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“Vocês já pensaram na morte?” Eis a frase responsável por desencadear todo o desenrolar de “Barbie”, o novo filme dirigido por Greta Gerwig (“Adoráveis Mulheres”). A ideia da apresentação aparentemente perfeita de um mundo idealizado e as circunstâncias que levam um protagonista a pensar que deve existir uma realidade maior que a que ele se encontra foi replicada incessantemente no cinema. “O Mágico de Oz”, “O Show de Truman”, “Matrix” e “Não Se Preocupe, Querida” são alguns exemplos, os quais inclusive até serviram de inspiração para o roteiro co-escrito por Gerwig e seu marido Noah Baumbach (“História de um Casamento”).
O diferencial de “Barbie” é que, em seus pontos mais altos, Gerwig e Baumbach retornam às suas raízes cômicas para satirizar a propriedade intelectual da Mattel com um senso de humor absurdo e surreal. O compromisso do grande elenco envolvido na produção é amplamente responsável por fazer essa estratégia funcionar. Porém, ao aprofundar o contraste entre o mundo perfeito da Barbie e a imperfeição do mundo real, o roteiro começa a deslizar, investindo em uma veia dramática que quebra o caráter satírico da trama e apresenta conceitos surpreendentemente amadurecidos para um filme sobre uma boneca de plástico, tornando a obra menos acessível para um público mais jovem.
(“Do you ever think about dying?” That's the sentence responsible for unlocking all the plot development of “Barbie”, the new film directed by Greta Gerwig (“Little Women”). The idea of the apparently perfect presentation of an ideal world and the circumstances that lead a protagonist into thinking there should be a reality bigger than the one they find themselves in has been relentlessly replicated in cinema. “The Wizard of Oz”, “The Truman Show”, “The Matrix” and “Don't Worry, Darling” are a few examples, which even served as some sort of inspiration for the screenplay co-written by Gerwig and her husband Noah Baumbach (“Marriage Story”).
What sets “Barbie” apart is that, in its highest points, Gerwig and Baumbach return to their comical roots in order to satirize Mattel's intellectual property with an absurdist, surreal sense of humor. The commitment of the large cast involved in the production is widely responsible for making that strategy work. However, as it deepens the contrast between Barbie's perfect world and the real world's imperfection, the script begins to slip, investing in a dramatic vein that breaks the plot's satirical feel and presents concepts that are surprisingly mature for a film about a plastic doll, making it less acessible for a younger audience.)
Trama
Na Barbielândia, tudo é perfeito. Todos os dias são cheios de festas, amizades e conquistas. Porém, tudo muda quando uma Barbie (Margot Robbie, “Eu, Tonya”) começa a ter comportamentos distintos das outras bonecas, levando-a a viajar para o mundo real, junto com Ken (Ryan Gosling, “La La Land”), com o objetivo de descobrir seu verdadeiro propósito. A viagem dos dois acaba atraindo a atenção de funcionários da Mattel, que partem em uma jornada para forçá-los de volta à Barbielândia.
(Plot
In Barbie Land, everything is perfect. Every day is full of parties, friendship and accomplishments. However, everything changes when one Barbie (Margot Robbie, “I, Tonya”) begins to behave differently from other dolls, leading her to travel to the real world, alongside Ken (Ryan Gosling, “La La Land”), in order to discover her real purpose. The pair's trip ends up attracting the attention of Mattel's personnel, who go on a journey to push them back into Barbie Land.)
Vida de plástico (para adultos)
Um dos destaques de “Barbie” é o quão claramente todos os envolvidos são apaixonados pela boneca, a ponto de ter momentos que parecem ter sido escritos por uma criança brincando com suas Barbies e Kens. O fato dela nunca usar escadas, nunca se envolver com água, uma consulta no médico cujo diagnóstico leva minutos para ser apresentado, o retrato real do que acontece quando se brinca com uma Barbie por tempo demais. Todos estes segmentos apelam para o lado nostálgico dos adultos que tiveram infâncias dominadas por horas e horas de diversão com os produtos lançados pela Mattel, e é isso que faz o contraste com o mundo real funcionar, na maioria das vezes.
