é a trama, que assim como o filme supracitado, também envolve adolescentes, acompanhando uma estudante que consegue ver as “cores” daqueles ao seu redor, representando sentimentos como a angústia, o ânimo e a calma. Ao criar uma banda com duas outras colegas, a música as une, ao mesmo tempo que mexe com os sentimentos de cada uma. O terceiro fator é a animação, que fica por conta do estúdio Science SARU, responsável pela pérola escondida que é “Scott Pilgrim: A Série” na Netflix. A GKIDS, distribuidora dos filmes do Studio Ghibli nos EUA, adquiriu os direitos globais de “The Colors Within” após a exibição em Annecy, então já podemos esperar mais uma história emocionante e visualmente impactante sobre adolescentes em breve!

(Japanese animation has reached a whole new level of audience recently, with the availability of Studio Ghibli's films in streaming services, “The Boy and the Heron”'s win at the Oscars and the distribution of films of franchises like “Demon Slayer” and “Haikyuu!” by Sony. “The Colors Within” promises to be another hit in this medium, over a series of factors. The first is the direction by Naoko Yamada, who's responsible for one of the most acclaimed and emotional anime films lately, “A Silent Voice”. The second is the plot, which just like that film, also involves teenagers, following a high school student who can see the “colors” of those around her, representing feelings like angst, excitement and serenity. When she forms a band with two other classmates, music brings them together, at the same time it stirs each one's affections. The third factor is the animation, which is made by the studio Science SARU, responsible for the hidden gem that is “Scott Pilgrim Takes Off” on Netflix. GKIDS, who distributes Studio Ghibli's films in the US, has acquired global rights to “The Colors Within” after its screening at Annecy, so we can expect to have another emotional and visually impactful coming-of-age story soon!)



  • TOTTO-CHAN: THE LITTLE GIRL AT THE WINDOW”, dirigido por Shinnosuke Yakuwa

    (“TOTTO-CHAN: THE LITTLE GIRL AT THE WINDOW”, directed by Shinnosuke Yakuwa)

Vencedor do Prêmio Paul Grimault de Annecy, batizado em homenagem à um dos maiores animadores da França, “Totto-chan: The Little Girl at the Window” (Totto-chan: A Garotinha na Janela) é baseado em uma história real, tomando inspiração no livro de memórias de mesmo nome de Tetsuko Kuronayagi. Ela é uma das personalidades televisivas mais famosas do Japão, cujo programa “Tetsuko's Room” se tornou uma marca registrada da programação de TV no país. O longa de Shinnosuke Yakuwa acompanha uma garota de sete anos, fascinada com o mundo ao seu redor. Porém, este fascínio faz com que ela seja expulsa da escola, sendo encaminhada para um colégio de educação especial no processo. Lá, as crianças são livres para explorarem à vontade, e Totto-chan conhece crianças únicas e aprende um bocado de coisas interessantes. Mas tudo começa a mudar quando os primeiros efeitos da Segunda Guerra Mundial se tornam visíveis no país. O visual da animação evoca tanto os trabalhos clássicos do Studio Ghibli como também obras mais recentes, como “SPYxFAMILY”. A história promete ser muito tocante, em particular com o assunto em pauta da educação especial. E o fato de ser uma história real faz a obra por completo, que já parece ser excelente, parecer ainda mais impactante.

(Winner of the Paul Grimault Award in Annecy, named in homage to one of France's greatest animators, “Totto-chan: The Little Girl at the Window” is based on a true story, taking inspiration from the memoir of the same name by Tetsuko Kuronayagi. She is one of the most famous TV personalities in Japan, whose show “Tetsuko's Room” became a staple in the country's TV programming. Shinnosuke Yakuwa's film follows a seven-year-old girl, who's fascinated with the world around her. However, this fascination leads her to being expelled from school, being enrolled into a special education institution in the process. There, the kids are free to explore at their own will, and Totto-chan meets unique children and learns a handful of interesting things. But everything starts to change when the first effects of World War II become visible in the country. The animation's visuals evoke both Studio Ghibli's classic works and more recent shows, such as “SPYxFAMILY”. The story promises to be very touching, particularly with the approached subject of special education. And the fact that it's a true story makes the film as a whole, which already looks excellent, seem all the more impactful.)



É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)

sábado, 1 de junho de 2024

Autobiografias da A24: 5 vezes que cineastas estreantes contaram suas próprias histórias (Bilíngue)

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“Escreva sobre o que você sabe.” Este é um conselho tão tradicional que as pessoas não sabem a quem atribuir. Porém, é uma das primeiras dicas dadas a aspirantes a escritores. Por isso, não é de se surpreender que vários cineastas, em especial hoje em dia, têm procurado as inspirações para os seus primeiros filmes dentro de suas próprias histórias de vida. E um fato interessante é que muitos dos diretores mais notáveis da década passada tiveram os seus longa-metragens de estreia distribuídos pela A24, distribuidora norte-americana independente que ganhou uma legião de fãs a partir de 2016, graças a joias como “A Bruxa” e “Hereditário”. Então, venho aqui trazer cinco estreias na direção distribuídas pela A24 que funcionam como uma espécie de autobiografia de seus respectivos cineastas. Sem mais delongas, vamos lá!

(“Write about what you know.” That is such a traditional piece of advice that people don't know who to attribute it to. However, it's one of the first tips given to aspiring writers. Therefore, it's not surprising that several filmmakers, especially nowadays, have searched for the inspirations behind their directorial debuts inside their own life stories. And an interesting fact is that many of the most notable directors in the past decade had their first features distributed by A24, an independent American film distributor that won a cult following starting in 2016, thanks to gems like “The Witch” and “Hereditary”. So, I'm here to bring you five directorial debuts distributed by A24 that work as some sort of autobiography for their respective filmmakers. Without further ado, let's go!)



  • LADY BIRD: A HORA DE VOAR” (2017), dirigido por Greta Gerwig – Disponível na Netflix

    (“LADY BIRD” (2017), directed by Greta Gerwig – Available on demand)

Antes de Greta Gerwig dominar 2023 com o fenômeno que foi “Barbie”; em 2017, ela nos presenteou com a verdadeira joia que é “Lady Bird”. Uma das estreias mais notáveis do ano em questão, juntamente com “Corra!”, de Jordan Peele, o longa rendeu à Gerwig uma indicação ao Oscar de Melhor Direção, sendo a primeira mulher a ser indicada na categoria desde a vitória histórica de Kathryn Bigelow em 2010 por “Guerra ao Terror”. Ambientado em Sacramento, Califórnia, cidade natal da diretora, a trama acompanha o último ano do Ensino Médio de Christine (Saoirse Ronan, em uma de suas melhores atuações), que se autointitula Lady Bird, uma adolescente excêntrica que tenta descobrir sua identidade antes de entrar na faculdade, ao mesmo tempo que enfrenta uma relação turbulenta com a mãe (uma ótima Laurie Metcalf). Assim como todos os filmes nessa lista, Gerwig injeta “Lady Bird” com uma honestidade brutal, resultando em um retrato realista e universal de amadurecimento que certamente irá se conectar com uma multidão de espectadores. E ainda por cima, o filme ganha ainda mais significado se visto como um prólogo para “Frances Ha”, co-escrito e protagonizado por Greta, longa que acompanha uma jovem adulta passando por dificuldades na vida e no amor em Nova York.

