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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Os 10 Melhores Filmes de 2022 (Bilíngue)

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E aí, meus queridos cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para listar os meus 10 filmes prediletos de 2022! Tivemos MUITOS filmes bons este ano, dos mais variados gêneros, e também tivemos alguns que, infelizmente, passaram por debaixo do radar de muita gente, especialmente pela infinidade de conteúdos disponíveis nos serviços de streaming atualmente. Então, eu juntei aqui 10 dos filmes que mais me marcaram este ano, reunindo aqueles que a maioria pode conhecer com algumas pérolas do cinema internacional e independente que valem a pena procurar. Então, sem mais delongas, vamos começar!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to list my 10 favorite films of 2022! We've had A LOT of good films this year, in a wide variety of genres, and also we've had some that, unfortunately, went under many people's radar, especially because of the multitude of content available in streaming services nowadays. So, I've gathered here 10 of the films that made the biggest mark on me this year, reuniting those the great majority may recognize along with some pearls of international and independent cinema that are worth looking out for. So, without further ado, let's begin!)



  1. BATMAN”, dirigido por Matt Reeves – Disponível na HBO Max

    (“THE BATMAN”, directed by Matt Reeves – Available on HBO Max)

Já vou logo avisando: este é o único filme de super-heróis nessa lista, simplesmente por ser o único filme que desviou da fórmula predominante no gênero na atualidade. Aqui temos uma história do Batman em formação, pegando como influência obras como “O Longo Dia das Bruxas”, em uma estrutura muito bem construída de filmes de investigação policial, na veia de “Se7en” e “Zodíaco”. O resultado é um épico noir que, sob a direção inteligente de Matt Reeves (“Deixe-Me Entrar”), insere personagens amplamente conhecidos em uma trama mais amadurecida, densa e sombria, imergindo o espectador completamente em sua ambientação realista pelo tempo de duração de quase 3 horas. O elenco é simplesmente espetacular, com Robert Pattinson mostrando perfeitamente as imperfeições do personagem-título, e Paul Dano sendo um formidável vilão para o vigilante de Gotham City. A Marvel pode ter lançado mais obras em 2022, mas nenhuma delas chegou ao nível de qualidade do primeiro (e melhor) filme que a DC lançou este ano.

(Here's a fair warning: this is the only superhero film on this list, simply because it's the only film that deviated from the predominant formula in the genre nowadays. Here, we have a story with a Batman that's in formation, taking influence from works like “The Long Halloween”, in a very well-built structure of police investigation films, such as “Se7en” and “Zodiac”. The result is a noir epic that, under the intelligent direction of Matt Reeves (“Let Me In”), inserts widely known characters in a more matured, dense, somber plot, immersing the viewer completely in its realistic setting over the runtime of almost 3 hours. The cast is simply spectacular, with Robert Pattinson perfectly displaying the title character's imperfections, and Paul Dano being a formidable villain for Gotham City's vigilante. Marvel may have released more works in 2022, but none of them reached the level of quality of DC's first (and finest) film released this year.)




  1. ARGENTINA, 1985”, dirigido por Santiago Mitre – Disponível na Amazon Prime Video

    (“ARGENTINA, 1985”, directed by Santiago Mitre – Available on Amazon Prime Video)

Eu nunca fui muito fã de filmes de julgamento, porque às vezes eles podem parecer meio monótonos. Mas bastou um crítico de cinema brasileiro (Dalenogare) falar que este filme tinha sido seu filme favorito de 2022 e, pronto: “Argentina, 1985” entrou no meu radar. Tendo como base o Julgamento das Juntas, evento de 1985 que julgava aqueles responsáveis pelo governo autoritário do Processo de Reorganização Nacional, que durou de 1976 à 1983, o filme de Santiago Mitre consegue trabalhar seus dois protagonistas (os procuradores-gerais que acusam os réus) de forma sublime, analisando muito bem suas histórias de vida diferentes, assim como as constantes ameaças que ambos recebiam por terem assumido o caso, misturando um realismo aterrorizante com um senso de humor satírico perfeito para descontrair um pouco. Ainda mais surpreendente é a inclusão de jovens na investigação para descobrir provas concretas que poderiam condenar os réus. Este filme é um pedaço da História dramatizado de maneira impecável e envolvente, complementada por uma performance sensacional do sempre ótimo Ricardo Darín. Certamente vai ser um dos indicados a Melhor Filme Internacional no Oscar ano que vem.

(I've never been a fan of films involving judgement trials, because sometimes they may come off as monotonous. But all it took was a Brazilian movie critic to say that this film had been his favorite film of 2022 and, presto: “Argentina, 1985” entered my radar. Based on the Trial of the Juntas, an event in 1985 that judged those responsible for the authoritarian government of the Proceso de Reorganización Nacional, which lasted from 1976 to 1983, Santiago Mitre's film manages to develop its two protagonists (the prosecutors that accuse the defendants) in a sublime way, superbly analyzing their different life stories, as well as the constant threats both of them received for taking on the case, mixing a terrifying realism with a satirical sense of humor that's perfect for a little distraction. What's even more surprising is the inclusion of young people in the investigation for concrete evidence that may convict the defendants. This film is a piece of History dramatized in a flawless and involving way, complemented by a sensational performance by the always great Ricardo Darín. It's certainly on its way to being nominated for Best International Feature Film at next year's Oscars.)



  1. A MENINA SILENCIOSA”, dirigido por Colm Bairéad

    (“THE QUIET GIRL”, directed by Colm Bairéad)

Tá aí um filme que eu não esperava absolutamente nada. Só tinha visto que ele tinha sido um dos filmes mais bem-avaliados de 2022 no Letterboxd (aplicativo onde o usuário consegue montar várias listas dos filmes que assistiu ou quer assistir, dando uma nota de 0,5 a 5 estrelas), então, por esse simples fato, coloquei “A Menina Silenciosa” na minha lista de filmes a assistir em 2022. O filme de Colm Bairéad é o representante oficial da Irlanda na corrida ao Oscar de Melhor Filme Internacional, e, ambientado na década de 1980, acompanha uma menina introvertida que é enviada por sua família disfuncional para viver com um casal de parentes distantes e idosos no interior do país. Lentamente, um sentimento de conforto vai levando a menina a se abrir com o casal. Porém, um segredo ameaça colocar em risco o futuro dela na casa. É uma história de amadurecimento extremamente sensível, com mensagens importantíssimas e atemporais sobre adoção, família, luto e pertencimento, complementada por uma ambientação imensamente aconchegante. É um filme para sorrir e chorar ao mesmo tempo. Até o momento, ele só foi exibido em festivais, mas fiquem de olho, porque ele pode ter um lançamento nos cinemas por causa do Oscar.

(Now there's a film where I didn't expect absolutely nothing about it. I had only seen it'd been one of the most well-reviewed films of 2022 on Letterboxd (an app where the user can put together lists of films they watched or want to watch, rating them on a scale of half to 5 stars), so, simply because of that, I put “The Quiet Girl” on my list of films to watch in 2022. Colm Bairéad's film is Ireland's official submission in the race to the Oscar for Best International Feature Film, and, set in the 1980s, follows an introverted girl who is sent away by her dysfunctional family to live with a couple of distant, elderly relatives in the inner country. Slowly, a feeling of comfort motivates the girl in opening herself up to the couple. However, a secret threatens to put her future in the house at risk. It's an extremely sensitive coming-of-age story, with really important and timeless messages on adoption, family, grief and belonging, complemented by an immensely comforting setting. It's a film you simultaneously find yourself smiling and crying throughout it. Look out for some limited screenings near you, so that you can watch it before the Oscars.)




  1. TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO”, dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert

    (“EVERYTHING EVERYWHERE ALL AT ONCE”, directed by Daniel Kwan and Daniel Scheinert)

Por onde começar a falar da nova empreitada da dupla responsável pelo filme que tem Daniel Radcliffe como um cadáver flatulento (“Um Cadáver para Sobreviver”)? Primeiro: ele é extremamente divertido. Segundo: ele trabalha infinitamente melhor o conceito de multiverso do que uma certa produtora de filmes de super-heróis. Terceiro: ele fica ainda melhor quando você assiste ele pela segunda vez, onde, por baixo de toda a bizarrice, há mensagens sobre niilismo, identidade, família e saúde mental. Quarto: ele é tecnicamente impecável, misturando várias técnicas de fotografia, direção de arte e efeitos visuais para criar um verdadeiro espetáculo psicodélico para os olhos do espectador. Quinto: o elenco, encabeçado pelos futuros indicados (ou seria vencedores?) ao Oscar Michelle Yeoh e Ke Huy Quan, é excelente e tem uma química maravilhosa em tela. E sexto: é, de longe, o filme mais original, inventivo e cheio de imaginação de 2022, usando todo o seu potencial para contar uma história que, por mais viajada que seja, tem seus dois pés fincados na realidade. Mal posso esperar para ver esse filme fazer história no Oscar ano que vem.

(Where should I begin talking about the new endeavor by the duo responsible for the film that has Daniel Radcliffe as a flatulent corpse (“Swiss Army Man”)? First off: it is extremely fun. Secondly: it develops the concept of multiverse in an infinitely better way than a certain producer of super-hero films. Thirdly: it gets even better on a second watch, where, underneath all its bizarreness, there are messages on nihilism, identity, family and mental health. In fourth place: it is technically flawless, mixing several cinematography, production design and visual effects techniques in order to create a real psychedelic spectacle for the viewer's eyes. In fifth place: the cast, led by future Oscar nominees (or is it winners?) Michelle Yeoh and Ke Huy Quan, is excellent and has a wonderful chemistry onscreen. And in sixth place: it is, by far, the most original, inventive, imaginative film 2022 has to offer, using its full potential to tell a story that, as trippy as it may seem, has its two feet grounded in reality. I can't wait to see this film make Oscar history next year.)




  1. ATÉ OS OSSOS”, dirigido por Luca Guadagnino

    (“BONES AND ALL”, directed by Luca Guadagnino)

Luca Guadagnino dirigindo um road movie sobre um casal apaixonado de jovens canibais que viaja pelo país à procura de respostas. Preciso dizer mais? Misturando terror e romance de uma maneira surpreendentemente homogênea, o diretor italiano responsável por “Me Chame pelo Seu Nome” consegue trabalhar o assunto tabu do canibalismo de uma maneira simultaneamente comercial (ou seja, para atrair público) e metafórica, como um símbolo da situação que os personagens se encontram na ambientação controversa da América de Ronald Reagan. Nos aspectos técnicos, o filme é brilhantemente íntimo e minimalista, contando com uma direção de arte realista e natural, mas é no elenco que “Até os Ossos” encontra seu verdadeiro trunfo. Encabeçado pela impecável dupla composta por Timothée Chalamet e Taylor Russell, que têm uma química explosiva em tela como o casal protagonista de canibais, a nova obra de Guadagnino ainda conta com uma performance coadjuvante arrepiante do vencedor do Oscar Mark Rylance, que rouba cada cena em que seu personagem aparece, sendo ele a maior chance que o filme possui de atrair a atenção do Oscar. O que era para ser um dos filmes mais controversos do ano acabou sendo um dos melhores, e, por isso, “Até Os Ossos” merece a sua atenção.

