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11 anos atrás, o mestre da animação Hayao Miyazaki havia anunciado a sua aposentadoria após o lançamento de sua obra mais recente, o indicado ao Oscar “Vidas ao Vento”, uma belíssima biografia animada de Jiro Horikoshi, arquiteto do avião-caça Zero, usado pelo Japão na Segunda Guerra Mundial. Até então, o suposto último filme de Miyazaki parecia ser o seu trabalho mais pessoal, por compartilhar de sua paixão pela aviação. (Detalhe: o nome do Studio Ghibli é derivado do apelido de um avião italiano.) Corta para 2016: o animador de 75 anos anuncia que não só saiu da aposentadoria, como também começou a trabalhar em um novo longa-metragem, “O Menino e a Garça”, um dos lançamentos desta quinta-feira (22) nos cinemas brasileiros.
Livremente inspirado pelo romance “How do You Live?”, escrito por Genzaburo Yoshino em 1937, “O Menino e a Garça” foi proposto pelo cineasta como um presente de despedida para o neto de Miyazaki, considerando a idade avançada do diretor. O resultado é a animação mais ambiciosa do Studio Ghibli desde “A Viagem de Chihiro”, fazendo uso de simbolismos, elementos da mitologia japonesa e aspectos fantásticos para tratar o amadurecimento de seu protagonista de uma forma essencialmente realista. Revisitando todas as marcas registradas do Studio Ghibli no processo (a mistura entre realidade e fantasia, o foco na natureza, os momentos silenciosos, a profundidade temática), o filme acaba funcionando como uma retrospectiva do trabalho realizado pelo estúdio, celebrando a vida e a carreira de seu lendário co-fundador.
(11 years ago, animation master Hayao Miyazaki had announced his retirement after the release of his most recent work, the Oscar-nominated “The Wind Rises”, a gorgeous animated biography of Jiro Horikoshi, who designed the fighter-plane Zero,which was used by Japan in World War II. Until then, Miyazaki's alleged final film seemed like his most personal work, as it shared his passion for aviation. (Detail: the name of Studio Ghibli is derived from the nickname of an Italian plane.) Cut to 2016: the 75-year-old animator announced that he is not only leaving retirement, but also working on a new feature, “The Boy and the Heron”, which is now playing in theaters.
Loosely inspired by the novel “How do You Live?”, written by Genzaburo Yoshino in 1937, “The Boy and the Heron” was proposed by the filmmaker as a farewell gift for Miyazaki's grandson, considering the director's advanced age. The outcome is the most ambitious work of animation by Studio Ghibli since “Spirited Away”, using symbolisms, elements of Japanese mythology and fantastical aspects to deal with the coming-of-age of its protagonist in an essentially realistic way. Revisiting every trademark by Studio Ghibli in the process (the blend between reality and fantasy, the focus on nature, the silent moments, the thematic depth), the movie ends up working as a retrospective of the studio's work, celebrating the life and career of its legendary co-founder.)
Trama
Ambientada durante a Guerra do Pacífico, a trama acompanha Mahito Maki (voz original de Soma Santoki), um garoto que é forçado a se mudar com o pai para o interior do Japão, após um bombardeio atingir Tóquio e tirar a vida de sua mãe. Com dificuldades para aceitar a morte da mãe, Mahito encontra obstáculos para se adaptar à sua nova vida. Certo dia, uma garça-real o visita, alegando que a mãe do menino ainda está viva e que sua tia, a nova esposa de seu pai, fora raptada. Então, Mahito parte em uma aventura, repleta de diversos perigos, para resgatar sua tia e tentar reencontrar sua mãe.
(Plot
Set during the Pacific War, the plot follows Mahito Maki (voiced by Soma Santoki), a boy who is forced to move out with his father to countryside Japan, after a bombing hits Tokyo and takes his mother's life. Struggling to come to terms with his mother's death, Mahito finds obstacles in order to adapt to his new life. One day, he is visited by a grey heron, who claims that the boy's mother is still alive and that his aunt, his father's new wife, was kidnapped. So, Mahito sets off on an adventure, filled with several perils, in order to rescue his aunt and try to reunite with his mother.)