(Before Greta Gerwig dominated 2023 with the phenomenon that was “Barbie”; in 2017, she gifted us with the true jewel that is “Lady Bird”. One of the most notable debuts of that particular year alongside Jordan Peele's “Get Out”, the film earned Gerwig a nomination for the Oscar for Best Director, being the first woman to be nominated in that category since Kathryn Bigelow's historic win in 2010 for “The Hurt Locker”. Set in Sacramento, California, the director's hometown, the plot follows the senior year for Christine (Saoirse Ronan, in one of her best performances), who calls herself Lady Bird, a quirky teenager who tries to figure out her identity before getting into college, while facing a turbulent relationship with her mother (a great Laurie Metcalf). Just like every film in this list, Gerwig injects “Lady Bird” with a brutal sense of honesty, resulting in a realistic and universal coming-of-age portrait that will certainly connect with a multitude of viewers. And on top of it, the film gets extra meaning if seen as a prologue to “Frances Ha”, co-written and starring Greta, a movie that follows a young woman getting through life and love in New York City.)



  • OITAVA SÉRIE” (2018), dirigido por Bo Burnham – Disponível para aluguel e compra digital

    (“EIGHTH GRADE” (2018), directed by Bo Burnham – Available on demand)

Claro, o comediante e compositor Bo Burnham não é uma mulher, mas é impossível não conectar a sua trajetória profissional com a jornada que a jovem Kayla (uma maravilhosa Elsie Fisher) enfrenta em “Oitava Série”. Prestes a entrar no Ensino Médio, Kayla é uma menina extremamente tímida que usa o YouTube para se expressar, de maneira similar ao roteirista e diretor do filme, que começou a carreira cantando e tocando canções originais dentro do seu próprio quarto. Ao contrário de Gerwig, que tem o seu senso de humor excêntrico impresso de forma clara em “Lady Bird”, Burnham usa o humor de maneira inteligente para despertar uma espécie de vergonha alheia no espectador, mostrando um controle incrível dos aspectos técnicos ao seu dispor para aumentar este sentimento e nos colocar dentro da mente da protagonista. Pelo seu trabalho em “Oitava Série”, Bo ganhou o Prêmio do Sindicato dos Diretores de Melhor Estreia na Direção e o Prêmio do Sindicato dos Roteiristas de Melhor Roteiro Original. Além disso, o filme foi incluído nas listas de top 10 do National Board of Review e do American Film Institute, duas das organizações cinematográficas mais prestigiadas dos EUA.

(Sure, comedian and composer Bo Burnham isn't a woman, but it's impossible not to connect his professional trajectory with the journey young Kayla (a wonderful Elsie Fisher) faces in “Eighth Grade”. In her way to enter high school, Kayla is an extremely shy girl who uses YouTube to express herself, in a similar way to the film's writer and director, who started off his career by singing and playing original songs inside his own bedroom. Unlike Gerwig, who has her quirky sense of humor clearly printed out in “Lady Bird”, Burnham cleverly uses humor to constantly make the viewer cringe in embarrassment, showing an incredible control of the technical aspects he's got to enhance that particular feeling and put us inside the protagonist's mind. For his work in “Eighth Grade”, Bo won the Directors' Guild of America Award for Outstanding First-Time Feature and the Writers' Guild of America Award for Best Original Screenplay. Besides, the film was included in the top 10 lists from the National Board of Review and the American Film Institute, two of the most prestiged film organizations in the US.)



  • ANOS 90” (2018), dirigido por Jonah Hill – Disponível para aluguel e compra digital

    (“MID90s” (2018), directed by Jonah Hill – Available on demand)

O ator Jonah Hill, conhecido por seus papéis cômicos em “Superbad” e “Anjos da Lei”, se conecta com seu lado mais dramático em sua estreia na direção, “Anos 90”. Embora ele tome algumas liberdades criativas para compor seus personagens, como o abuso físico sofrido por Stevie (Sunny Suljic) pelas mãos do irmão mais velho (Lucas Hedges) e a distância emocional da mãe (Katherine Waterston), Hill consegue capturar a atmosfera da juventude skatista da década em questão com perfeição. A liberdade, a camaradagem, o sentimento de transgressão, tudo isso é transmitido de forma impecável, sensível e universal no arco narrativo do protagonista. Com o diretor recrutando adolescentes sem experiência anterior com atuação para representarem papéis de jovens skatistas na frente da câmera, “Anos 90” não é somente um retrato fiel da época de ambientação, como também é essencialmente autêntico na maneira que o longa desenvolve seus personagens, fazendo o espectador se sentir grato pelo filme simplesmente existir ao terminar de assistir. Ao contrário das duas obras supracitadas, a estreia de Hill não foi tão aclamada pela crítica, mas foi devidamente apreciada justamente pela sua autenticidade e nostalgia, sendo incluída na lista dos 10 melhores filmes independentes de 2018 do National Board of Review.

(Actor Jonah Hill, known for his comedic roles in “Superbad” and “21 Jump Street”, connects with his more dramatic side in his directorial debut, “Mid90s”. Although he takes some creative liberties to compose his characters, such as the physical abuse that Stevie (Sunny Suljic) suffers at the hands of his older brother (Lucas Hedges) and their mom's (Katherine Waterston) emotional distance, Hill manages to capture the atmosphere of the skateboarding youth in that particular decade with perfection. The freedom, the camaderie, the feeling of transgression, all of that is conveyed in a flawless, sensible and universal way through the protagonist's narrative arc. With the director recruiting teenagers without any prior experience with acting to play young skateboarders in front of the camera, “Mid90s” is not only a faithful portrayal of its time setting, as it is also essentially authentic in the way it develops its characters, making the viewer feel grateful for the film's mere existence when they're done watching it. Unlike the two aforementioned works, Hill's directorial debut wasn't as critically acclaimed, but it was rightfully appreciated for its authenticity and nostalgia, being included in the National Board of Review's list of the 10 best independent films of 2018.)



  • AFTERSUN” (2022), dirigido por Charlotte Wells – Disponível na Netflix e na MUBI

    (“AFTERSUN” (2022), directed by Charlotte Wells – Available on demand)

Tão enigmático quanto as memórias que a jovem Sophie (a excelente Frankie Corio) tem de seu pai Calum (Paul Mescal, em um de seus melhores papéis), “Aftersun” é um filme do qual eu nunca irei me cansar de falar, graças ao controle invejável que Charlotte Wells demonstra em todo aspecto de sua estreia na direção. Inspirado livremente em uma viagem que a diretora fez com o pai nos anos 1990 para a Turquia, a trama acompanha Sophie e Calum na mesma situação. É impressionante ver como Wells demonstra que a falta de proximidade entre pai e filha resulta em um conhecimento posterior fragmentado por parte de Sophie, interpretada em idade adulta por Celia Rowlson-Hall. Intercalando a narrativa principal com um cenário ofegante e misterioso representado por uma boate onde todos parecem estar dançando de forma descontrolada, a diretora oferece várias peças do seu quebra-cabeça, mas propositalmente nunca entrega um retrato completo, deixando muitas partes cruciais para a compreensão do filme à perspectiva particular do espectador, motivando-o a revisitar o longa para uma compreensão mais aprofundada. Essa escolha criativa brilhante abre o leque de interpretações do enredo, e faz de “Aftersun” uma experiência extremamente pessoal e, ao mesmo tempo, universal, levada à alturas transcendentes por seus dois protagonistas.