(Luca Guadagnino directing a road movie about a passionate couple of young cannibals who travel across the country looking for answers. Need I say more? Blending horror and romance in a surprisingly uniform way, the Italian filmmaker responsible for “Call Me By Your Name” manages to develop the taboo subject of cannibalism in a simultaneously commercial (meaning, to draw an audience) and metaphorical way, as a symbol of the situation the chatacters find themselves in in its controversial setting of Ronald Reagan's America. In its technical aspects, the film is brilliantly intimate and minimalistic, relying on a realistic and natural production design, but it's in the cast that “Bones and All” finds its greatest strength. Led by the flawless duo composed by Timothée Chalamet and Taylor Russell, who have explosive onscreen chemistry as the leading couple of cannibals, Guadagnino's new work still has a spine-chilling supporting performance by Oscar winner Mark Rylance, who steals every single scene his character is in, with his performance being the film's biggest shot in getting the Oscars' attention. What was meant to be one of the year's most controversial films ended up being one of its best, and, for that, “Bones and All” deserves your attention.)




  1. DECISÃO DE PARTIR”, dirigido por Park Chan-wook – 05 de Janeiro nos Cinemas

    (“DECISION TO LEAVE”, directed by Park Chan-wook)

O filme mais romântico do ano foi feito pelas mãos do sul-coreano Park Chan-wook, responsável por obras-primas contemporâneas como “Oldboy” e “A Criada”. Após uma estreia prestigiada em Cannes, onde levou o Prêmio de Melhor Direção do Festival, “Decisão de Partir” foi escolhido como o representante oficial da Coréia do Sul ao Oscar de Melhor Filme Internacional, e com razão. O filme conta a história de um policial sul-coreano que está prestes a se aposentar, quando um novo caso de assassinato, impossível de ser explicado, surge em sua frente, sendo a principal suspeita a esposa chinesa da vítima. O policial passa, então, a acompanhar a mulher, criando uma gradual obsessão com ela. Chan-wook consegue criar aqui uma trama extremamente inteligente, que, assim como “A Criada”, subverte (e muito) as expectativas do espectador, contando com aspectos técnicos dinâmicos e performances marcantes de Park Hae-il e Tang Wei, que dominam a tela com uma química inegável. Se a competição não fosse tão acirrada, a Coréia do Sul teria outro sucesso no nível de “Parasita” em suas mãos com “Decisão de Partir”. Fica aqui a esperança desse crítico que a Academia veja esse filme para além da categoria de Melhor Filme Internacional, porque iria ser muito, mas muito merecido.

(The year's most romantic film was made from the hands of South-Korean filmmaker Park Chan-wook, who's responsible for contemporary masterpieces like “Oldboy” and “The Handmaiden”. After a buzzy premiere in Cannes, where it won the Festival's Best Director Award, “Decision to Leave” was chosen as South Korea's official submission to the Oscar for Best International Feature Film, and rightfully so. The film tells the story of a South Korean police officer who's about to retire, when a new murder case, which is impossible to be explained, comes into scene, with the main suspect being the victim's Chinese wife. The officer, then, begins to follow the woman's daily life, creating a gradual obsession towards her. Here Chan-wook manages to create an extremely clever plot, which, just like “The Handmaiden”, subverts the viewer's expectations (a lot), relying on kinetic technical aspects and memorable performances by Park Hae-il and Tang Wei, who own the screen with their undeniable chemistry. If the competition wasn't this tight, South Korea would've had another hit in the level of “Parasite” on their hands with “Decision to Leave”. Here's to hoping the Academy sees this film beyond the category of Best International Feature Film, because it would've been really, really deserving.)




  1. PEARL”, dirigido por Ti West

    (“PEARL”, directed by Ti West)

O segundo filme de Ti West lançado em 2022 é um prólogo do também ótimo “X – A Marca da Morte”, acompanhando a vilã do primeiro filme, Pearl, durante sua juventude na época da Primeira Guerra Mundial. Se vendo presa pelos seus pais na fazenda onde moram juntos, Pearl nutre um sonho de se tornar uma verdadeira estrela do cinema, ao mesmo tempo que novos conhecidos começam a mudar a sua vida do jeito mais aterrorizante possível. Trocando a direção de arte mais realista e a vibe de slasher de “X” por um visual vibrante em tecnicolor e uma abordagem mais psicológica do terror, “Pearl” é um estudo de personagem em sua melhor forma, tendo como principal ingrediente a performance arrebatadora de Mia Goth, que entrega a melhor atuação do ano como a personagem-título. Se o Oscar fosse justo, ela seria ao menos indicada ao Oscar de Melhor Atriz. (Mas, levando em consideração a não-indicação de performances aclamadas em filmes de terror, como a de Toni Collette em “Hereditário”, infelizmente, acho pouco provável.) Narrativamente, o filme consegue ser independente de “X”, ou seja, é possível entender “Pearl” sem ter conhecimento prévio de “X”, mas essa é uma abordagem que eu não recomendo. Para sentir o verdadeiro impacto de “Pearl”, assistir “X” antes não é só recomendado, como também necessário, porque acaba abrindo um novo leque de interpretações que conectam os dois filmes pelas suas temáticas de uma maneira absolutamente brilhante. E além disso, há um terceiro filme nessa cronologia prestes a ser lançado, então vale (muito) a pena ver os dois filmes antes do terceiro lançar.

(Ti West's second film released in 2022 is a prologue to the also great “X”, following the first film's villain, Pearl, during her youth in the time of World War I. Seeing herself trapped by her parents in the farm they live in together, Pearl nurtures a dream of becoming a real movie star, at the same time new introductions start to change her life in the most terrifying way. Trading in the realistic production design and the slasher vibes of “X” for a vibrant technicolor visual and a more psychological approach to its horror, “Pearl” is a character study in its finest form, with its main ingredient being the showstopping performance by Mia Goth, who delivers the best acting of the year as the title character. If the Oscars were fair, she would be at least nominated to the Oscar for Best Actress. (But, considering their snubbing of acclaimed performances in horror films, such as Toni Collette's in “Hereditary”, unfortunately, I think it's less likely.) Narratively, the film manages to be independent from “X”, meaning, you can understand “Pearl” without having previous knowledge of “X”, but that's an approach I do not recommend. In order to feel the true impact of “Pearl”, watching “X” before it is not only recommended, but also necessary, as it opens up a whole new batch of interpretations that connect both films through their themes in an absolutely brilliant way. And besides, there's a third film in this chronology that's bound to be released, so I (highly) recommend watching both films before the third one releases.)




  1. NADA DE NOVO NO FRONT”, dirigido por Edward Berger – Disponível na Netflix

    (“ALL QUIET ON THE WESTERN FRONT”, directed by Edward Berger – Streaming on Netflix)

Ainda é cedo demais para coroar “Nada de Novo no Front” como o vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional ano que vem? Porque ao meu ver, pela quantidade incrível de reconhecimento em várias premiações além das categorias óbvias, “Nada de Novo no Front” é o filme internacional com mais capacidade de repetir o feito de “Parasita” e “Drive My Car” e marcar presença nas categorias principais, em especial Melhor Filme. Servindo como uma espécie de antítese à abordagem blockbuster da Primeira Guerra Mundial em “1917”, a adaptação alemã do livro de Erich Maria Remarque dirigida por Edward Berger é essencialmente brutal e, muitas vezes, chocante em seu retrato da violência durante a guerra, ao mesmo tempo que coloca em reflexão quantas decisões estúpidas e claramente suicidas foram tomadas por ambos os lados. O equilíbrio entre as cenas de combate e de diplomacia é muito bem calculado, dedicando tempo o suficiente para que o espectador se sinta envolvido nas duas abordagens do conflito. Tecnicamente, o filme é uma obra-prima à parte. As cenas ambientadas no front contam com uma combinação extraordinária de fotografia, montagem, direção de arte, efeitos visuais, maquiagem e som para aproveitar o máximo potencial de imersão do espectador nestas sequências, e na minha opinião, todos estes aspectos técnicos são dignos de reconhecimento da Academia. “Nada de Novo no Front” é um filme tão épico, tão envolvente, tão impactante e tão emocionante que, para mim, o único filme de guerra que, ao menos, se equipara a ele ao retratar um conflito armado é “O Resgate do Soldado Ryan”. É isso.

(Is it too soon to crown “All Quiet on the Western Front” as next year's Oscar winner for Best International Feature Film? Because the way I see it, for its incredible amount of awards recognition in several ceremonies going beyond the obvious categories, “All Quiet on the Western Front” is the international film with the highest capacity of repeating the feats of “Parasite” and “Drive My Car” and marking their presence in the main categories, especially Best Picture. Serving as a sort of antithesis to the blockbuster approach of World War I in “1917”, the German adaptation of Erich Maria Remarque's novel directed by Edward Berger is essentially brutal and, frequently, shocking in its portrayal of violence during war, at the same time it reflects on how many stupid and clearly suicidal decisions were made from both sides. The balance between combat and diplomatic scenes is very well-calculated, dedicating enough time for the viewer to feel involved with both approaches of the conflict. Technically, the film is a particular masterpiece. The scenes set in the front rely on an extraordinary combination of cinematography, editing, production design, visual effects, makeup and sound in order to make the most immersive possible experience for the viewer, and in my opinion, all of these technical aspects are worthy of Oscar recognition. “All Quiet on the Western Front” is a film that's so epic, so involving, so impactful and so emotional that, to me, the only war film that, at least, equals it in portraying an armed conflict is “Saving Private Ryan”. Period.)