Uma jornada de amadurecimento
Creio que “O Menino e a Garça” deve muito à obra-prima vencedora do Oscar “A Viagem de Chihiro”, por ambos serem jornadas de amadurecimento. É possível fazer uma lista com as similaridades entre os dois trabalhos de Miyazaki, porém a principal delas é que tudo nos dois filmes serve como instrumento para auxiliar no amadurecimento de seus protagonistas. Assim como todas as provações de Chihiro a levam de uma criança birrenta a uma jovem moça trabalhadora e independente, o desenrolar da nova obra do diretor realiza algo similar para Mahito, que inicia a trama como uma pessoa silenciosa, fechada a qualquer tipo de comunicação e claramente atribulada. Ao longo da história, ele encontra diversos obstáculos que o forçam a conhecer e se comunicar com outras pessoas, que o ajudam a lidar com seus problemas.
Nesse ponto de vista, o roteiro de Miyazaki se conecta de maneira significativa com o romance de Genzaburo Yoshino, “How do You Live?”, o qual acompanha o amadurecimento emocional e espiritual de seu protagonista adolescente, também órfão, enquanto lida com problemas que atribulam tanto a ele próprio quanto aqueles ao seu redor, como o bullying e a pobreza. Ele é frequentemente aconselhado pelo seu tio, que serve de figura paterna, um acadêmico que oferece seus pontos de vista sobre os mais diversos assuntos, como economia, política e guerra. É incrível ver como as duas obras se conectam com a proposta do diretor de “O Menino e a Garça” ser um presente de despedida para o neto, tornando possível apontar as similaridades entre os personagens e as figuras da vida real que os inspiraram.
Outro aspecto que fortalece o caráter melancólico e agridoce da trama de “O Menino e a Garça” é a sua abordagem da morte, e em especial a aceitação dela. O mundo fantástico em que Miyazaki nos insere é apresentado como uma espécie de limbo: não é a realidade de Mahito, mas também não é o céu ou o inferno. Nesta perspectiva, o filme me lembrou muito de “Soul”, da Pixar, já que essa realidade surreal é interpretada como um estado pré-vida. As similaridades vão além dos ambientes, já que tanto Joe e 42 quanto Mahito aprendem a viver através das situações mais simples, como o compartilhamento de uma refeição ou o trabalho conjunto realizado ao lado de alguém. É algo que, em teoria, seria tão ínfimo, mas que, nas mãos de uma lenda como Hayao Miyazaki, consegue reter um poder incrível.
(A coming-of-age journey
I believe that “The Boy and the Heron” owes a lot to the Oscar-winning masterpiece that is “Spirited Away”, as they are both coming-of-age journeys. One can make a list with the similarities between the two works by Miyazaki, but the main one of them is that everything in both movies serves as an instrument to help their protagonists become more mature. Just like every trial Chihiro faced lead her from a tantrum-throwing child to a hard-working, independent young woman, the development of the director's new work makes something similar to Mahito, who begins the plot as a quiet person, who's shut from every type of communication and is clearly troubled. Throughout the story, he encounters several obstacles that force him to get to know and talk to other people, who help him deal with his problems.
In that point of view, Miyazaki's screenplay connects in a significant way with Genzaburo Yoshino's novel “How do You Live?”, which follows the emotional and spiritual growth of its teenage protagonist, who is also orphaned, as he deals with problems that concern both himself and those around him, such as bullying and poverty. He frequently receives advice from his uncle, who is his father figure, a scholar who offers his points of view on various subjects, such as economy, politics and war. It's incredible to see how both works connect with the director's proposal of making “The Boy and the Heron” as a farewell gift to his grandson, making it possible to point out the similarities between the characters and the real-life figures who inspired them.
Another aspect that strengthens the melancholic and bittersweet tone of the plot for “The Boy and the Heron” is its approach of death, and especially the acceptance of it. The fantastical world in which Miyazaki puts us is presented as some sort of limbo: it's not Mahito's reality, but it's also not Heaven or Hell. In that perspective, the film reminded me a lot of Pixar's “Soul”, as this surreal reality is interpreted as a pre-life state. The similarities go beyond the environments, as both Joe and 42 and Mahito learn how to live through the most simple situations, such as the sharing of a meal or the hard work done by someone's side. It's something that, in theory, would be so pointless, but that, in the hands of a legend like Hayao Miyazaki, holds an awesome power.)