(As enigmatic as the memories young Sophie (the excellent Frankie Corio) has of her father Calum (Paul Mescal, in one of his best roles), “Aftersun” is a movie I'll never get tired of talking about, thanks to the enviable control that Charlotte Wells shows over every aspect of her directorial debut. Loosely inspired in a trip the director went on with her father in the 1990s to Turkey, the plot follows Sophie and Calum in the same situation. It's impressive to see how Wells displays that the lack of proximity between father and child results in a fragmented posterior knowledge on Sophie's part, who is portrayed as an adult by Celia Rowlson-Hall. Intertwining the main narrative with a suffocating and mysterious scenario represented by a rave where everyone seems to be dancing uncontrollably, the director offers several pieces to her puzzle, but she purposefully never delivers a full portrait, leaving many crucial parts for the film's comprehension to the viewer's particular perspective, motivating them to revisit the feature for a more in-depth understanding of it. That brilliant creative choice opens the plot up to interpretation, and makes “Aftersun” an experience that's both extremely personal and universal, which reaches transcendental heights thanks to its duo of protagonists.)



  • VIDAS PASSADAS” (2023), dirigido por Celine Song – Disponível no Telecine

    (“PAST LIVES” (2023), directed by Celine Song – Available on demand)

Tudo que o espectador precisa fazer para chegar à conclusão que “Vidas Passadas” é uma autobiografia da diretora Celine Song é dar uma visitinha na sua página da Wikipédia. As semelhanças entre o enredo e a história de vida da cineasta são impressionantes. Assim como Nora (uma incrível Greta Lee), Song nasceu na Coreia do Sul e emigrou para o Canadá aos 12 anos, conhecendo seu eventual marido, o roteirista Justin Kuritzkes, em um retiro para escritores, situação dramatizada de forma tocante, graças às performances de Lee e John Magaro. Porém, uma terceira figura é introduzida na dinâmica: Hae-Sung (Teo Yoo), amigo de infância de Nora, que parte para Nova York para um encontro pessoal que irá mudar a vida dos dois para sempre. “Vidas Passadas” é muito mais que um romance: é uma reflexão atemporal sobre memória e identidade, temas refletidos de forma impecável no roteiro de Celine, oferecendo um sopro de ar fresco e originalidade em um gênero repleto de clichês. Além de ser inspirado nas memórias da cineasta, o filme consegue ter um alcance amplo pelo seu retrato honesto da vida como imigrante e do conflito entre a identidade do seu país natal e aquele em que reside atualmente. Um filme belíssimo que usa o seu realismo e o seu silêncio para falar muito mais do que os diálogos poderiam fazer.

(All the viewer has to do to come to the conclusion that “Past Lives” is an autobiography of director Celine Song is give her Wikipedia page a visit. The similarities between the plot and the filmmaker's life story are impressive. Just like Nora (an amazing Greta Lee), Song was born in South Korea and emigrated to Canada at age 12, meeting her eventual husband, screenwriter Justin Kuritzkes, at a writers' retreat, a situation that's dramatized in a touching way, thanks to Lee and John Magaro's performances. However, a third person is introduced in their dynamic: Hae-Sung (Teo Yoo), Nora's childhood friend, who sets off to New York for a personal encounter that will change the pair's life forever. “Past Lives” is so much more than a romance: it's a timeless reflection on memory and identity, themes reflected flawlessly in Celine's script, offering a breath of fresh air and originality to a genre riddled with clichés. Besides being inspired by the filmmaker's memories, the film manages to get a wider approach thanks to its honest portrayal of immigrant life and the conflict between the identity of one's home country and their current resident country. A gorgeous film that uses its realism and silence to speak so much more than what dialogues could do.)



  • BÔNUS: “I SAW THE TV GLOW” (2024), dirigido por Jane Schoenbrun – Estreia a definir

    (BONUS: “I SAW THE TV GLOW” (2024), directed by Jane Schoenbrun – Now playing in theaters)

Ok, eu admito: “I Saw the TV Glow” (Eu Vi o Brilho da TV, em tradução livre) não é a estreia na direção de Jane Schoenbrun. Porém, a distribuição da A24 certamente fará que seu segundo longa seja o primeiro contato da grande maioria dos espectadores com seu trabalho, após uma estreia pouco comentada com o inventivo “We're All Going to the World's Fair”. Novamente explorando como a mídia pode moldar a identidade de alguém, Schoenbrun nos apresenta a Owen (Justice Smith), um jovem que firma uma amizade com Maddy (Brigette Lundy-Paine) graças à um cultuado programa de TV. Quando este programa é misteriosamente cancelado, a realidade dos dois começa a se distorcer de forma aterrorizante, mesclando suas identidades com o enredo da série. Inspirado nas experiências de Schoenbrun com programas de terror dos anos 1990, em especial “Buffy: A Caça-Vampiros”, “I Saw the TV Glow” teve estreias aclamadas pela crítica nos festivais de Sundance e Berlim, com vários veículos colocando-o como um dos melhores filmes de 2024 até o momento. E baseado no trailer, Schoenbrun parece andar em uma corda bamba, equilibrando o aterrorizante com o emocionante, guiada por uma atmosfera inspirada no trabalho de David Lynch em obras como “Twin Peaks” e “Cidade dos Sonhos”. Fiquem de olho nesse filme e nessa diretora.

(Okay, I admit: “I Saw the TV Glow” isn't Jane Schoenbrun's directorial debut. However, A24's distribution will certainly lead their second feature to be the first contact with their work for most viewers, after a quiet debut with the inventive “We're All Going to the World's Fair”. Once again exploring how media can shape a person's identity, Schoenbrun introduces us to Owen (Justice Smith), a young man who bonds with Maddy (Brigette Lundy-Paine) over a cult TV show. When said show is mysteriously canceled, the duo's reality begins to distort itself in a terrifying way, blending their identities with the show's plot. Inspired by Schoenbrun's experiences with 1990s horror TV shows, especially “Buffy the Vampire Slayer”, “I Saw the TV Glow” was critically acclaimed in its premieres at the Sundance and Berlin film festivals, with several outlets highlighting it as one of the best films of 2024 so far. And judging by the trailer, Schoenbrun seems to be walking a tightrope, balancing the terrifying with the emotional, guided by an atmosphere inspired by David Lynch's work in “Twin Peaks” and “Mulholland Drive”. Keep an eye out for this film and this director.)



É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Se gostaram desse conteúdo, lembrem-se de compartilhar e acompanhar o blog nas redes sociais e no YouTube! Até a próxima,

João Pedro

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sábado, 27 de abril de 2024

"Bebê Rena": um conto preventivo sobre o impacto do trauma e a necessidade de pedir ajuda (Bilíngue)

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Graças a Deus pelo Festival Fringe de Edimburgo. O maior evento de artes do mundo, o Festival foi fundado em 1947, sendo sempre sediado na capital da Escócia no mês de agosto, servindo de palco para talentos de diferentes áreas culturais, somente perdendo para as Olimpíadas e a Copa do Mundo em termos de bilheteria. Foi lá que fomos apresentados ao fenômeno que iria se tornar Phoebe Waller-Bridge, com sua inesquecível Fleabag fazendo sua estreia mundial em Edimburgo no ano de 2013, na forma de uma peça de uma atriz só, evoluindo para a excepcional série de TV que todos veneram. O Fringe também foi o palco inicial para o comediante Richard Gadd, cujo monólogo de 2019 deu origem à minissérie de 7 episódios em análise, “Bebê Rena”, lançada no catálogo da Netflix no dia 11 de abril.