  1. AFTERSUN”, dirigido por Charlotte Wells – Nos cinemas, e 06 de janeiro no MUBI

    (“AFTERSUN”, directed by Charlotte Wells)

Eu nunca pensaria que uma cineasta estreante iria transformar uma simples viagem de férias entre pai e filha em uma obra-prima extraordinariamente bem construída sobre memória, identidade, família e saúde mental. Este é um daqueles filmes onde você consegue sentir, em cada cena, em cada quadro, o quanto aquela história importa para quem a está realizando. E é esse caráter pessoal e autobiográfico que eleva “Aftersun” acima de outros filmes que são considerados autobiográficos de seus cineastas. A direção de fotografia é bem natural, a montagem é propositalmente enganosa, e é um filme que basicamente não tem enredo, sendo um quebra-cabeças onde a diretora entrega quase todas as peças para o espectador ir montando por conta própria, podendo levar a várias interpretações do que está sendo retratado em tela. O Paul Mescal e a Frankie Corio (que, a propósito, são EXTREMAMENTE parecidos com o pai da diretora e a própria cineasta, quando criança, respectivamente) entregam performances excelentes aqui, com Mescal expondo todos os dilemas e imperfeições do seu personagem de uma maneira absurdamente emocionante, e Corio, em sua primeira atuação, mostrando uma segurança e uma confiança impressionante na frente da câmera. Porém, o verdadeiro destaque fica com a direção da Charlotte Wells, que, em seu PRIMEIRO FILME, já consegue mostrar um controle e uma certeza incríveis sobre aquilo que ela está fazendo, algo que muitos diretores só alcançam ao longo de suas carreiras. Por favor, que “Aftersun” seja indicado ao Oscar de Melhor Filme... Por favor, que “Aftersun” seja indicado ao Oscar de Melhor Filme...

(I would've never thought that a debuting filmmaker would turn a simple vacation trip between father and daughter into an extraordinarily well-built masterpiece on memory, identity, family and mental health. This is one of those films where you can feel, in every scene, in every frame, how much that story matters to who's making it. And it's that personal, autobiographical approach that elevates “Aftersun” above other films that are considered autobiographical to their filmmakers. The cinematography is really natural, the editing is purposefully misleading, and it's a film that basically has no plot, being a puzzle where the director gives away almost every piece for the viewer to put together for themselves, which may lead to several interpretations to what's being portrayed onscreen. Paul Mescal and Frankie Corio (who, by the way, look EXTREMELY alike the director's father and the filmmaker herself as a child, respectively) deliver excellent performances here, with Mescal exposing every one of his character's dilemmas and imperfections in an absurdly devastating way, and Corio, in her first performance, displaying an impressive security and confidence in front of the camera. However, the true spotlight shines on Charlotte Wells's direction, who, in her FIRST FEATURE FILM, can already show an amazing control and certainty on what she's doing, something that many filmmakers only achieve throughout their careers. Please, may “Aftersun” be an Oscar nominee for Best Picture... Please, may “Aftersun” be an Oscar nominee for Best Picture...)




  1. PINÓQUIO POR GUILLERMO DEL TORO”, dirigido por Guillermo del Toro – Disponível na Netflix

    (“GUILLERMO DEL TORO'S PINOCCHIO”, directed by Guillermo del Toro – Streaming on Netflix)

A versão de “Pinóquio” dirigida por Guillermo del Toro era o meu filme mais esperado de 2022 por duas razões específicas: era um dos projetos que o cineasta mais desejava realizar, com del Toro desenvolvendo-o desde 2008; e o fato de ser uma animação musical em stop-motion que trocava a ambientação ambígua de outras adaptações por uma bem delimitada: a Itália de Benito Mussolini, que não só conectava a história com suas raízes, como também o cineasta com as temáticas trabalhadas em obras anteriores dele. O resultado é uma verdadeira obra-prima atemporal que pode muito bem ser a melhor adaptação da história de Carlo Collodi desde a animação da Disney lançada em 1940. O roteiro faz a escolha inteligente de trocar o holofote para o Gepeto ao invés do Pinóquio em si, levando a história a abordar temáticas sobre a efemeridade da vida, o impacto da morte e da perda, e o significado do tempo que nós passamos com as pessoas que amamos. É uma abordagem que consegue equilibrar seu lado mais sombrio e filosófico com uma inocência cativante, especialmente através do personagem-título. Del Toro junta um elenco de vozes original invejável, com nomes como Cate Blanchett, Tilda Swinton, Christoph Waltz, Ewan McGregor e David Bradley dando vida aos personagens do longa. E a animação em stop-motion é um verdadeiro deleite, cheia de detalhes e nuances extraordinárias, conseguindo reter as características visuais de um filme de Guillermo del Toro e entregando um verdadeiro espetáculo visual para o espectador. Resumindo, “Pinóquio por Guillermo del Toro” é o melhor filme do ano, é o melhor filme lançado pela Netflix em 2022, e um dos melhores, se não o melhor filme de animação dos últimos tempos. Se a Academia tivesse a coragem de incluir este filme entre os 10 indicados à categoria de Melhor Filme no Oscar ano que vem, ficaria com um sorriso enorme no rosto.

(The Guillermo del Toro-directed version of “Pinocchio” was my most anticipated film of 2022 for two specific reasons: it was one of the filmmaker's most long-gestating projects, with del Toro developing it since 2008; and the fact of being a stop-motion animated musical that traded the ambiguous setting of other adaptations for a well-adjusted one: Benito Mussolini's Italy, which not only connected the story to its original roots, but also connected the filmmaker with the themes dealt with in his previous work. The result is a truly timeless masterpiece that might as well be the best adaptation of Carlo Collodi's story since the Disney animated film, released in 1940. The script makes the clever choice of switching the spotlight towards Geppetto instead of Pinocchio himself, leading the story in dealing with themes on the briefness of life, the impact of death and loss, and the meaning of the time we spend with the people we love. It's an approach that manages to balance its darker, more philosophical side with a captivating innocence, especially through the title character. Del Toro gathers an enviable voice cast here, with names like Cate Blanchett, Tilda Swinton, Christoph Waltz, Ewan McGregor and David Bradley giving life to some of the film's characters. And the stop-motion animation is a true delight, filled with extraordinary details and nuances, managing to retain the visual characteristics of a Guillermo del Toro film and delivering a real visual spectacle to the viewer. In a nutshell, “Guillermo del Toro's Pinocchio” is the best film of the year, it's the best film Netflix released in 2022, and it's one of the best, if not the best animated film in recent times. If the Academy had the courage to include this film among their 10 nominees to the Oscar for Best Picture, I'd have a huge smile on my face.)



É isso, pessoal! Espero que vocês tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

"Pinóquio por Guillermo del Toro": uma releitura mais sombria, autoral e reflexiva (Bilíngue)

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Em toda a minha vida, uma voz sussurrava suavemente no meu ouvido, dizendo: 'Viva, viva, viva'. Era a Morte.” - Jaime Sabines

(“All of my life a voice has whispered softly in my ear: 'Live, live, live.' It was Death.” - Jaime Sabines)


E aí, meus queridos cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos lançamentos mais esperados de 2022, já disponível no catálogo original da Netflix! Um projeto ambicioso e querido para seu diretor, o filme em questão é uma releitura sombria, relevante, reflexiva e emocionante de seu atemporal material-fonte, trazido à vida por um trabalho belíssimo e extremamente realista de animação em stop-motion. Então, sem mais delongas, vamos falar de “Pinóquio por Guillermo del Toro”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of 2022's most anticipated releases, which is already streaming on Netflix's original catalog. An ambitious project that's dear to its director's heart, the film I'm about to review is a dark, relevant, thought-provoking and thrilling retelling of its timeless source material, brought to life by gorgeous and extremely realistic work in stop-motion animation. So, without further ado, let's talk about “Guillermo del Toro's Pinocchio”. Let's go!)



Ambientado na Itália de Benito Mussolini, na década de 1930, o filme faz uma releitura da clássica história de Carlo Collodi. Após uma tragédia que o deixa traumatizado, Gepeto (voz original de David Bradley), um carpinteiro idoso, derruba um pinheiro enquanto embriagado e faz um boneco de madeira. Um espírito da floresta (voz original de Tilda Swinton) dá vida ao boneco e o batiza de Pinóquio (voz original de Gregory Mann), dando a ele a missão de ser um bom filho e companheiro para Gepeto. A atitude inocente e ingênua de Pinóquio frequentemente faz com que Gepeto o repreenda, forçando o boneco a fugir de casa e se juntar a um circo itinerante comandado pelo enganoso Conde Volpe (voz original de Christoph Waltz). Após receber uma lição de vida de um grilo falante (voz original de Ewan McGregor), Gepeto parte em uma jornada para reencontrar Pinóquio.

(Set in Benito Mussolini's Italy, in the 1930s, the film is a retelling of Carlo Collodi's classic story. After a tragedy that leaves him traumatized, Geppetto (voiced by David Bradley), an elderly woodcarver, cuts down a pine tree while drunk and makes a wooden puppet out of it. A forest sprite (voiced by Tilda Swinton) gives the puppet life and names him Pinocchio (voiced by Gregory Mann), giving him the mission of being a good son and companion to Geppetto. Pinocchio's innocent and naïve demeanor often makes Geppetto scold him, forcing the puppet to run away from home and join a traveling circus run by the deceitful Count Volpe (voiced by Christoph Waltz). After receiving a life lesson from a talking cricket (voiced by Ewan McGregor), Geppetto sets off on a journey to find Pinocchio.)



Ok, vamos começar com um fato: “Pinóquio por Guillermo del Toro” era o meu filme mais aguardado de 2022. Primeiro, simplesmente por se tratar de um filme de Guillermo del Toro, um dos meus diretores favoritos e o responsável por filmes vencedores do Oscar como “O Labirinto do Fauno” e “A Forma da Água”. Segundo, por se tratar do passion project do diretor. (Para quem não sabe, um passion project, ou “projeto de paixão” em tradução livre, é um projeto que seria um sonho realizado para quem deseja fazê-lo.) Levou um total de 15 anos para que “Pinóquio” fosse feito, após uma tentativa falha em 2008 de tirar o projeto do papel, engavetando-o indefinidamente. Mas, graças à parceria de sucesso do diretor com a Netflix, a gigante do streaming ressusscitou o projeto em 2018, dentro dos pré-requisitos impostos por del Toro.

Entre estes pré-requisitos se encontra a terceira razão das minhas altas expectativas em relação ao filme, que é o fato de ser uma animação em stop-motion, uma das técnicas mais complicadas e artísticas de animação, que ainda se mantém relevante no mercado graças ao trabalho de empresas como a Laika (“Coraline”, “ParaNorman”) e a Aardman (“A Fuga das Galinhas” e “Wallace e Gromit”). No caso, “Pinóquio por Guillermo del Toro” marca duas estreias para o diretor: é a sua estreia na direção de longas-metragens animados e na direção de filmes musicais. Sim, assim como a versão da Disney, a de del Toro também é musical, mas vamos falar disso mais para frente. Como a última razão das minhas altas expectativas, a escolha da ambientação na Itália fascista de Mussolini acaba revisitando temas de guerra quase onipresentes na obra do cineasta, fazendo a adaptação se destacar em meio às inúmeras outras versões cinematográficas do conto de Collodi.