O problema do roteiro começa com a tentativa de trazer o drama do mundo real para a receita, com suas crises existenciais, ideologias e dificuldades enfrentadas, em especial para o público feminino. Apesar de Gerwig e Baumbach encontrarem maneiras criativas de satirizar essas provações, a mudança de tom pode causar uma certa alienação no público infantil. A abordagem dramática pode até funcionar para o público mais crescido, que certamente encontrará ali uma espécie de identificação com a personagem. Entretanto, para as crianças abaixo da faixa etária estabelecida pela classificação indicativa (12 anos), várias perguntas inevitavelmente irão surgir na cabeça delas, levando-as a questionar os pais que as acompanham com indagações como “O que é uma crise existencial?” ou “O que é o patriarcado?”. Há uma sequência envolvendo a personagem da America Ferrera, por exemplo, que explicitamente discorre sobre como é impossível ser uma mulher nos dias de hoje, e essa cena, por mais esclarecedora que possa ser para os adultos presentes na sala de cinema, não faz questão de suavizar a situação para aqueles que ainda estão em fase de crescimento.
Para remediar esse problema, duas alternativas seriam pertinentes: 1) manter o filme com a classificação indicativa baixa e imprimir uma vibe satírica e nonsense similar às animações inspiradas pela boneca, que não só apelaria para o público infantil mas também para aqueles que cresceram assistindo essas animações; ou 2) restringir o público-alvo com uma classificação indicativa mais alta para lidar com essas temáticas mais sérias com uma maior liberdade criativa. Da maneira que a obra é apresentada em tela, ela é indicada para adolescentes e adultos, por já terem uma mentalidade pronta para processar tudo que o filme deseja veicular. Por isso, na opinião deste crítico, o resultado final não é algo recomendável para se ver em família, em especial com crianças pequenas, por lidar com temas que forçariam um amadurecimento intelectual extremamente prematuro.
(Life in plastic (for grown-ups)
One of the highlights of “Barbie” is how clearly everyone involved is in love with the doll, to the point of having moments that seem like they were written by a child playing with their Barbies and Kens. The fact she never uses stairs, never gets involved with water, a doctor's appointment where the diagnosis is presented within minutes, the real portrayal of what happens when you play with a Barbie for too long. All these segments make an appeal for the nostalgic side of adults that had their childhoods dominated by hours and hours of fun with the products released by Mattel, and that's what makes the contrast with the real world work, in the vast majority of sequences.
The problem with the script begins with the attempt of bringing the drama of the real world into the recipe, with its existential crisis, ideologies and difficulties, especially when it comes to a female audience. Even though Gerwig and Baumbach find creative ways to satirize these trials and tribulations, the change in tone may cause an alienation in its younger audience. That dramatic approach might work for those who are already grown up, who will certainly find some sort of identification with the character. However, for children below the age restriction imposed by the film's rating (PG-13), several questions will inevitably come up in their heads, leading them into questioning their adult chaperones with inquiries like “What's an existential crisis?” or “What's the patriarchy?”. There's a sequence with America Ferrera's character, for example, that explicitly goes on about how impossible it is to live as a woman nowadays, and that scene, as enlightening as it may be for the grown-ups in the theater, it doesn't make the situation easier for those who are still growing up.
In order to remedy this problem, two alternatives would be pertinent: 1) keeping the film with a low rating and imprint a satirical, nonsensical vibe reminiscent to the animated films the doll inspired, which would not only appeal to a younger audience but also to those who grew up watching these animations; or 2) restrict the target audience with a higher rating to deal with these more serious themes with a larger creative freedom. In the way it is presented onscreen, it is highly recommended towards teens and adults, as they have a set mentality to process everything the film wishes to convey. Therefore, in this critic's opinion, the final result is not something indicated to watch with a family audience, especially with smaller children, as it deals with themes thaty would force an extremely premature intellectual growth in them.)
Elenco fantástico
A quantidade de talento reunida por Gerwig pode ser considerada amplamente responsável pelo funcionamento da estratégia narrativa do roteiro, já que cada membro do elenco se entrega completamente à superficialidade e a ingenuidade que define seus personagens, que vão constantemente amadurecendo ao longo da trama. Como sempre, Margot Robbie entrega uma atuação muito competente, e é fácil para o espectador se investir emocionalmente na trajetória da sua personagem. A atriz consegue equilibrar um senso de humor inocente com uma seriedade cativante em sua performance, e por isso, o desempenho de Robbie funciona. Além da Barbie “principal”, várias outras atrizes têm pelo menos um momento para brilhar como versões diferentes da boneca, entre elas Issa Rae, Emma Mackey, Sharon Rooney e Kate McKinnon, a última roubando toda cena em que aparece como a “Barbie Estranha”. Porém, já que praticamente todas eram promovidas em um mesmo patamar de igualdade, algumas versões deixam a desejar em tempo de tela, como Nicola Coughlan e Dua Lipa. Outro potencial desperdiçado fica com a Emerald Fennell, interpretando uma boneca grávida ignorada pela Mattel, que consegue aproveitar os pouquíssimos momentos que tem.