De forma similar ao trabalho de Waller-Bridge em “Fleabag”, “Bebê Rena” é um estudo de personagem do protagonista interpretado por Gadd, inspirado nele mesmo. O diferencial é que a trama da minissérie da Netflix é baseada em fatos reais, misturando a capacidade do autor e ator de envolver o público em uma história altamente viciante (algo que Waller-Bridge também faz de forma primorosa) com uma honestidade tão crua que chega a ser aterrorizante. O resultado é uma mistura impecável entre drama e suspense com um toque de humor negro, guiada por uma valsa perversa entre Gadd e a atriz Jessica Gunning, que também funciona como um conto preventivo sobre o impacto emocional que o trauma tem em uma pessoa e a necessidade de pedir ajuda.

(Thank God for the Edinburgh Festival Fringe. The largest arts event in the world, the Festival was founded in 1947, always being held in the capital of Scotland in the month of August, serving as a stage for talents of different cultural areas, only losing to the Olympics and the FIFA World Cup, when it comes to box office. It was there that we were introduced to the phenomenon that would become Phoebe Waller-Bridge, with her unforgettable Fleabag making her worldwide debut in Edinburgh in 2013, in the form of a one-woman show, eventually evolving into the exceptional TV show everybody loves. The Fringe was also the early stage for comedian Richard Gadd, whose 2019 one-man show gave birth to the 7-episode limited series in analysis, “Baby Reindeer”, which was released on Netflix on April 11.

In a similar way to Waller-Bridge's work in “Fleabag”, “Baby Reindeer” is a character study of Gadd's protagonist, inspired on himself. What makes it stand out is that the plot of the Netflix series is based on true events, blending the writer and actor's capacity of captivating the audience with a highly addictive story (something that Waller-Bridge also does wonderfully) with an honesty that's so raw, it comes out as terrifying. The result is a flawless mix between drama and thriller with a touch of dark humor, led by a wicked waltz between Gadd and actress Jessica Gunning, which also works as a cautionary tale on the emotional impact trauma has on a person and the need to call for help.)



Trama

A história acompanha Donny Dunn (interpretado por Richard Gadd), um comediante que ganha a vida trabalhando como barman em um pub. Certo dia, uma mulher mais velha, Martha Scott (interpretada por Jessica Gunning), entra em seu local de trabalho, cabisbaixa. Em um ato de bondade e compaixão, Donny oferece uma xícara de chá de cortesia para Martha. A partir daí, a mulher começa a criar uma obsessão por Donny, atormentando-o em todos os aspectos de sua vida e gradualmente forçando-o a desenterrar uma experiência traumática, encoberta por muito tempo.

(Plot

The story follows Donny Dunn (played by Richard Gadd), a comedian that makes a living by working as a bartender in a pub. One day, an older woman, Martha Scott (played by Jessica Gunning), enters his workplace, looking sad. In an act of kindness and compassion, Donny offers Martha a cup of tea on the house. From that point on, the woman starts obsessing over Donny, tormenting him in every aspect of his life and gradually forcing him to unearth a traumatic experience, which has been kept hidden for a long amount of time.)



Uma experiência envolvente, melhor vivenciada às cegas

Antes de falar qualquer coisa, é preciso dizer que assistir “Bebê Rena” é uma experiência melhor vivenciada sabendo o mínimo possível. Por isso, recomendo que vejam a minissérie antes da leitura desta crítica. A primeira qualidade a se destacar sobre o roteiro é o quão envolvente ele consegue ser. Fazia muito tempo que este crítico via uma série tão boa, a ponto de não querer parar de assistir até o último episódio. É uma trama altamente viciante que, a princípio, começa como um suspense, acompanhando a dinâmica eletrizante entre Donny e sua stalker, guiada pela narração em voice-over do comediante. Mas o mais interessante é a capacidade de Gadd de continuar surpreendendo o espectador a cada episódio, com o quarto capítulo, em particular, funcionando como uma virada de jogo que leva o público a ver a narrativa que veio antes com olhos completamente diferentes.

Isso acontece pela escolha criativa acertada de Gadd de fazer com que Donny tenha um passado essencialmente ambíguo (novamente, de forma bem similar à “Fleabag” em sua primeira temporada). Pouco nos é revelado sobre o protagonista nos minutos iniciais da série, que já preparam o palco para a dinâmica supracitada. Porém, é através das interações entre Donny e Martha que o personagem vai gradualmente se abrindo para o espectador, em momentos tão honestos, retratados de maneira tão realista, que chegam a ser constrangedores. E quando tal passado finalmente é revelado, “Bebê Rena” transita para o gênero no qual ele funciona de forma ainda mais eficaz do que o suspense: o drama.

É através da abordagem dramática da narrativa que Gadd encontra uma plataforma para lidar com as temáticas profundas da minissérie, com os quatro episódios finais contendo as cenas mais emocionalmente impactantes da trama. Novamente, assim como na dinâmica entre Donny e Martha, nestes momentos, o realismo prevalece, resultando em uma proximidade cada vez mais íntima entre o protagonista e o espectador. A maneira com que o roteirista se aproxima do trauma é simplesmente admirável, ainda mais pelo fato dele abordar uma experiência traumática própria. Gadd o visualiza como um caminho sem saída, onde a incapacidade de pedir ajuda devido ao medo do julgamento dos outros força a pessoa traumatizada a enfrentar o mesmo ciclo infinito, levando à uma obsessão doentia. E a sacada mais genial dessa abordagem é o fato do roteiro fazer isso não só por Donny, mas também por Martha, trazendo uma dose de humanidade à uma personagem que, no papel, seria somente um instrumento para desenvolver o protagonista.

E aqui, eu preciso fazer um adendo breve ao quarto episódio da série, o qual, além de ser o mais longo (com 45 minutos de duração, em contraponto à predominância de meia hora nos outros 6), também funciona como uma experiência isolada, encapsulando a temática de “Bebê Rena” como um todo em um retrato aterrorizante, cru, chocante e realista das consequências da busca por atenção, e como esta busca pode levar à um trauma que é capaz de perseguir e atormentar alguém pelo resto da vida. É graças a este episódio que a minissérie passa de uma comédia de humor negro com toques de suspense, à la Irmãos Coen, para um drama brutalmente honesto, cujo impacto perdura até os segundos finais da narrativa. É uma verdadeira aula em todos os aspectos da produção, do roteiro aos aspectos técnicos, levando os três episódios finais por um caminho sufocante, que não se cansa de surpreender o espectador com suas reviravoltas.

(A riveting viewing, best experienced going in blind

Before I say anything, I need to state that watching “Baby Reindeer” is an experience that's even better if you know as little as possible. Therefore, I recommend watching the miniseries before reading this review. The first quality to highlight on the script is how involving it manages to be. It's been a long time since this particular critic stumbled upon a show that's so good, that you just don't want to stop watching until it ends. It's a highly addictive plot that, at first, starts off as a thriller, following the electrifying dynamics between Donny and his stalker, led by the comedian's voice-over narration. Yet the most interesting thing is Gadd's capacity of keep on surprising the viewer at each episode, with the fourth chapter, in particular, functioning as a game-changing turn that leads the audience into looking at the previous narrative with a brand-new perspective.