Então, sim, eu estava tremendamente animado para assistir à versão de “Pinóquio” dirigida por Guillermo del Toro. E fico extremamente feliz em dizer que o filme não só atendeu como superou as minhas expectativas, sendo o melhor filme de 2022 e o concorrente principal ao Oscar de Melhor Filme de Animação ano que vem. Há cinco razões as quais atribuo a enorme conexão do roteiro de del Toro e Patrick McHale com o espectador: a ambientação, que acaba ligando os temas da narrativa com filmes anteriores do diretor; as alternativas realistas para os aspectos mais fantásticos da história de Collodi; o arco narrativo do protagonista; o equilíbrio perfeito entre a leveza e o caráter mais sombrio da trama; e as temáticas abordadas pelos roteiristas, que despertam uma reflexão sobre a vida, a morte, e o impacto que as pessoas podem ter em nossas vidas.

A escolha da ambientação na Itália fascista de Mussolini faz com que “Pinóquio por Guillermo del Toro” seja o último capítulo de uma trilogia informal de filmes do diretor: obras que abordam o contexto da guerra pelo ponto de vista de crianças, composta pelo menos conhecido, mas incrivelmente poético “A Espinha do Diabo”; a obra-prima atemporal que é “O Labirinto do Fauno”; e, por fim, esta adaptação do trabalho de Carlo Collodi, que é, sem sombra de dúvida, o trabalho mais fantástico e envolvente de del Toro desde o segundo filme desta “trilogia”. Como o cineasta já tem uma certa familiaridade com esse tema, o roteiro aproveita para fazer de “Pinóquio” um filme anti-guerra, à la “Nada de Novo no Front” e “Jojo Rabbit”, tendo como um de seus principais antagonistas um membro da Podestà, um líder autoritário com plenos poderes executivos e legislativos, cargo político de enorme prestígio na Itália de Mussolini.

Outro diferencial que del Toro e McHale injetam nesta adaptação é o realismo, imposto pela ambientação específica da narrativa. Personagens que marcaram a história original e suas diversas versões cinematográficas, como a Fada Azul, a Raposa e o Gato, o Mangiafuoco (dono do circo itinerante) e o Cocheiro (que, na versão da Disney, é uma figura demoníaca) são completamente remodelados para servirem à ambientação de uma maneira mais verossímil. Há uma presença fascinante de um realismo mágico na trama, reminiscente ao trabalho impecável de Hayao Miyazaki, responsável por filmes como “Meu Amigo Totoro” e “A Viagem de Chihiro”, que usam seus aspectos mais fantásticos para desenvolverem seus personagens de uma forma realista. O próprio Pinóquio é mais um exemplo deste realismo: ao invés de ser um boneco extremamente bem acabado como na versão da Disney, temos aqui um boneco incompleto, feito a partir de uma raiva bêbada, finalizado com pregos tortos e rachaduras visíveis na madeira. O Pinóquio de del Toro, visualmente, é mais parecido com o monstro de Frankenstein do que com qualquer outra coisa.

Em terceiro lugar, temos o arco narrativo do protagonista, e na adaptação de del Toro e McHale, temos uma troca de papéis surpreendente: ao invés de seguir o que já foi feito em versões anteriores e abordar a jornada do personagem-título para se tornar um garoto de verdade, este “Pinóquio” mira seus holofotes em Gepeto e na trajetória do idoso para aceitar Pinóquio como filho, mesmo com suas imperfeições. É uma troca que faz toda a diferença na adaptação, porque ao mesmo tempo que nós aprendemos mais sobre a história do carpinteiro antes de criar o boneco, temos a interpretação da narrativa a partir da ideologia da “raça superior” na época da Segunda Guerra Mundial, levando a massacres como o Holocausto. Nesse ponto de vista, Pinóquio seria a personificação de todas as pessoas injustiçadas por essas tragédias; assim como a personificação da desobediência e da resistência em uma época em que ideologias absurdas eram cegamente apoiadas pela população dos países pertencentes ao Eixo, em especial a Alemanha. É brilhante a maneira com que del Toro faz com que um boneco de madeira seja mais humano do que todos os personagens humanos da trama.

Em quarto lugar, temos o equilíbrio perfeito entre a leveza e o caráter mais sombrio do roteiro. Nisso, “Pinóquio por Guillermo del Toro” me lembrou (e muito) de “Jojo Rabbit”, sátira anti-guerra dirigida por Taika Waititi, que venceu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 2020. Porque, ao mesmo tempo que a leveza faz o filme ser mais acessível para um público mais jovem, esses choques sombrios de realidade colaboram para um retrato mais fiel da ambientação. Há dois fatores que garantem a leveza do roteiro de del Toro e McHale: as canções originais compostas pela dupla em parceria com Roeban Katz, que conseguem desenvolver emocionalmente os personagens com perfeição; e o senso de humor, que encanta as crianças ao mesmo tempo que diverte os adultos. Já pelo lado mais sombrio, há uma aura de melancolia e tragédia muito forte perpassando a trama, justamente pelo impacto chocante que a ambientação teve na história da humanidade. Fascistas organizavam acampamentos de treinamento para que crianças fossem capazes de ir à guerra, inúmeras pessoas perderam seus familiares e pessoas queridas devido ao conflito. É algo difícil de retratar, mas, felizmente, del Toro e McHale conseguem encontrar um meio-termo entre a leveza e o realismo: é realista, mas não a ponto de ser deprimente; e é leve, mas não a ponto de ser infantilizado.

E, em quinto e último lugar, nós temos as temáticas abordadas na narrativa, e aqui temos mais uma mudança em relação ao original: ao invés da trama ser um estudo da moralidade do ser humano a partir do Pinóquio, a versão de del Toro é uma meditação sobre a brevidade da vida e o impacto que a morte de pessoas queridas pode ter nas nossas vidas, e por isso, precisamos aproveitar e valorizar cada momento que passamos com essas pessoas. Isso é simbolizado de forma perfeita através do arco narrativo do Gepeto. Ele perde seu filho e, como consequência, recorre ao alcoolismo para afogar as mágoas. Quando Pinóquio surge em sua vida, inicialmente Gepeto o afasta, assim como toda a população da cidade em que vivem. Mas com o tempo, o carpinteiro vai percebendo o quanto o boneco havia mudado sua vida e começa a reavaliar suas decisões. É algo tão lindo que desperta uma vontade no espectador de ligar pra todas as suas pessoas mais queridas só pra dizer “Eu te amo”, quando os créditos começarem a rolar. Inclusive, é essa conexão emocional com o espectador que pode fazer com que “Pinóquio por Guillermo del Toro” vá além das categorias óbvias no Oscar e tenha a oportunidade de ser o primeiro filme animado que não é da Disney a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme. E, felizmente, a Netflix também acredita nisso.

(Okay, let's start things off with a fact: “Guillermo del Toro's Pinocchio” was my most anticipated film of 2022. Firstly, simply because it was a film directed by Guillermo del Toro, one of my favorite filmmakers and the one responsible for Oscar-winning films like “Pan's Labyrinth” and “The Shape of Water”. Secondly, because it was the director's passion project, meaning he's been wanting to make this project for a very long time, as it would be a dream come true for him to get this made. It took a total of 15 years for “Pinocchio” to get made, after a failed attempt in 2008 to move it from the paper and into animation, shelving it indefinitely. But, thanks to the director's successful partnership with Netflix, the streaming giant brought the project back to life in 2018, within ground rules imposed by del Toro.

Among those ground rules is the third reason for my high expectations towards the film, which is the fact that it is a stop-motion animated film, one of the most complicated, artistic forms of animation, which is still as relevant in the market thanks to the works of studios like Laika (“Coraline”, “ParaNorman”) and Aardman (“Chicken Run”, “Wallace and Gromit”). In this case, “Guillermo del Toro's Pinocchio” marks two debuts for the director: it's his first time directing feature-length animation, as well as his first time directing movie musicals. Yes, just like the Disney version, del Toro's is also a musical one, but we'll get to that later on. As the last reason for my high expectations, the choice of setting in Mussolini's fascist Italy ends up revisiting war themes that are almost omnipresent in the director's body of work, making the adaptation stand out among numerous other cinematic versions of Collodi's tale.

So, yes, I was tremendously excited to watch Guillermo del Toro's version of “Pinocchio”. And I am extremely glad to say that the film not only met but exceeded my expectations, being the best film of 2022 and the main contender for next year's Oscar for Best Animated Feature. There are five reasons to which I attribute the enormous connection between del Toro and Patrick McHale's script and the viewer: the setting, which ends up linking it to the director's previous films; the realistic alternatives for the most fantastical aspects of Collodi's story; the protagonist's narrative arc; the perfect balance between the plot's lightness and darker tone; and the themes approached by the writers, which jumpstart a reflection on life, death, and the impact people may have in our lives.

The choice of setting the story in Mussolini's fascist Italy makes “Guillermo del Toro's Pinocchio” the final chapter in an informal trilogy of the director's films: works that analyze the context of war through the perspectives of children, a series composed by the lesser-known, but incredibly poetic “The Devil's Backbone”; the timeless masterpiece that is “Pan's Labyrinth”; and, lastly, this adaptation of Carlo Collodi's work, which is, without a shadow of a doubt, del Toro's most fantastic and involving work since the second film in this “trilogy”. As the filmmaker is already familiar with this theme, the screenplay takes a chance and turns “Pinocchio” an anti-war film, in the likes of “All Quiet on the Western Front” and “Jojo Rabbit”, with one of its main antagonists being a member of the Podestà, an authoritarian leader with full executive and legislative powers, a political position of high prestige in Mussolini's Italy.

Another difference del Toro and McHale inject into this adaptation is its realism, imposed by the narrative's specific setting. Known characters from the original story and its various cinematic interpretations, such as the Blue Fairy, the Fox and the Cat, Mangiafuoco (who owns the traveling circus) and the Coachman (who, in the Disney version, is a demonic figure) are completely remodeled in order to serve the setting in a more believable way. There's a fascinating presence of magical realism in the plot, reminiscent to the works of Hayao Miyazaki, who made animated films like “My Neighbor Totoro” and “Spirited Away”, which used its more fantastical aspects to develop their characters in a realistic manner. Pinocchio himself is another example of that realism: instead of being an extremely well-polished doll, like in the Disney version; we have here an unfinished puppet, built from a drunken rage, finished with crooked nails and cracks in the pine wood. Del Toro's Pinocchio, visually, is more akin to Frankenstein's monster than anything else.