No lado dos Kens, cada ator dá um verdadeiro show, como os alívios cômicos impecáveis da trama de Gerwig e Baumbach. O Ryan Gosling é, de longe, a melhor coisa sobre “Barbie”. A maneira com que o ator constantemente rouba a cena da protagonista é suficiente para uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Se isso não for o bastante, a trajetória do personagem é simplesmente hilária. O compromisso de Gosling é complementado por atuações igualmente dedicadas de Simu Liu, Kingsley Ben-Adir, Ncuti Gatwa e Scott Evans, que se entregam à superficialidade do Ken com uma naturalidade notável. Outro destaque no elenco masculino é o Michael Cera, que interpreta um boneco descontinuado pela Mattel. Não existe uma cena onde o personagem dele apareça que não seja engraçada. De fato, o auge do filme é uma sequência musical envolvendo todos os Kens, que inevitavelmente vai deixar todos na sala com um sorriso de orelha a orelha.
No elenco dos “humanos”, a âncora emocional é claramente estabelecida na personagem da America Ferrera, que serve como um Morpheus para os humanos e para Robbie da mesma maneira que a “Barbie Estranha” é para as bonecas. O Will Ferrell repete praticamente todo papel que ele interpreta, e aqui não temos uma exceção. Quem gosta do ator vai gostar do desempenho dele, assim como quem não o suporta não vai suportar o personagem dele. Felizmente, a presente crítica se encontra do lado positivo. A Ariana Greenblatt interpreta um papel essencialmente irritante, e o desempenho dela não é dos melhores, por causa da maneira que a personagem dela é escrita no roteiro, com um momento em particular beirando a hipocrisia. A Rhea Perlman e a Ann Roth têm pontas significativas que resultam nos melhores momentos emocionais da trama. Por fim, a narração de Helen Mirren é simplesmente incorrigível, porque não se pode errar com alguém como Mirren.
(Fantastic casting
The amount of talent gathered by Gerwig can be considered widely responsible for the functioning of the script's narrative strategy, as every cast member completely gives in to the superficiality and naiveté that defines their characters, who slowly grow more mature throughout the plot. As always, Margot Robbie delivers a very competent performance, and it's easy for the viewer to emotionally invest in her character's trajectory. The actress manages to balance an innocent sense of humor with a captivating seriousness in her performance, and for that, Robbie's development clicks. Besides “main” Barbie, several other actresses have at least one moment to shine as different versions of the doll, with Issa Rae, Emma Mackey, Sharon Rooney and Kate McKinnon, with the latter stealing every scene she's in as “Weird Barbie”. However, as all of them were promoted under the same level of equality, some versions are left to be desired in screentime, such as Nicola Coughlan's and Dua Lipa's. Another wasted potential stays with Emerald Fennell, who plays a pregnant doll who's ignored by Mattel, and manages to make the best of her few appearances.
On the Ken side, every actor puts on one hell of a show, as the flawless comic reliefs in Gerwig and Baumbach's plot. Ryan Gosling is, by far, the best thing about “Barbie”. The way the actor constantly steals the scene from the protagonist is enough to earn a Best Supporting Actor nom at the Oscars. If that isn't enough, the character's trajectory is nothing short of hilarious. Gosling's commitment is complemented by equally dedicated performances by Simu Liu, Kingsley Ben-Adir, Ncuti Gatwa and Scott Evans, who give themselves in to Ken's shallowness with notable naturality. Another highlight in the male cast stays on Michael Cera, who plays a male doll who was discontinued by Mattel. There isn't one scene where his character appears that isn't funny. Indeed, the film's highest point is a musical sequence involving all Kens, which will inevitably leave everyone in the theater smiling from ear to ear.
In the “human” cast, the emotional anchor is clearly established in America Ferrera's character, who serves as a Morpheus of sorts for humans and Robbie in the same way “Weird Barbie” is for the dolls. Will Ferrell repeats practically every role he plays, and we have no exception here. Those who like him will like his development, and those who can't stand him won't stand his character. Fortunately, this reviewer finds himself on the positive side. Ariana Greenblatt plays an essentially annoying role, and because of the way she is written in the script, her work isn't the best, with one particular moment practically screaming of hypocrisy. Rhea Perlman and Ann Roth have significant cameos that result in the best emotional moments in the plot. Lastly, Helen Mirren's voice-over narration is flawless, because you just can't go wrong with a performer like Mirren.)