That happens because of Gadd's jackpot of a creative choice in making Donny having an essentially ambiguous past (once again, very similarly to “Fleabag” in its first season). We know very little about the protagonist in the show's initial moments, which already set the stage for the aforementioned dynamics. However, it's through the interactions between Donny and Martha that the character gradually opens himself up to the viewer, in moments imbued with such honesty, portrayed in such a realistic way, they come out as somewhat embarassing to watch. And when his past finally comes to light, “Baby Reindeer” moves on to the genre in which it works in an even more effective way than it does as a thriller: drama.

It's through the narrative's dramatic approach that Gadd finds a platform to deal with the miniseries's thematic depths, with its four final episodes containing the plot's most emotionally impactful scenes. Once again, like Donny and Martha's dynamics, realism prevails, resulting in a proximity between character and viewer that becomes more and more intimate as the story moves forward. The way the writer approaches trauma is simply admirable, even more so for the fact that he's dealing with a traumatic experience he lived through. Gadd visualizes it as a one-way trip, where the incapacity of asking for help out of fear of people's judgement forces the traumatized person to face the same endless cycle, leading to a sick, twisted obsession. And the most brilliant thing the script does with that approach is that it does it for Martha in the same way it's doing for Donny, adding a necessary dose of humanity to a character that, on paper, would only be an instrument to develop the protagonist.

And here, I must dedicate a particular paragraph towards the series's fourth episode, which, besides being the longest (45 minutes long, in contrast with the half-hour runtime of the other six), also functions as an isolated experience, encapsulating the theme of “Baby Reindeer” as a whole in a terrifying, raw, shocking and realistic portrayal of the consequences that come with a search for attention, and how that search might lead to a trauma that's capable of tormenting someone for the rest of their lives. It's thanks to that episode that the limited series moves from being a dark comedy with hints of suspense, à la the Coen brothers, to a brutally honest drama, armed with a powerful impact that lasts from that moment on. It's a true masterclass in every aspect of the production, from the script to the technical aspects, leading the final three episodes through a suffocating path, in which Gadd keeps surprising the viewer with the twists up his sleeve.)



Uma valsa perversa

É preciso admirar a coragem de Richard Gadd de atuar o próprio trauma, quando seria muito mais fácil escalar um ator. O fato da narrativa ter sido baseada em sua experiência de vida injeta um realismo e honestidade ainda maiores ao desempenho do comediante escocês aqui. Assim como Phoebe Waller-Bridge, Gadd consegue equilibrar uma esperteza bem-humorada com uma vulnerabilidade tocante de maneira primorosa. O uso de narrações em voice-over oferece uma perspectiva mais interna do personagem, que é refletida através de sua fisicalidade cada vez mais deteriorada. É possível ver, somente através dos olhos do ator, como a obsessão de Martha com seu personagem o faz sentir, e também se lembrar da experiência traumática que passou.

Do outro lado desta dança, temos outra performance excelente pela atriz Jessica Gunning, interpretando Martha. É incrível como Gadd faz com que o espectador sinta um misto de emoções em relação à sua personagem, desde a compaixão e a identificação com ela (porque, afinal, quem não gostaria de receber atenção?) até uma vergonha alheia que evolui para um sentimento dominante de pavor em toda cena em que ela aparece em tela. Há uma ameaça constante em relação à Martha que causa arrepios tanto em Donny quanto no público, e quando as emoções explosivas dela chegam à superfície, Gunning não precisa de nenhum esforço para ser absolutamente aterrorizante. O caráter extrovertido e invasivo de Martha é o contraste perfeito para a timidez de Donny, e é por isso que a dinâmica entre os dois funciona tão bem.

Em papéis coadjuvantes, temos performances competentes de Nava Mau como um interesse amoroso que também oferece perspectivas sobre a identidade do protagonista, Nina Sosanya como uma figura materna para Donny, Tom Goodman-Hill como alguém intrínseco para desvendar o arco narrativo do personagem principal, e por fim, Mark Lewis Jones e Amanda Root como os pais do comediante, com quem Gadd compartilha algumas das melhores cenas da série. Há uma cena em particular do episódio final que me deixou com o queixo caído, e parte deste impacto vem do desempenho específico de Jones e da naturalidade com a qual ele lida com seus diálogos.

(A wicked waltz

One must need to admire Richard Gadd's courage in acting out his own trauma, when it would've been much easier to cast someone else. The fact the narrative is based on his life experience injects the Scottish comedian's performance here with an even greater sense of honesty and realism. Just like Phoebe Waller-Bridge, Gadd manages to balance out a well-humored with a touching vulnerability in a masterful way. The use of voice-over narrations offer a more inner perspective on the character, which is reflected by his gradually deteriorating physicality. One can clearly see, only through the actor's eyes, how Martha's obsession over his character makes him feel, as well as remember the traumatic experience he's been through.

On the other side of this dance, we have another excellent performance by actress Jessica Gunning, playing Martha. It's simply amazing how Gadd makes the viewer feel a strange blend of emotions towards her character, from compassion and relating to her (because, after all, who wouldn't like getting attention?) to a second-hand embarrassment that evolves to a dominating feeling of dread in every scene she's onscreen. There's a constant threat surrounding Martha that sends shivers to both Donny and the audience, and when her explosive emotions reach the surface, Gunning needs no effort to be absolutely terrifying. Martha's extrovert, invasive character is the perfect contrast to Donny's shyness, and that's why their dynamic works so well.

In supporting roles, we have competent performances by Nava Mau as a love interest that also offers perspectives on the protagonist's identity, Nina Sosanya as a mother figure to Donny, Tom Goodman-Hill as someone that's crucial in unraveling the main character's narrative arc, and, finally, Mark Lewis Jones and Amanda Root as the comedian's parents, with whom Gadd shares some of the series's best scenes. There's a particular scene in the final episode that left my jaw dropped to the floor, and part of that impact came specifically because of Jones's performance and the natural way he deals with his dialogue.)



Realismo = tensão

Nos aspectos técnicos, “Bebê Rena” segue o realismo do roteiro e das performances, novamente sendo muito similar à “Fleabag” ao injetar uma energia visual que tenta, com todas as forças, alcançar o passo dos monólogos interiores do protagonista. Há um trabalho conjunto incrível entre a direção de fotografia e a montagem, as quais, assim como Martha, conseguem ser invasivas e excessivamente íntimas de forma bem eficaz em certos momentos, seja através de um zoom aproximado em uma situação desconfortável ou a prolongação desta mesma cena por alguns segundos a mais. Tudo isso colabora para um tom de constante tensão ao longo dos 7 sucintos episódios.

E por último, mas não menos importante, temos o design de som e a trilha sonora. O impacto que o silêncio consegue ter nos momentos mais emocionalmente vulneráveis da trama é admirável, adicionando uma vibe confessional aos diálogos e situações retratadas. Há uma cena em particular no final do sexto episódio que exemplifica perfeitamente essa força da falta de sons externos. Porém, a série não peca na trilha sonora, que conta com hits de artistas como Patsy Cline, David Byrne, Brian Eno, Jethro Tull, Frank Sinatra, Evie Sands, Bee Gees e George Harrison, presentes em momentos que comparam e combinam a trajetória do protagonista com o que as letras de cada canção desejam transmitir.