Thirdly, we have the protagonist's narrative arc, and in del Toro and McHale's adaptation, there's a surprising shift of roles: instead of following what's been done and approaching the title character's journey towards becoming a real boy, this “Pinocchio” directs its spotlights towards Geppetto and in the elder's trajectory into accepting Pinocchio as his son, even with all his imperfections. It's a trade that makes an entire difference in the adaptation, because at the same time we learn more about the woodcarver's life prior to making the puppet, we have the narrative's interpretation using the “master race” ideology that spread during WWII, leading up to massacres like the Holocaust. In that point of view, Pinocchio would be the personification of every person that was wronged by these tragedies, as well as the personification of disobedience and resistance in a time where absurd ideologies were blindly supported by the populations of the Axis countries, especially Germany. It's brilliant how del Toro makes a wooden puppet be more human than all of the human characters in the story.

In fourth place, we have the script's perfect balance between its lightness and its darker tone. In that, “Guillermo del Toro's Pinocchio” reminded me (a lot) of “Jojo Rabbit”, Taika Waititi's anti-war satire, which won the Oscar for Best Adapted Screenplay in 2020. Because, at the same time the film's lightness makes it more accessible to a younger audience, these dark shocks of reality collaborate to a more faithful portrayal of its setting. There are two factors that guarantee the lightness in del Toro and McHale's script: the original songs penned by the duo along with Roeban Katz, which perfectly manage to emotionally develop its characters; and its sense of humor, which enchants the little ones and entertains the older ones. On the darker side, there's a really strong aura of melancholy and tragedy circling around the plot, especially because of the impact the setting had on the history of mankind. Fascists organized training camps for children so that they could be able to go to war, numerous people lost their families and loved ones throughout the conflict. It's something tough to portray, but, fortunately, del Toro and McHale manage to meet the lightness and the realism halfway: it's realistic, but not to the point of being devastating; and it's light, but not to the point of being dumbed down to its audience.

And, in fifth and last place, we have the themes approached in the narrative, and here we find yet another difference in comparison with the original: instead of the plot being a study of the human being's morality from Pinocchio, del Toro's version is a meditation on the briefness of life and the impact that the death of our loved ones can have in our lives, and so, we have to cherish and value every single moment we spend with these people. That's perfectly symbolized through Geppetto's narrative arc. He loses his son and, as a consequence, he turns to alcoholism to drink his sorrows away. When Pinocchio appears in his life, at first Geppetto keeps his distance, as do their town's entire population. But with time, the woodcarver notices how much the puppet had changed his life and starts reviewing his decisions. It's something so beautiful that it triggers the viewer's will to call every single loved one in their life only to say “I love you”, when the credits start rolling. As a matter of fact, it's because of that emotional connection with the viewer that might make “Guillermo del Toro's Pinocchio” rise above the obvious Oscar categories and earn the opportunity of being the first non-Disney animated film to be nominated for the Oscar for Best Picture. And, fortunately, Netflix believes in that, too.)



A caracterização é outro destaque de “Pinóquio por Guillermo del Toro”. Os três personagens principais da trama (Pinóquio, Gepeto e o Grilo Falante) são introduzidos da melhor maneira possível. O Grilo é o nosso narrador onisciente, e é incrível como del Toro faz ele ser um personagem mais importante para o Gepeto do que para o Pinóquio, movimentando o arco narrativo do carpinteiro de uma maneira primorosa. Os primeiros 10 minutos de filme são estritamente usados para desenvolver o personagem do Gepeto, algo que faz falta em adaptações anteriores. E a primeira aparição do Pinóquio com vida no filme é algo tão característico do diretor que você não imagina mais ninguém fazendo essa história melhor do que ele. A inocência do boneco é a antítese perfeita para a dureza e a experiência do Gepeto, e o ingrediente ideal para esculpir a compaixão a partir dessa dureza. É impossível não se apaixonar pelo personagem-título, assim como é impossível não sentir compaixão pela trajetória do Gepeto.

Os vilões remodelados por del Toro colocam os vilões do remake live-action da Disney no chinelo, especialmente por serem tão realistas. Há dois níveis de crueldade nos vilões, e ambos são incrivelmente verossímeis: há um nível que equilibra um pouco de carisma exagerado com a malícia do personagem, exemplificado pelo Conde Volpe; e há um nível onde uma aura de ameaça extremamente real rodeia o personagem, onde o espectador não sente nada pelo personagem além de puro medo, como é o caso do membro da Podestà, que me lembrou o Capitão Vidal de “O Labirinto do Fauno”. Há alguns personagens originais que, ao contrário do remake da Disney, conseguem adicionar (e muito) à trama, contendo até algumas características que seriam redentoras para suas versões originais na história de Carlo Collodi.

E o que falar do elenco de vozes original? O estreante Gregory Mann consegue transmitir perfeitamente toda a inocência, a ingenuidade e a curiosidade do personagem-título com uma quantidade impressionante de energia na voz. O veterano David Bradley (o Filch de “Harry Potter”) interpreta o Gepeto como uma pessoa cuidadosa e gentil, mas ao mesmo tempo, melancólica e emocionalmente danificada. O Ewan McGregor tem uma voz tão maravilhosa que o espectador mal pode esperar pela próxima aparição do Grilo Falante. O departamento de elenco acertou em cheio ao escalar o Christoph Waltz como o Conde Volpe, porque ninguém consegue equilibrar carisma com ameaça tão perfeitamente como ele. (Quem já viu “Bastardos Inglórios”, sabe do que estou falando.) A Tilda Swinton fica responsável por duas personagens que encaixam muito bem no perfil camaleônico da atriz. O Finn Wolfhard interpreta o melhor personagem coadjuvante do filme, pelas semelhanças que seu arco tem com o do personagem-título. O oficial da Podestà é interpretado de forma brilhante pelo Ron Perlman, que consegue canalizar muito bem a performance do Michael Shannon em “A Forma da Água”. E por fim, a Cate Blanchett interpreta um macaco, e acaba sendo um dos melhores personagens do filme. Sim, você leu isso certo.

(The characterization is yet another highlight in “Guillermo del Toro's Pinocchio”. The three main characters in the plot (Pinocchio, Geppetto, and the Talking Cricket) are introduced in the best way possible. The Cricket is our omniscient narrator, and it's incredible how del Toro makes him a much more important character for Geppetto rather than Pinocchio, moving the woodcarver's narrative arc beautifully. The film's first 10 minutes are strictly used to develop the character of Geppetto, something that's been missing from previous adaptations. And Pinocchio's first appearance while alive in the movie is something so much like something del Toro would do, you just can't imagine anyone else directing this story better than him. The puppet's innocence is the perfect antithesis for Geppetto's roughness and experience, as well as the ideal ingredient to sculp out compassion from that rough spot. It's impossible not to fall in love with the title character, in the same way it's impossible not to feel compassionate towards Geppetto's trajectory.

Del Toro's reimagined villains put the Disney live-action remake ones in the dirt, especially for how realistic they feel. There are two levels of cruelty to these villains, and both of them are incredibly believable: there's a balance between a character's over-the-top charisma and their malice, exemplified by Count Volpe; and there's a level of threat where an aura of extremely real menace circles around the character, making the viewer feel nothing but pure fear towards them, as it happens with the Podestà official, which reminded me a lot of Captain Vidal from “Pan's Labyrinth”. There are some original characters here that, unlike Disney, manage to add (a lot) to the plot, even containing some redemptive qualities for their original versions in Carlo Collodi's tale.

And what to say about the voice cast? Newcomer Gregory Mann manages to perfectly convey the title character's innocence, naïveté and curiosity with an impressive amount of energy in his voice. Legendary actor David Bradley (Filch from “Harry Potter”) portrays Geppetto as a careful and kind, and yet, melancholic and emotionally damaged person. Ewan McGregor has such a wonderful voice the viewer can't wait for the Talking Cricket's next appearance. The casting department nailed it when casting Christoph Waltz to play Count Volpe, as no one can balance charisma with threat as flawlessly as him. (Those who've seen “Inglourious Basterds” know what I mean.) Tilda Swinton takes on two characters that seamlessly fit into the actress's chameleon-like profile. Finn Wolfhard plays the best supporting character in the plot, because of his arc's resemblances to Pinocchio's. The Podestà official is brilliantly played by Ron Perlman, who effectively channels Michael Shannon's performance in “The Shape of Water” here. And, finally, Cate Blanchett plays a monkey, and ends up as one of the film's best characters. Yes, you heard that right.)



Eu poderia escrever uns dez parágrafos dizendo o quão incrível o trabalho de animação em stop-motion de “Pinóquio por Guillermo del Toro” é, mas vou me conter, dizendo que é provavelmente um dos trabalhos mais belos e artísticos que eu já vi em um filme de animação. Os cenários são fenomenais, o uso bem calculado de CGI complementa o caráter artesanal do stop-motion, fazendo o último parecer ainda mais ambicioso. O nível de detalhes presente na animação é uma obra-prima à parte. A sujeira em volta das unhas do Gepeto; os calos nos dedos dele; o formato ondulado de sua barba, parecida com a de uma nuvem; a performance corporal completa do Grilo Falante em cada cena em que ele aparece; o topete quase demoníaco do Conde Volpe; os padrões de uma pinha presentes em várias cenas do filme... É tanta coisa que eu teria que ver de novo para perceber tudo. (Risos) E, à propósito, eu não descarto possíveis indicações nas categorias técnicas no Oscar, especialmente Melhor Direção de Arte e Efeitos Visuais.

Um detalhe interessante é a escolha de del Toro e sua equipe de animar os erros de seus personagens. Em stop-motion, estamos acostumados a ver tudo tão perfeitinho, que a não-animação dos erros dos personagens tira um pouco do realismo do que está sendo retratado. Se baseando na máxima de Hayao Miyazaki (“Se você animar o ordinário, o resultado será extraordinário.”), há vários momentos que destacam a humanidade e a falibilidade destes personagens. Por exemplo, em uma cena, o Gepeto esbarra em um balão flutuante, e aí, o balão vai se enroscando nele até que, enfim, o idoso consegue se soltar. Além disso, temos outros exemplos: o leve limpar de uma moeda com a mão antes de pegá-la do chão; uma tentativa falha de alcançar um lugar alto, levando à uma segunda tentativa... Nesse aspecto, recomendo fortemente que assistam o mini-documentário (também disponível na Netflix) “Pinóquio por Guillermo del Toro: Cinema Feito à Mão” após o longa, só para vocês terem uma ideia do esforço que levou para fazer esse filme.