Mundo cor-de-rosa
Se existem duas categorias no Oscar em que “Barbie” promete ser uma ameaça formidável, elas são: Melhor Direção de Arte e Melhor Design de Figurino. Tanto a construção de cenários quanto o desenho das vestimentas das Barbies e Kens foram realizados por pessoas que são completamente apaixonadas pelo que fazem. O visual da Barbielândia é vibrante, atrativo, colorido e esteticamente perfeito, se atentando a cada mínimo detalhe em ambientações como a Casa dos Sonhos e a praia de Malibu. O mesmo se aplica aos figurinos, onde roupas da boneca que realmente existiram são recriadas fielmente em tamanho real, sendo uma verdadeira homenagem a toda imagem atribuída à Barbie ao longo de sua história.
Outro aspecto técnico cuidadosamente curado para combinar com cada cena onde ela é inserida é a trilha sonora, supervisionada por ninguém menos que Mark Ronson, produtor responsável por sucessos como “Uptown Funk”. Ronson junta aqui um conjunto invejável de figuras relevantes no cenário musical atual, como Billie Eilish, Lizzo, Dua Lipa, HAIM, Dominic Fike, Gayle e Nicki Minaj para compôr canções originais que condizem com a estética vibrante e pop estabelecida pelo visual e atmosfera do longa. Destaques ficam com as colaborações de Lizzo, que possui um senso de humor metalinguístico delicioso; Dua Lipa, onde a vibe de discoteca não foge do seu trabalho mais conhecido no álbum “Future Nostalgia”; e Eilish, que está a caminho de sua segunda estatueta do Oscar de Melhor Canção Original com uma belíssima balada de piano que reflete a trajetória da Barbie de Robbie ao longo da trama.
(Pink world
If there are two Oscar categories where “Barbie” promises to be a formidable threat, those are: Best Production Design and Best Costume Design. Both the building of sets and the design of the apparel Barbies and Kens wear were made by people who absolutely love what they do. The looks of Barbie Land are vibrant, eye-catching, colorful and aesthetically perfect, paying attention to the slightest details in settings like the Dream House and Malibu Beach. The same applies to the costumes, where clothes worn by the doll that actually existed are faithfully recreated in life-size models, as a true homage to every image attributed to Barbie throughout her history.
Another technical aspect that was carefully curated to fit every scene it's inserted in is the soundtrack, supervised by none other than Mark Ronson, the producer responsible for hits like “Uptown Funk”. Ronson gathers here an enviable ensemble of relevant figures in the current musical scene, such as Billie Eilish, Lizzo, Dua Lipa, HAIM, Dominic Fike, Gayle and Nicki Minaj to write original songs that go with the vibrant, pop aesthetic established by the film's visuals and atmosphere. Highlights stay with the collaborations from Lizzo, who has a delicious meta sense of humor; Dua Lipa, where the disco vibe doesn't steer that far away from her best known work in the album “Future Nostalgia”; and Eilish, who is on her way to win her second Oscar for Best Original Song with a beautiful piano ballad that reflects the trajectory of Robbie's Barbie throughout the plot.)
Resumindo, “Barbie” é um blockbuster divertido, satírico, nostálgico e reflexivo, auxiliado por uma estética visual vibrante e um elenco compromissado. A mistura entre comédia e drama não funciona sempre, e a trama possui momentos sérios e complexos demais para um público infantil. Porém, para os adultos que tiveram infâncias com horas de diversão com a boneca, o novo filme de Greta Gerwig terá uma profundidade muito bem vinda, graças à abordagem realista de suas temáticas.
Nota: 9,0 de 10!!
É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,
João Pedro
(In a nutshell, “Barbie” is a fun, satirical, nostalgic and thought-provoking blockbuster, aided by a vibrant visual aesthetic and a committed cast. The blend between comedy and drama doesn't always click, and the plot has moments that are too serious and complex for an audience of younger children. However, for adults who had childhoods with hours of fun with the doll, Greta Gerwig's new film will have a very welcome depth, due to the realistic approach of its themes.
I give it a 9,0 out of 10!!
That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,
João Pedro)
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