(Realism = tension

In the technical aspects, “Baby Reindeer” follows through with the realism in the script and performances, once again being very similar to “Fleabag” as it injects a visual energy that tries, with everything they have, to keep up with the protagonist's inner monologues. There's an amazing teamwork between the cinematography and the editing, which, just like Martha, manage to be invasive and excessively intimate in a very effective way in certain moments, whether it's through a close zoom towards an uncomfortable situation or the prolonging of that same scene for a few extra seconds. All of that collaborates for a tone of constant tension throughout the show's 7 succint episodes.

And at last, but definitely not least, we have the sound design and the soundtrack. The impact that silence manages to have in the plot's most emotionally vulnerable moments is admirable, adding a confessional vibe to the dialogues and situations portrayed onscreen. There's a particular scene in the end of the sixth episode that perfectly exemplifies this strength that the lack of external sounds may have. However, the series doesn't skimp on the soundtrack, which relies on hits by artists like Patsy Cline, David Byrne, Brian Eno, Jethro Tull, Frank Sinatra, Evie Sands, Bee Gees and George Harrison, which are present in moments that compare and combine the protagonist's trajectory with what the lyrics of each song wish to convey.)



Resumindo, “Bebê Rena” é uma das melhores minisséries que a Netflix tem a oferecer. Com seu criador, roteirista e protagonista baseando a narrativa em sua própria experiência de vida, a série conta com uma trama envolvente que mistura suspense, drama e humor negro; uma valsa perversa entre seus dois atores principais, que entregam performances dignas de prêmios; e aspectos técnicos que intensificam o realismo do roteiro e do desempenho do elenco, resultando em uma experiência brutalmente honesta que não vai sair da sua cabeça tão cedo.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Baby Reindeer” is one of the best limited series Netflix has to offer. With its creator, writer and protagonist turning his own life experience into the basis of the narrative, the series relies on an involving plot that blends suspense, drama and dark humor; a wicked waltz between its two main leads, who deliver award-worthy performances; and technical aspects that intensify the realism in the script and in the cast's work, resulting in a brutally honest experience that won't leave viewers' heads too soon.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)

domingo, 21 de abril de 2024

"Guerra Civil": um filme urgente sobre o horror da guerra e os dois lados do jornalismo (Bilíngue)

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- Você tiraria uma foto deste momento, se eu fosse baleada?

- O que você acha?”

(“ - Would you photograph that moment, if I got shot?

- What do you think?”)


Certos filmes já nascem como obras que dividirão o público em dois extremos: aqueles que o consideram como uma verdadeira obra-prima, e aqueles que acham que o mesmo filme é uma bagunça sem sentido. Mesmo assim, é o suficiente para agregar uma legião de fãs. Como exemplos recentes, temos “mãe!”, de Darren Aronofsky; “Babilônia”, de Damien Chazelle; e “Saltburn”, de Emerald Fennell. O diretor e roteirista britânico Alex Garland pode ser considerado um expert em realizar este tipo de obra. Após uma aclamação unânime por sua estreia em “Ex Machina: Instinto Artificial”, seus dois longas subsequentes, “Aniquilação” e “Men: Faces do Medo”, tiveram uma reação essencialmente mista por parte da crítica e do público, deixando alguns impressionados e outros coçando as cabeças. Em sua quarta empreitada como diretor, “Guerra Civil”, um dos lançamentos desta quinta-feira (18) nos cinemas, não temos uma exceção.

A proposta do quarto longa de Garland já é o suficiente para afastar uma parcela específica de seus espectadores em potencial, apresentando um país dividido, liderado por uma figura claramente inspirada no ex-presidente Donald Trump, contaminado pelo fácil acesso às armas de fogo, que possibilitam a criação de facções rivais. Porém, há uma certa originalidade no gênero específico dos filmes anti-guerra aqui, já que a trama segue o ponto de vista de jornalistas, destacando tanto a necessidade da profissão quanto o potencial sensacionalista de suas produções, em especial quando o assunto é guerra. O diretor faz um ótimo uso da câmera, do som e de um quarteto fortíssimo de protagonistas para trazer as mensagens de “Guerra Civil” à luz, e mesmo que possa faltar um contexto do que realmente está acontecendo, Garland e companhia compensam com um enredo constantemente tenso recheado de imagens chocantes que desafiam o espectador a desviar o olhar.

(Some films are already born as works that will divide their audience into two extremes: those who will consider it as a true masterpiece, and those who feel the same movie is a garbage dump of nonsense. Even so, it's enough to gather them a legion of fans. As recent examples, we have Darren Aronofsky's “mother!”, Damien Chazelle's “Babylon” and Emerald Fennell's “Saltburn”. British writer-director Alex Garland can be considered an expert in making this particular kind of work. After unanimous praise for his debut in “Ex Machina”, his two subsequent features, “Annihilation” and “Men”, had an essentially mixed reaction from both critics and audiences, leaving some impressed and others scratching their heads. In his fourth endeavor as director, “Civil War”, one of this week's releases, now playing in theaters, we have no exception.

The proposition of Garland's fourth feature is already enough to make a specific portion of its potential viewers turn their heads, presenting us with a divided country, led by a figure clearly inspired by former president Donald Trump, contaminated by easy access to firearms, which make the creation of rival factions possible. However, there's a certain originality in the specific genre of anti-war films here, as the plot follows the point of view of journalists, highlighting both the necessity of that line of work and the sensationalist potential of its productions, especially when it comes to war. The director makes a great use of camera, sound and a really strong quartet of protagonist to bring the messages of “Civil War” to light, and even though it may lack context on what's really going on, Garland and co. make up for it with a constantly tense story filled with shocking images that dare the viewer to look away.)



Trama

Ambientado em um futuro próximo, a trama acompanha Lee (Kirsten Dunst), uma fotojornalista que embarca em uma jornada pelos EUA até Washington, juntamente com três colegas: Joel (Wagner Moura), um repórter; Jessie (Cailee Spaeny), uma aspirante a fotógrafa; e Sammy (Stephen McKinley Henderson), um redator idoso. O grupo parte com o objetivo de entrevistar o Presidente (Nick Offerman) antes que as duas facções em guerra tomem a Casa Branca para si, enfrentando várias ameaças e mudanças pelo caminho.

(Plot

Set in the near future, the plot follows Lee (Kirsten Dunst), a photojournalist who embarks on a journey across the United States all the way to Washington D.C., alongside three colleagues: Joel (Wagner Moura), a reporter; Jessie (Cailee Spaeny), an aspiring photographer; and Sammy (Stephen McKinley Henderson), an elderly writer. The group sets off with the goal of interviewing the President (Nick Offerman) before the two warring factions take over the White House, facing several threats and changes along the way.)