E, por fim, temos a trilha sonora, composta pelas faixas instrumentais do inigualável Alexandre Desplat, em sua segunda colaboração com o diretor (após “A Forma da Água”, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Trilha Sonora Original), e pelas canções originais compostas por Desplat, del Toro, Patrick McHale e Roeban Katz. Ambos os tipos de música têm como objetivo principal desviar o foco de uma vibe mais sombria e investir em momentos mais lúdicos, reflexivos, que podem falar mais sobre os personagens. Eu dou um destaque especial para “Ciao Papa”, a música que a Netflix submeteu para concorrer ao Oscar de Melhor Canção Original, por ser parte de um momento onde os dois personagens principais têm plena certeza do que querem. Uma curiosidade que achei bem interessante é que Desplat utilizou somente instrumentos de madeira para a trilha de “Pinóquio”, como violinos, flautas, violoncelos, guitarras acústicas. É algo feito com bastante cuidado e compromisso, e isso pode significar uma provável indicação ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original.

(I could write about ten paragraphs on how amazing the stop-motion animation work is in “Guillermo del Toro's Pinocchio”, but I'll contain myself, stating that it's probably one of the most beautiful and artistic works I've ever seen in an animated film. The sets are simply phenomenal, the well calculated use of CGI compliments the handmade vibe of stop-motion, making the latter feel even more ambitious. The level of detail in the animation is a particular masterpiece. The dirt around Geppetto's fingernails; the calluses in his fingers; the wave-like shape of his beard, akin to a cloud; the Talking Cricket's full body performance in every scene he's in; Count Volpe's almost demonic hairdo; the patterns of a pinecone in several of the movie's scenes... It's so much stuff I'd had to watch it again just to get a sense of it all... (LOL) And, by the way, I'm not discarding possible technical nominations at the Oscars, especially when it comes to Best Production Design and Best Visual Effects.

An interesting detail is del Toro and his team's choice of animating their characters' mistakes. In stop-motion, we're used to seeing everything so pitch-perfect, that the lack of animating the characters' mistakes takes a little bit of realism out of what's being portrayed. Based off Hayao Miyazaki's legendary quote (If you animate the ordinary, it'll become extraordinary.), there are several moments that highlight the characters' humanity and falibility. For an example, there's a scene where Geppetto bumps into a floating balloon, and then it tangles up with him, until he finally manages to set himself free. Besides, we have other examples: the light cleaning of a coin with a hand before picking it up from the ground; a failed attempt to reach a high place, followed by another attempt... In that note, I strongly recommend watching the short documentary (which is also on Netflix) “Guillermo del Toro's Pinocchio: Handcarved Cinema” after the film, just so you can get an idea of the effort that went into making this film.

And, finally, we have the score, composed by instrumental tracks from the one and only Alexandre Desplat, in his second collaboration with the director (after “The Shape of Water”, which won him the Oscar for Best Original Score), and by the original songs composed by Desplat, del Toro, Patrick McHale and Roeban Katz. Both types of music have as their main objective to put the spotlight away from the grim of it all, offering more playful, thought-provoking moments that may say a lot about the characters. I give a special highlight to “Ciao Papa”, the song Netflix submitted as a possible contender for Best Original Song at the Oscars, as it is part of a moment when the two main characters are plainly sure of what they want. A curiosity I found to be quite interesting is that Desplat used only instruments made out of wood for the “Pinocchio” score, like violins, flutes, cellos, acoustic guitars. It's something done with a lot of care and commitment, which might mean a likely nomination for the Oscar for Best Original Score.)



Resumindo, “Pinóquio por Guillermo del Toro” é uma brilhante releitura da história de Carlo Collodi que resgata os temas principais da narrativa, ao mesmo tempo que retém os fatores característicos de um filme de Guillermo del Toro. Auxiliado por um roteiro inteligente, reflexivo e realista; um elenco de vozes tremendamente talentoso; e um dos trabalhos mais belos de animação em stop-motion dos últimos tempos, o cineasta mexicano vencedor de 2 Oscars consegue realizar seu sonho através do que é, na minha opinião, o melhor filme de 2022 e o principal concorrente ao Oscar de Melhor Filme de Animação ano que vem. Não fiquem surpresos se este filme aparecer em outras categorias no Oscar, porque querendo ou não, del Toro e sua equipe merecem tudo aquilo que está por vir.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Guillermo del Toro's Pinocchio” is a brilliant retelling of Carlo Collodi's story that brings back the narrative's main themes, at the same time it retains the characteristic factors of a Guillermo del Toro film. Aided by a clever, thought-provoking and realistic screenplay; a tremendously talented voice cast; and one of the most beautiful works in stop-motion animation in recent times, the two-time Oscar-winning Mexican filmmaker manages to make his dream come true through what is, in my opinion, the best film of 2022 and the main contender to next year's Oscar for Best Animated Feature. Don't be surprised if this film pops up in other Oscar categories, because let's face it, del Toro and his team deserve everything that's coming to them.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

"Até Os Ossos": o canibalismo como metáfora na América de Ronald Reagan (Bilíngue)

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E aí, meus queridos cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos lançamentos mais recentes e um dos filmes mais aguardados do ano, o qual já está em exibição nos cinemas! Ousado por sua abordagem de uma história convencional sob um viés nada convencional, o filme em questão consegue transmitir sua mensagem com sucesso por meio do uso brilhante de simbolismos no roteiro, das atuações de seu elenco extremamente talentoso, e do caráter natural e realista injetado em seus aspectos técnicos. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Até os Ossos”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the most recent film releases as well as one of the year's most anticipated films, which is now playing in theaters! Bold for its approach of a conventional story under an unconventional point of view, the film I'm about to review manages to successfully convey its message through the screenplay's brilliant use of symbolism, the performances of its extremely talented cast, and the natural, realistic vibe injected in its technical aspects. So, without further ado, let's talk about “Bones and All”. Let's go!)



Baseado no romance de mesmo nome de Camille DeAngelis, o filme é ambientado nos EUA durante a administração de Ronald Reagan na década de 1980, e acompanha Maren Yearly (Taylor Russell), uma jovem moça com instintos canibais que, após ser abandonada pelo pai (André Holland), embarca em uma jornada pelo país em busca de sua mãe, a qual ela nunca conheceu. Ao longo da viagem, ela encontra Lee (Timothée Chalamet), um jovem solitário, em quem Maren encontra um refúgio, e os dois começam a formar uma conexão bem forte, constantemente ameaçada pelos perigos que a estrada oferece.

(Based on the novel of the same name by Camille DeAngelis, the film is set in the United States during the Ronald Reagan administration in the 1980s, and follows Maren Yearly (Taylor Russell), a young woman with cannibalistic instincts who, after being abandoned by her father (André Holland), embarks on a journey across the country looking for her mother, who she never met. Throughout the trip, she meets Lee (Timothée Chalamet), a lonely young man, in whom Maren finds refuge, and the two of them begin to forge a very strong bond, which is constantly threatened by the dangers the road offers.)



Assim como basicamente todos os filmes que analisei este ano, é claro que eu estava muito animado para assistir “Até os Ossos”. Devo admitir que não sou tão familiarizado com o trabalho do diretor Luca Guadagnino, tendo visto apenas o seu remake de “Suspiria”, lançado em 2018. Mas quando descobri que a adaptação do trabalho de Camille DeAngelis iria reunir o cineasta com Timothée Chalamet, protagonista indicado ao Oscar de seu maior sucesso, “Me Chame Pelo Seu Nome”, drama romântico vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, o filme conseguiu atiçar minha curiosidade. Consequentemente, essa curiosidade se transformou em completa e ininterrupta atenção quando descobri que a narrativa se tratava de uma história de amor entre dois canibais.

Desde então, minhas expectativas subiram exponencialmente, me levando a esperar ansiosamente pelas primeiras reações à nova obra de Guadagnino no Festival de Veneza, imaginando como as pessoas iriam reagir a essa mistura nada convencional entre romance e terror. E “Até os Ossos” não só foi majoritariamente muito bem recebido pela crítica, como também venceu os prêmios de Melhor Direção e Melhor Atuação Jovem (Taylor Russell) no evento. Isso me fez considerar fortemente que o filme seria o retorno de Guadagnino à temporada de premiações após as reações mistas de “Suspiria”, tanto pela crítica quanto pelo público. Pelo que o trailer, meticulosamente bem calculado e montado, mostrava, “Até os Ossos” parecia misturar a atmosfera de suspense e terror presente em “Suspiria” com a sensibilidade romântica de “Me Chame Pelo Seu Nome”.

E foi exatamente isso que aconteceu. Guadagnino conseguiu atender às minhas expectativas por trabalhar o roteiro de David Kajganich sob duas vertentes: como uma história convencional que mistura romance e terror de forma sublime; e como uma reflexão metafórica sobre identidade e pertencimento, usando o canibalismo como uma fonte de interpretações e simbolismos. Há quatro razões às quais atribuo o porquê do roteiro de Kajganich funcionar tão bem: a estrutura de road movie (filmes que retratam uma viagem) e como ela se conecta com o desenvolvimento do arco narrativo da protagonista; a mistura de gêneros completamente opostos que, na teoria, não deveriam funcionar tão bem; o uso bem calculado da violência, retratada de uma forma realista, e não sensacionalista; e a possibilidade de conectar as circunstâncias em que os personagens se encontram com a realidade, tendo como base a ambientação.

O fato do roteiro de Kajganich ser composto, majoritariamente, de uma grande viagem, colabora para que “Até os Ossos” funcione como uma série de vinhetas, nas quais a protagonista encontra novos personagens a cada parada e, baseado nos relatos de cada um, inicia um processo de autodescoberta que vai se desenrolando ao longo do tempo de duração extremamente bem calculado de 2 horas e 10 minutos. Particularmente, admiro a decisão criativa do roteirista de retratar a protagonista como alguém que está em constante dúvida e quer mudar, mas que, ao mesmo tempo, não consegue resistir aos seus instintos mais primitivos. Dito isso, na minha opinião, o novo filme de Luca Guadagnino é, acima de tudo, um filme sobre amadurecimento, sobre descobrir o seu lugar no mundo, sobre ter novas experiências, e sobre o efeito que estas experiências têm na formação de uma pessoa.