A vida e carreira de Hayao Miyazaki, animada
Mais interessante do que ver como Miyazaki indiretamente aborda a sua iminente partida para o seu neto é perceber o quanto de si mesmo o diretor coloca na trama de “O Menino e a Garça”. Assim como Mahito, Miyazaki teve que se mudar com sua família para o interior do Japão por causa da guerra. Tanto o pai de Mahito quanto o pai do cineasta foram empregados por uma empresa responsável pela manufatura de peças de aviões-caça. Bem provavelmente, foi daí que a paixão de Hayao pela aviação deve ter surgido. A perda da mãe de Mahito em um incêndio possui paralelos pessoais com a morte da mãe de Miyazaki, uma portadora de fortes opiniões que é vista como a principal inspiração para as suas personagens femininas. Não coincidentemente, as mulheres de Miyazaki são escritas como as figuras mais fortes e independentes de suas tramas. Só por estas similaridades, esta é, de longe, a obra mais pessoal da carreira do diretor.
A pessoalidade vai além da abordagem de aspectos pessoais na vida de Miyazaki, com “O Menino e a Garça” funcionando como uma retrospectiva do trabalho realizado pelo Studio Ghibli até o momento. Todas as marcas registradas do diretor se encontram muito presentes aqui: além das personagens femininas fortes, temos a mistura entre realidade e fantasia, o foco na natureza, o uso da mitologia japonesa, os silêncios significativos, o retrato poético de situações essencialmente banais, narrativas complexas que não deixam absolutamente nenhuma ponta solta. Do mesmo modo que o filme é uma celebração da vida e carreira de seu autor, ele também celebra a trajetória louvável de seu estúdio, o que faz sentido, sendo que este, teoricamente, seria o último filme de Hayao Miyazaki e, possivelmente, do Studio Ghibli. Agora, já sabemos que o mestre se recusa em se aposentar e já está trabalhando em algo novo, mas sua obra mais recente, assim como “Vidas ao Vento”, é repleta de tons melancólicos de despedida. E não seria uma maneira ruim de se despedir.
(The life and career of Hayao Miyazaki, animated
More interesting to see how Miyazaki indirectly approaches his imminent departure to his grandson is to realize how the director puts a lot of himself into the plot for “The Boy and the Heron”. Just like Mahito, Miyazaki had to move with his family to countryside Japan because of the war. Both Mahito's and the filmmaker's fathers were employed by a company that manufactures parts for fighter planes. Quite probably, Hayao's passion for aviation was originated from that particular fact. The loss of Mahito's mother in a fire has personal parallels with the death of Miyazaki's mother, who was a bearer of strong opinions and seen as the main inspiration for his female characters. Not coincidentally, Miyazaki's women are written as the strongest, most independent figures in his stories. For those similarities alone, this is, by far, the most personal work in the director's career.
The personality goes beyond the approach of particular aspects of Miyazaki's life, with “The Boy and the Heron” working as a retrospective of the work done by Studio Ghibli to this date. All of the director's trademarks are very present here: besides the strong female characters, we have the blend between fantasy and reality, the focus on nature, the use of Japanese mythology, the meaningful silences, the poetic portrayal of essentially banal situations and complex narratives that don't leave one single loose end, connecting every dot throughout the runtime. In the same way the film is a celebration of its author's life and career, it also celebrates the praise-worthy trajectory of its studio, which makes sense, as this, theoretically, would be both the final film by Hayao Miyazaki and, quite possibly, Studio Ghibli. Now, we already know that the master refuses to retire and is already working on something new, but his most recent work, like “The Wind Rises”, is filled with melancholic farewell undertones. And it wouldn't be a bad way to say goodbye.)
A beleza e o charme da tradição
Felizmente, com a exceção de “Aya e a Bruxa” (quanto menos falarmos sobre este filme, melhor), o Studio Ghibli tem mantido a regra de realizar somente animações 100% desenhadas a mão, servindo como um sopro de ar fresco em meio ao domínio da animação computadorizada. A dedicação e o esforço de Miyazaki e sua equipe são claramente refletidos na estética visual suntuosa de “O Menino e a Garça”. O caráter rebuscado da animação no retrato de algumas ambientações retém um charme nostálgico que vem faltando muito nas animações de hoje em dia, remetendo ao trabalho feito pela Disney nas décadas de 1940 e 1950. O uso de métodos tradicionais também permite ao diretor exagerar nas feições de seus personagens, sem o propósito de torná-las realistas, e isso auxilia tanto no charme quanto no alívio cômico, o qual é surpreendentemente muito presente na trama. Minha torcida pelo Oscar de Melhor Filme de Animação vai para “O Menino e a Garça” por várias razões, mas a principal delas é porque, caso ele vença, será o segundo filme animado de forma tradicional a ganhar o prêmio, após “A Viagem de Chihiro”, também de Hayao Miyazaki.