Os dois lados da moeda jornalística

A primeira coisa que chama a atenção em “Guerra Civil” é o quão atual o roteiro de Garland consegue ser, em duas vertentes em particular. Primeiro, temos aqui uma abordagem realista de um cenário de guerra, destacando o horror da situação e o impacto que ela tem nas pessoas, através de imagens essencialmente chocantes. Corpos em diferentes estados de decomposição, atos de terrorismo, pessoas enforcadas em público. O diretor faz questão de mostrar isto da maneira mais crua possível, causando o máximo de impacto em seus personagens e nos espectadores. A segunda vertente é o perigo de uma nação ideologicamente dividida, e esta interpretação é especialmente relevante para os EUA, onde haverá eleição em 2024. O realismo e as analogias aos cenários de guerra da atualidade cooperam para a urgência da trama e para um sentimento coletivo de pavor, do quão próximo o retrato do filme parece estar da realidade.

A desolação e imprevisibilidade da guerra levam a trama de Garland por um caminho extremamente tenso, deixando o espectador roendo as unhas em antecipação do que está por vir. Aqui, o diretor replica o tom sério de um dos seus trabalhos mais famosos, o filme de zumbis “Extermínio”, aplicando a mesma energia aterrorizante e constantemente surpreendente, embora em um passo mais lento e meditativo, tomando algumas pausas entre as cenas de ação para desenvolver seus personagens de uma maneira muito eficaz. Um destaque fica para a personagem de Cailee Spaeny, que, por sua juventude e falta de experiência, é o maior veículo para transmitir as cicatrizes emocionais que a guerra deixa em uma pessoa.

Porém, o maior trunfo de “Guerra Civil”, além de seu retrato de um cenário realista de um conflito, é a abordagem do jornalismo de guerra como uma espada de dois gumes. Por um lado, ele é visto como uma profissão essencial e necessária, que é chave para conseguir registros e atualizações em primeira mão, correndo atrás do objetivo de levar a informação ao público. Além disso, no entanto, o roteiro destaca o potencial sensacionalista de um conteúdo tão explícito, onde a exposição ao extremo pode levar à uma indiferença emocional por parte do jornalista, que passa a perseguir as imagens e situações mais violentas, “glamourizando” o fazer jornalístico ao invés de humanizá-lo. Essa dualidade é refletida de forma perfeita no roteiro através da troca de experiências entre as personagens de Spaeny e Kirsten Dunst, onde a última, embrutecida por eventos passados, tenta evitar que a primeira siga o mesmo caminho.

Mesmo que a trama não seja sobre a guerra em si, mas sim o impacto que ela tem nas pessoas, a falta de contexto sobre o conflito retratado em “Guerra Civil” ainda é notável. Garland deixa migalhas de conteúdo espalhadas pelo enredo, que oferecem uma perspectiva fragmentada do porquê da nação estar dividida. Porém, não é o suficiente para que o espectador tenha uma visão abrangente e completa do cenário, deixando as motivações de cada lado, os componentes de cada facção e as razões por trás das alianças no escuro. Por exemplo, um dos grupos em luta é composto de uma parceria entre os estados do Texas, um território amplamente conservador, e da Califórnia, que segue ideologias completamente opostas, e nunca nos é explicado o motivo de uma união tão teoricamente improvável.

(The two sides of the journalistic coin

The first thing that comes to attention in “Civil War” is how timely Garland's screenplay manages to be, in two particular lines of thought. Firstly, we have here a realistic approach of a war scenario, highlighting the horror of the situation and the impact it has on people, through essentially shocking imagery. Bodies in different states of decay, acts of terrorism, people hung in public. The director makes a point in displaying this in the rawest way possible, causing maximum impact in his characters and viewers. Secondly, there's a looming sense of danger of an ideologically divided nation, and this portrayal is especially relevant for the United States, where 2024 will be an election year. The realism and the analogies towards real-life war scenarios cooperate for the plot's urgent tone, as well as a collective sense of dread, of how close this film seems to be to reality.

The bleakness and unpredictability of war lead Garland's plot through an extremely tense path, leaving the viewer biting their nails in anticipation of what's to come. Here, the director replicates the serious tone of one of his most famous screenwriting works, the zombie film “28 Days Later”, applying the same terrifying and constantly surprising energy, although in a slower, more meditative pace, taking a few breaks inbetween the action scenes to develop his characters in a most effective way. A clear standout here is Cailee Spaeny's character, who, due to her age and lack of experience, is the biggest anchor to convey the emotional scars that war can leave on someone.

However, the greatest strength in “Civil War”, more so than its realistic portrayal of a conflict scenario, is its approach of war journalism as a double-edged sword. On one hand, it is seen as a necessary, essential line of work, which is key in managing to get first-hand records and updates, running towards the goal of getting the information into the public eye. Besides that, on the other hand, the screenplay highlights the sensationalist potential of such an explicit content, where extreme exposition can lead to a journalist's emotional indifference, a state of mind where they begin chasing after the most violent situations and images, painting the journalistic line of work in a more “glamourous” light than in a human one. This duality is perfectly reflected in the script through the exchange of experience between Spaeny and Kirsten Dunst's character, where the latter, hardened by past events, tries to stop the former from following the same path.

Even though the plot isn't about the war itself, but the impact it leaves on people, the lack of context on the portrayed conflict in “Civil War” is still very visible. Garland leaves mere crumbs of content throughout the story, which offer a fragmented perspective on why the nation is divided. However, it's not enough for the viewer to have a wide, complete view of the battleground, leaving each side's motivations, the components of each faction and the reasons behind their alliances in the dark. For example, one of the fighting groups is composed by a partnership between the states of Texas, a widely conservative territory, and California, which follows completely opposite ideologies, and we never have an explanation for such a theoretically unlikely union.)



Jornalistas em diferentes estágios

Uma coisa muito interessante sobre os personagens jornalistas de “Guerra Civil” é como eles se encontram em diferentes estágios da profissão, e como que, ao longo da trama, cada um passa para uma fase diferente. De baixo para cima, temos a Cailee Spaeny, que, após uma performance reveladora em “Priscilla”, continua sua ascensão ao estrelato de maneira muito eficaz aqui. É através dela que o espectador enxerga os eventos chocantes do enredo e é fascinante acompanhar o desempenho da atriz ao retratar a evolução (ou seria involução?) da perspectiva da sua personagem em relação à guerra. Mais acima, temos o Wagner Moura, que faz um ótimo trabalho como um repórter que anseia por estar em meio ao conflito em si, e a surpresa nas expressões do ator quando os eventos no decorrer da trama o acertam em cheio é crível, humana e emocionante.

Em um estágio superior, temos a Kirsten Dunst, em uma de suas melhores performances recentes, como uma fotojornalista veterana claramente traumatizada pelas inúmeras guerras que registrou, resultando em uma personagem constantemente fechada, tensa e séria. A dinâmica entre ela e Spaeny é a força motriz do enredo, e os momentos compartilhados pelas duas emprestam uma certa leveza ao tom sombrio do roteiro, sendo essenciais para o desenvolvimento de ambas as personagens, com Dunst servindo como uma figura materna para Spaeny; e esta evoluindo como uma jornalista cada vez mais amadurecida. Na última fase, temos o Stephen McKinley Henderson, que interpreta o mentor de Dunst e Moura, alguém completamente aterrorizado pelo conflito, evitando ao máximo o contato próximo com o mesmo, sendo um dos personagens mais sensatos da trama.