É incrível a maneira com que Kajganich mistura o romance com o terror de uma maneira intrinsecamente homogênea no roteiro, de modo que o filme não funcionaria de uma forma tão eficiente se ele pertencesse à somente um destes gêneros. Se “Até os Ossos” fosse apenas um filme de romance, não seria algo tão original e ousado; da mesma maneira que ele seria incapaz de transmitir a sensibilidade do relacionamento cativante entre os dois protagonistas de uma maneira tão impactante, se fosse apenas um filme de terror. É justamente pelo equilíbrio entre os dois gêneros que o roteiro acaba funcionando. Hoje em dia, parece existir um preconceito por parte de algumas premiações de subestimarem (e esnobarem) obras de terror (a última que me lembro de ter um reconhecimento mais amplo foi “Corra!”, de 2017), então o fato de que “Até os Ossos” não se encaixa somente como um filme de terror pode possibilitar uma visibilidade maior na vindoura temporada de premiações.

Outro destaque do roteiro e, por consequência, da direção de Guadagnino foi a decisão de não retratar a violência inerente na narrativa de uma forma demasiadamente estilizada, a ponto de parecer sensacionalista. Tanto que, em nenhum momento, “Até os Ossos” faz apologia ao canibalismo. Ao invés disso, Kajganich e Guadagnino retratam estas cenas de uma maneira extremamente realista, mas não tão expositiva como alguém pode imaginar. Permitam-me exemplificar: há uma cena onde a protagonista se alimenta de uma mulher, juntamente com um canibal mais velho. No momento em que a personagem dá a primeira mordida, a câmera corta para retratos e fotos da vítima com sua família, acompanhados pelo som da mastigação dos dois canibais. Essa dinâmica da câmera com o som acaba fazendo da cena algo mais angustiante e agonizante do que simplesmente grotesca, porque induz o espectador a imaginar o que está acontecendo com a vítima, e é muito mais sinistro e assustador dessa maneira.

E mesmo sendo um filme com personagens canibais, “Até os Ossos” não tem como seu principal objetivo despertar a repulsa do espectador por esses personagens. Pelo contrário, na verdade, através dos diálogos compartilhados entre eles, Kajganich e Guadagnino conseguem o impossível e realmente fazem o espectador entender o porquê destas pessoas serem da maneira que são. E é aqui que o canibalismo passa a ser analisado de uma maneira mais metafórica do que literal, tomando como base a ambientação na América de Ronald Reagan. Embora vários historiadores definem Reagan como um dos melhores presidentes dos EUA, outros estudiosos vêm analisando o envolvimento (ou melhor, a falta de envolvimento) do ex-presidente quando o assunto se trata de direitos civis. Ele se opôs à Lei dos Direitos Civis de 1964 e à Lei dos Direitos de Voto de 1965, que proibiriam a discriminação baseada na cor da pele, religião, gênero e nacionalidade das pessoas. Inicialmente, ele era contra à definição do dia de Martin Luther King como feriado nacional, mas acabou cedendo em 1983. E, de uma maneira mais impactante, Reagan mostrou uma quase total indiferença à epidemia de HIV, que na época, era vista como uma doença que só afetava pessoas homossexuais, suposição que foi desmentida com o tempo.

E é na ambientação que mora o “xis” da questão: os canibais de “Até os Ossos” são, em sua essência, pessoas deixadas às margens da sociedade, pessoas que são definidas pela falta de pertencimento (vulgo, as mesmas pessoas prejudicadas pela administração de Reagan) e que, por isso, não veem outra escolha senão se entregarem completamente à sua natureza. Com isso em mente, é incrível como Kajganich traz, como ponto de vista principal do roteiro, alguém que está rodeada de incertezas sobre quem ela é e em quem ela pode confiar, desenvolvendo a protagonista de uma maneira tão perfeita que chega até a ser catártico, quando os créditos começam a rolar.

Dito isso, acredito que sim, “Até os Ossos” pode ter uma visibilidade maior na atual temporada de premiações do que obras anteriores de terror aclamadas pela crítica, devido à sua mistura de gêneros e, principalmente, pelo caráter simbólico da narrativa, que acaba conectando-a com a realidade de uma maneira impecável. Se fosse minha a decisão, o filme seria facilmente um dos indicados a Melhor Filme, Direção e Roteiro Adaptado no Oscar 2023. Filmes com uma abordagem corajosa como a de “Até os Ossos” aparecem muito raramente, em especial um que consiga causar uma reflexão sobre a sociedade atual a partir do passado. Infelizmente, receio que o Oscar ainda não esteja pronto para uma decisão tão ousada. Porém, continuarei na torcida, porque no final das contas, a esperança é a última que morre... (Risos)

(Just like basically every movie I've reviewed this year, obviously I was very excited to watch “Bones and All”. I must admit, I'm not that familiar with the work of director Luca Guadagnino, having only watched his 2018 remake of “Suspiria”. But when I found out that this adaptation of Camille DeAngelis's work would reunite the filmmaker with Timothée Chalamet, the Oscar-nominated protagonist of his biggest hit, “Call Me By Your Name”, a romantic drama that won the Oscar for Best Adapted Screenplay, it managed to entice my curiosity. Consequently, that curiosity turned into complete and undying attention when I found out the narrative was a love story between two cannibals.

Since then, my expectations had nowhere to go but up, leading me into anxiously waiting for the first reactions to Guadagnino's new work during the Venice Film Festival, wondering how people would react to this anything-but-conventional mixture between romance and horror. And “Bones and All” not only was, in its majority, very positively received by critics; it also won the event's awards for Best Direction and Best Performance By An Emerging Actor or Actress (Taylor Russell). That made me strongly consider the film as Guadagnino's potential return to awards season after the mixed reactions towards “Suspiria”, both by critics and audiences. Based on what the trailer displayed, in a meticulously well-calculated and edited way, “Bones and All” seemed to mix the atmosphere of suspense and horror in “Suspiria” with the romantic sensibility of “Call Me By Your Name”.

And that's exactly what happened. Guadagnino has managed to meet my expectations by working with David Kajganich's screenplay under two perspectives: as a conventional story that sublimely mixes romance with horror; and as a metaphorical reflection on identity and belonging, using cannibalism as a source of symbolisms and interpretations. There are four reasons to which I attribute why Kajganich's screenplay works this well: the road movie structure and how it connects with the development of the protagonist's narrative arc; the mixture between completely opposite genres that, in theory, shouldn't work well; the well-calculated use of violence, portrayed as realistic rather than scandalous; and the possibility of connecting the circumstances the characters find themselves in with reality, based on its setting.

The fact that Kajganich's screenplay is mostly composed by one big trip helps to make “Bones and All” work as a series of vignettes, in which the protagonist meets new characters and, based on what they have to say, begins a process of self-discovery that's developed throughout its well-calculated runtime of 2 hours and 10 minutes. I particularly admire the screenwriter's creative decision to portray the protagonist as someone who is in constant doubt and wants to change, but that, at the same time, doesn't manage to resist her most primitive instincts. With that said, in my opinion, Luca Guadagnino's film is, above everything, a coming-of-age film, working through finding out one's place in the world, trying out new experiences and the impact these experiences have in a person's formation.

It's simply amazing how Kajganich mixes romance with horror in an intricately uniform way in the screenplay; so intensely that the film wouldn't have worked as effectively if it had belonged to only one of these genres. If “Bones and All” was just a romance movie, it wouldn't have been as original or as bold; in the same way it would be unable to convey the sensibility in the captivating relationship between the two protagonists in such an impactful way, if it was just a horror film. It's precisely because of the balance between the two genres that the screenplay ends up working. Nowadays, there seems to exist a prejudice coming from certain award shows of underestimating (and snubbing) horror films (the last one I remember having wider recognition was 2017's “Get Out”), so the fact that “Bones and All” doesn't fit as just a horror film might make a wider recognition towards it in the upcoming award season all the more possible.

Another highlight in the script and, consequently, in Guadagnino's direction was the decision of not portraying the inherent violence in the narrative as something highly stylized, to the point of being scandalous and controversial. As a matter of fact, none of the scenes of “Bones and All” portray cannibalism as something that's acceptable. Instead, Kajganich and Guadagnino portray these scenes in an extremely realistic manner, but not as exposed as one may think. Allow me to explain with an example: there's a scene where the protagonist feeds off a woman, alongside an older cannibal. At the moment the character has her first bite, the camera cuts away to portraits and photos of the victim with her family, accompanied by the chewing sound of the two cannibals. This camera-sound dynamic ends up making the scene more unnerving and agonizing rather than just grotesque, as it induces the viewer to imagine what's happening to the victim, and it's way more sinister and frightening that way.

And even though it's a film with cannibal characters, the main objective of “Bones and All” isn't to make the viewer feel repulsed towards these characters. On the contrary, actually, through the dialogue shared between them, Kajganich and Guadagnino do the impossible and really make the viewer understand the reasons why these people are the way they are. And it's here that cannibalism ends up being analyzed in a more metaphorical way than a literal one, based on its setting in Ronald Reagan's America. Even though several historians place Reagan as one of the best presidents of the United States, other scholars analyzed the former president's involvement (or even better, the lack of an involvement) when it came to the subject of civil rights. He opposed to 1964's Civil Rights Act and to 1965's Voting Rights Act, which would prohibit any kind of discrimination based on a person's color, religion, gender and nationality. Initially, he was against the definition of Martin Luther King Day as a national holiday, but ended up giving in in 1983. And, in a more impactful way, Reagan displayed an almost complete indifference to the HIV epidemic, which at the time, was viewed as a disease that affected only gay people, something that would be proven wrong over time.

And it's in the setting that we find the “bones” of it all: the cannibals in “Bones and All” are, in their essence, people left behind at the edges of society, people who are defined by a lack of belonging (aka, the same people wronged by Reagan's administration) and that, because of these reasons, don't see another path for their lives, other than fully giving themselves in to their nature. With that in mind, it's amazing how Kajganich depicts, as the screenplay's main point of view, someone who is surrounded by uncertainties on who she is and who she can trust, developing the protagonist in such a perfect way it's almost cathartic, by the time the credits start rolling.