Como a cereja no topo deste bolo maravilhoso que é uma animação do Studio Ghibli e Hayao Miyazaki, temos a presença sempre bem-vinda da belíssima trilha sonora instrumental do compositor frequente do estúdio e do diretor, Joe Hisaishi. Composta de peças simples, mas incríveis conduzidas pelo piano e por uma seção de violinos, Hisaishi consegue capturar com maestria os tons banais, poéticos, melancólicos e lúdicos da trama de “O Menino e a Garça” através da música, sendo o complemento sonoro perfeito para a história que Miyazaki constrói. Um último destaque fica com a canção original nos créditos finais do longa, “Spinning Globe”, escrita e cantada por Kenshi Yonezu, que transmite os temas principais do enredo, como a partida de uma pessoa querida, a aceitação da perda e a disposição para seguir em frente, de uma maneira linda, épica e agridoce, fechando a projeção com chave de ouro.
(The beauty and charm of tradition
Fortunately, with the exception of “Earwig and the Witch” (the less we talk about that film, the better), Studio Ghibli has mantained the rule of making only animated features that are 100% hand-drawn, serving as a breath of fresh air among the predominance of computer-generated animation. The dedication and effort of Miyazaki and his team are clearly reflected in the sumptuous visual aesthetic of “The Boy and the Heron”. The laboured feel of the animation in the portrayal of some settings retains a nostalgic charm that's been sorely lacking in animated films nowadays, calling back to the work done by Disney in the 1940s and 1950s. The use of traditional methods also allows the director to exaggerate on the character features, without the purpose of making them realistic, and that helps both on the charm and the comic relief, which is surprisingly very present throughout the plot. My favorite pick to win the Oscar for Best Animated Feature is “The Boy and the Heron” for a variety of reasons, but the main one is that, if it wins, it will be the second traditionally-animated film to do so, after “Spirited Away”, also by Hayao Miyazaki.
As the cherry on top of this wonderful cake that is an animated feature from Studio Ghibli and Hayao Miyazaki, we have the always welcomed presence of the beautiful instrumental score by the studio's and director's frequent composer, Joe Hisaishi. Composed by simple yet amazing pieces that are led by the piano and a section of strings, Hisaishi masterfully captures the ordinary, poetic, melancholic and playful undertones in the plot for “The Boy and the Heron” through music, being the perfect sonic complement to the story Miyazaki builds. One last highlight stays with the original song in the movie's end credits, “Spinning Globe”, written and performed by Kenshi Yonezu, which conveys the film's main themes, such as the departure of a close person, the acceptance of the loss and the will to keep moving forward, in a gorgeous, epic and bittersweet way, ending the screening on the highest of notes.)
Resumindo, “O Menino e a Garça” é mais uma obra-prima de Hayao Miyazaki. Abordando temas como a morte e o amadurecimento de forma essencialmente realista através da fantasia, o novo trabalho do mestre da animação e co-fundador do Studio Ghibli é o seu mais pessoal até o momento, absorvendo aspectos de sua infância e revisitando suas próprias marcas registradas narrativas e visuais de maneira belíssima. O resultado é uma animação feita de forma 100% tradicional que celebra não só a vida e a carreira de seu autor, como também a trajetória lendária e icônica de seu estúdio, sendo uma tremenda realização para ambas as partes.
Nota: 10 de 10!!
É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,
João Pedro
(In a nutshell, “The Boy and the Heron” is yet another masterpiece by Hayao Miyazaki. Approaching themes like death and growing up in an essentially realistic way through fantasy, the new work by the animation master and co-founder of Studio Ghibli is his most personal to date, absorbing aspects of his childhood and revisiting his own narrative and visual trademarks in a beautiful way. The result is an animated feature done in a way that's 100% traditional which celebrates not only the life and career of its author, but also the legendary and iconic trajectory of its studio, being a tremendous feat for both parties.
I give it a 10 out of 10!!
That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,
João Pedro)