Porém, há um ator em “Guerra Civil” que aparece em menos de 15 minutos de tela, e consegue roubar o filme inteiro para si através de uma única cena, e este ator é o Jesse Plemons. Após atuações mais carismáticas em “Amor e Morte” e “Assassinos da Lua das Flores”, Plemons retorna ao sadismo e à frieza de seu papel mais famoso, o Todd de “Breaking Bad”, mesmo que de forma breve. Há uma aura tão ameaçadora ao redor de seu personagem, um membro de uma milícia supremacista xenofóbica, que ela acaba perdurando pelo restante da trama, com a sequência protagonizada por Plemons encapsulando a tensão, o horror e o pavor de estar em meio à uma zona de guerra.

(Journalists in different stages

Something really interesting about the journalist characters in “Civil War” is how they find themselves in different stages of the profession, and how they manage to pass on to a different stage, throughout the plot. Starting from the bottom, we have Cailee Spaeny, who, following a revealing performance in “Priscilla”, continues her rise to stardom in a very effective way here. The viewer sees the story's shocking events through her eyes, and it's fascinating to follow the actress's way of conveying her character's evolution (or is it devolution?) of perspective towards war. One step above, we have Wagner Moura, who does a great job as a reporter who longs to be in the middle of the conflict itself, and the surprise in the actor's expressions when the narrative's subsequent events hit him straight on is believable, human and emotional.

On an upper stage, we have Kirsten Dunst, in one of her best recent performances, as a veteran photojournalist who's clearly traumatized by the countless wars she has witnessed, resulting in a constantly shut, tense and serious character. The dynamic between her and Spaeny is the plot's conductive force, and the moments they share lend some levity to the script's dark tone, being essential to the development of both their characters, with Dunst as a mother figure to Spaeny; and the latter evolving as a gradually more mature journalist. On the last stage, we have Stephen McKinley Henderson, who plays the mentor of Dunst and Moura, and is completely terrified by the conflict, doing his best to avoid close contact with it, being one of the most reasonable characters in the story.

However, there is one actor in “Civil War” who shows up in less than 15 minutes of screentime and manages to steal the entire film for himself through one single scene, and that is Jesse Plemons. After more charismatic performances in “Love and Death” and “Killers of the Flower Moon”, Plemons returns to the cold and sadistic nature of his most famous role, Todd from “Breaking Bad”, even if for a very brief amount of time. There is such a threatening aura surrounding his character, a member of a supremacist, xenophobic militia, that it's still very much present throughout the remainder of the plot, with the sequence featuring Plemons encapsulating the tension, the horror and the dread of being in the middle of a warzone.)



Imagem e som imersivos

Tecnicamente, “Guerra Civil” é um espetáculo de imagem e som que implora para ser visto na maior tela possível. É impressionante como o maior orçamento da história da A24, distribuidora do filme nos EUA, foi investido para retratar algo estritamente focado na realidade. Não há nenhum estilo na câmera de Rob Hardy, colaborador frequente do diretor, e isto é 100% proposital. As imagens que ele nos mostra são cruas, impactantes e aterrorizantes, de tão reais que parecem ser. Em partes, o visual me lembrou de “Laranja Mecânica”, no sentido de retratar um futuro próximo sem especificar o quão próximo ele está dos tempos atuais, fazendo tudo ficar ainda mais sinistro. Em colaboração com a urgência do roteiro, a fotografia de Hardy chama a atenção para o horror da guerra, quase como um aviso, e isso é simplesmente incrível.

Outro destaque fica com a montagem, que também consegue reter o realismo no retrato do conflito, estendendo certas cenas pelo tempo que for necessário, e consequentemente aumentando a tensão e a preocupação do espectador com os personagens. A montagem é especialmente eficaz nas sequências onde as personagens de Dunst e Spaeny fotografam os cenários de guerra, com cortes bem rápidos mostrando o resultado final de suas produções, de forma bem nítida e impactante. O trabalho fotográfico aqui, simulando o fotojornalismo de guerra, possui uma beleza melancólica e sombria de tirar o fôlego. Hardy consegue capturar momentos cruciais na trama e a montagem, em contrapartida, consegue eternizá-los na tela e na mente dos espectadores.

Por fim, o design de som e a trilha sonora são essenciais na construção de tensão ao longo de “Guerra Civil”. É incrível o que Garland consegue fazer com o silêncio em um cenário tão imprevisível, enchendo o espectador com a ansiedade de que algo muito grave está prestes a acontecer com estes personagens. E quando o som se faz presente, ele ecoa com muita força. Por exemplo, quando há o barulho de um tiro em uma situação silenciosa, o eco do tiro cria um zumbido enervante na mente do espectador. De fato, as melhores cenas do longa são completamente isentas do uso de trilha sonora, que, por sua vez, é reservada para momentos específicos, focados nos aspectos emocionais dos personagens, me lembrando muito do trabalho de Gustavo Santaolalla em “The Last of Us”.

(Immersive imagery and sound

Technically, “Civil War” is a spectacle of image and sound that begs to be experienced on the largest screen you can find. It's impressive how the biggest budget in the history of distributor A24 was invested to portray something strictly focused on reality. There is no style in Rob Hardy's cinematography, in his fourth collaboration with the director, and that's 100% on purpose. The images he shows us are raw, impactful and terrifying, because of how real they seem to be. Partly, the visuals reminded me of “A Clockwork Orange”, in the way of displaying a near future and not specifying how near that future is from present time, making the whole thing all the more sinister. Working in tandem with the screenplay's urgency, Hardy's cinematography highlights the horror of war, almost like a warning, and that's simply amazing.

Another highlight stays with the editing, which also retains the realism in the conflict's portrayal, extending some scenes for as long as it's necessary, which consequently ratchets up the tension and the viewer's concern towards the characters. The editing is especially effective in the sequences where Dunst and Spaeny's characters are photographing the warzones, with pretty swift cuts showing the final results of their productions, in a very clear, impactful way. The photography work here, simulating war photojournalism, possesses a breathtaking melancholic and dark beauty. Hardy manages to capture crucial moments in the plot and the editing, on the other hand, makes these moments eternal onscreen and inside the viewer's mind.

At last, the sound design and soundtrack are essential when it comes to building up tension in “Civil War”. What Garland manages to do with silence in such an unpredictable scenario is nothing short of incredible, filling up the viewer with the anxiety that something really bad is about to happen to these characters. And when sound does mark its presence, it echoes with amazing force. For example, when there's a gunshot sound in a quiet situation, the echo of the gunshot creates an unnerving ringing in the viewer's mind. Indeed, the feature's best scenes are completely free of any use of score or soundtrack, which, in turn, are reserved for specific moments, focused on the emotional aspects of the characters, reminding me a lot of Gustavo Santaolalla's work in “The Last of Us”.)



Resumindo, “Guerra Civil” peca ao não revelar muito sobre o contexto do conflito retratado, mas o roteirista e diretor Alex Garland compensa com um roteiro essencialmente atual e urgente que mostra o horror da guerra e os dois lados da profissão jornalística neste cenário, um quarteto fortíssimo de protagonistas e um uso magistral e realista de seus aspectos técnicos, resultando em uma obra tensa do início ao fim.

Nota: 9,5 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Civil War” might not offer a lot of context on the portrayed conflict, but writer and director Alex Garland makes up for it with an essentially timely and urgent script that displays the horrors of war and the two sides of the journalistic profession in this scenario, a very strong quartet of protagonists and a masterful and realistic use of its technical aspects, resulting in a film that's tense from beginning to end.

I give it a 9,5 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)