With that said, I believe that yes, “Bones and All” may have a wider visibility in the ongoing award season if compared to previous critically-acclaimed horror works, due to its fusion of genres, and mainly, due to the narrative's symbolic potential, which ends up connecting it with reality in a flawless way. If I had to call the shots, I'd easily place it as one of the nominees for Best Picture, Director and Adapted Screenplay at next year's Oscars. Films with a courageous approach like the one in “Bones and All” come around very rarely, especially one that can ignite a reflection on today's society based on the past. Unfortunately, I'm afraid the Oscars aren't ready yet to make such a bold move. Nevertheless, I'll keep on rooting for it, because, after all, hope is the last thing that ever dies... (LOL))



Eu só ouvi falar da atriz Taylor Russell, intérprete de Maren, a protagonista, quando fora anunciado que ela iria estrelar o filme ao lado do mais conhecido Timothée Chalamet. Não é o primeiro trabalho dela (o papel que deu mais destaque para a atriz antes de “Até os Ossos” foi no filme “As Ondas”, dirigido por Trey Edward Shults), mas o desempenho dela aqui como uma jovem canibal me impressionou a ponto de, a partir de agora, me comprometer a ver todo trabalho que ela fará a seguir. Como dito nos parágrafos anteriores, a personagem de Russell se encontra em constante dúvida sobre suas ações ao longo do filme, e estes dilemas podem ser vistos claramente na performance da atriz. Seja pela linguagem corporal ou pela maneira que ela usa seus diálogos, Russell se entrega completamente à personagem como se fosse a coisa mais natural do mundo. Mal posso esperar pelo próximo trabalho dela. Para complementar o desenvolvimento da protagonista, temos um papel puramente expositivo do André Holland, que ajuda tanto o espectador quanto a personagem a entender o que diabos está acontecendo, após um momento crucial de cair o queixo.

Enquanto a Maren de Russell é tomada pela dúvida, o Lee de Timothée Chalamet exala uma confiança impassível, como se ele fosse, nas próprias palavras do personagem, “um novo tipo de super-herói bizarro”. Mas, e isso é o mais interessante sobre a performance de Chalamet, ao mesmo tempo que ele parece ser a pessoa mais confiante e convencida do mundo, há todo um mistério em volta de seu personagem. A cena em particular que revela esse mistério é uma das melhores e (surpreendentemente) mais emocionantes do filme. A química entre Russell e Chalamet é um dos pontos mais fortes de “Até os Ossos”, sem sombra de dúvida. Os jovens atores conseguem, com enorme sucesso, cumprir algo crucial para que o filme funcione: fazer com que os espectadores se importem com o caminho que seus personagens irão percorrer ao longo da trama, mesmo com seus hábitos de alimentação nada convencionais.

Se tem uma categoria no Oscar ano que vem onde uma indicação para “Até os Ossos” é quase certeira, definitivamente é a de Melhor Ator Coadjuvante para o sempre maravilhoso Mark Rylance. O desempenho do ator vencedor do Oscar por “Ponte dos Espiões” é simplesmente arrebatador. Em toda cena em que ele aparece, há uma aura predominante de ameaça e perigo que rodeia seu personagem, sendo uma pessoa completamente imprevisível. Porém, o feito mais incrível que Rylance, Kajganich e Guadagnino conseguem concretizar é fazer com que o espectador sinta pena desse personagem, mesmo com todas as confirmações de que ele não é uma boa pessoa. E, mais uma vez fazendo uma ponta significativa em um filme de Luca Guadagnino, temos o Michael Stuhlbarg, cujo personagem tem um monólogo que consegue resumir o arco narrativo da protagonista em uma cena de altíssima importância.

(I only heard of actress Taylor Russell, who plays Maren, the protagonist, when it was announced that she would star in the film alongside the better known Timothée Chalamet. This isn't her first role (the role that gave her the most attention before “Bones and All” was in Trey Edward Shults's “Waves”), but her work here as a young cannibal impressed me in such a way that, starting now, I'm committing to watching every single thing she's doing next. As previously said, Russell's character finds herself in constant doubt over her actions throughout the film, and these dilemmas are clearly depicted in the actress's performance. Whether it's through her body language or the way she uses her dialogue, Russell gives every inch of herself to her character like it's the most natural thing in the world. I can't wait to see what she does next. In order to complement the protagonist's development, we have a purely expositional role by André Holland, who helps both the viewer and the character understand what the hell is going on, after a crucial jaw-dropping moment.

While Russell's Maren is flooded with doubt, Timothée Chalamet's Lee exhales a bulletproof amount of confidence, as if he was, in the character's own words, “some weird new kind of superhero”. But, and this is the most interesting thing about Chalamet's performance, at the same time he seems to be the most cocky, confident person in the world, there's a whole mystery surrounding his character. The scene in particular that brings that mystery into the light is one of the film's best and (surprisingly) most emotional sequences. The chemistry between Russell and Chalamet is one of the strongest parts of “Bones and All”, without a shadow of a doubt. The young actors manage to, successfully, fulfill a crucial role in order for the film to work: making the viewers care for the path their characters will take throughout the plot, even with their unconventional feeding habits.

If there's one category at next year's Oscars where a nomination for “Bones and All” is almost a certainty, it's definitely Best Supporting Actor for the always wonderful Mark Rylance. The work by the Oscar-winning actor for “Bridge of Spies” is simply astonishing. In every scene he's in, there's a predominant aura of threat and danger circling around his character, being a completely unpredictable person. However, the most incredible feat that Rylance, Kajganich and Guadagnino manage to conquer is getting the viewer to feel sorry for this character, despite all the red flags that indicate and confirm that he's not a good person. And, once again making a significant cameo in a Luca Guadagnino film, we have Michael Stuhlbarg, whose character has a monologue that sums up the protagonist's entire narrative arc into one highly important scene.)



E, por fim, nos aspectos técnicos, temos um retrato bastante natural, cru e realista de suas ambientações por meio do trabalho estupendo de direção de fotografia, direção de arte e trilha sonora. A direção de fotografia é assinada pelo georgiano Arseni Khachaturan, e em várias partes, o trabalho dele em “Até os Ossos” me lembrou bastante do que o Joshua James Richards fez nos filmes dirigidos pela Chloé Zhao, como “Songs My Brothers Taught Me” e “Nomadland”. Há muitas cenas que fazem uso de iluminação natural. Há sequências onde a câmera parece estar literalmente correndo atrás do personagem, injetando uma dose de adrenalina no que está sendo retratado. A câmera de Khachaturan trabalha em conjunto com a montagem do Marco Costa para fazer com que as cenas de canibalismo sejam realistas ao invés de sensacionalistas, deixando muitas coisas implícitas, o que é mil vezes mais eficaz do que ver uma infinidade de sangue e tripas só por ter mesmo. Eu não descartaria uma possível indicação ao Oscar de Melhor Direção de Fotografia.

A direção de arte faz um trabalho sensacional com os cenários nos quais os personagens se encontram. Ao invés de termos cenários esteticamente perfeitos reminiscentes ao American Way of Life, como por exemplo, os de “Não se Preocupe, Querida”, temos ambientações essencialmente precárias, o que, novamente, reforça o caráter metafórico da narrativa, de retratar os canibais como pessoas deixadas às margens da sociedade, que não têm condições financeiras para encontrar um lugar fixo e fincar suas raízes ali. É um visual drasticamente diferente dos outros filmes de Guadagnino, como “Me Chame pelo Seu Nome” e “Suspiria” (que retratam cenários de tirar o fôlego da Itália e da Alemanha, respectivamente), mas que é tão eficaz e imersivo quanto eles.

E, em terceiro lugar, temos o design de som e a trilha sonora. Há um foco notável nos pequenos sons de “Até os Ossos”, em especial o olfato e a mastigação. Tem uma explicação lógica no roteiro do porquê o primeiro tem tanto destaque; agora o foco na mastigação é algo verdadeiramente enervante, como se fosse um tipo doentio de ASMR. Especialmente nas cenas de canibalismo, o trabalho de design de som consegue fazer o espectador se sentir mal por dentro, e a parte mais interessante é que os atos canibais têm poucos segundos de tela antes da câmera cortar para uma perspectiva diferente. Mas o som perdura, estendendo o período de incômodo do espectador em relação à cena somente através da audição. Tá aí mais uma categoria que eu não descartaria no Oscar ano que vem (Melhor Som).

Por último, mas certamente não menos importante, temos a trilha sonora original do Trent Reznor e do Atticus Ross, duas vezes vencedores do Oscar de Melhor Trilha Sonora Original (por “A Rede Social” e “Soul”). Eu fiquei positivamente impressionado com o quão natural e acústico o trabalho da dupla foi em “Até os Ossos”, já que eles costumam experimentar (e muito) com sons eletrônicos e sintetizadores para adicionar um caráter etéreo e incomum à identidade sonora dos filmes. Aqui, o contrário acontece: é uma trilha sonora mais limpa, quase “caseira”, que acaba casando perfeitamente com a vibe de road movie que Kajganich coloca no roteiro. Me lembrou bastante do trabalho do Gustavo Santaolalla nos videogames de “The Last of Us”, assim como as canções originais de Sufjan Stevens compostas para “Me Chame pelo Seu Nome”. Além das faixas instrumentais de Reznor e Ross, as cenas de “Até os Ossos” também são embaladas por canções de bandas da época retratada, como Kiss, Men At Work, Duran Duran, Joy Division, New Order e a-ha.

(And finally, in the technical aspects, we have a really natural, raw and realistic portrait of its setting conveyed through the stupendous work in cinematography, production design and score. The cinematography is by the Georgian Arseni Khachaturan, and in several times, his work in “Bones and All” reminded me a lot of what Joshua James Richards did in Chloé Zhao-directed films, such as “Songs My Brothers Taught Me” and “Nomadland”. There are many scenes that use natural lighting. There are sequences where the camera seems to be literally running after the character, injecting a dosage of adrenaline on what's being portrayed. Khachaturan's camera works in tandem with Marco Costa's editing to make the cannibalistic scenes seem realistic rather than sensational, leaving lots of things implied, which is a thousand times more effective than just showing endless blood and guts for the sake of it. I wouldn't discard a possible nomination for Best Cinematography at next year's Oscars.

The production design does a sensational job with the scenarios the characters find themselves in. Rather than having aesthetically perfect sets reminiscent of the American Way of Life, like the ones in “Don't Worry Darling”, we have essentially precarious scenarios, which, once again, reinforces the narrative's metaphorical tone, of portraying cannibals as people left at the margins of society, who don't have financial conditions to find a fixed place and place their roots there. It's a visual that's drastically different than other Guadagnino films, like “Call Me By Your Name” and “Suspiria” (which portray breathtaking locations in Italy and Germany, respectively), but it's just as effective and as immersive as those films.

And, in third place, we have the sound design and the original score. There's a remarkable focus on the little sounds of “Bones and All”, especially when it comes to smelling and chewing. There's a logical explanation in the screenplay for the highlight on the former; but the focus on the chewing is something truly unnerving, like it's some twisted kind of ASMR. Specially during the cannibalistic scenes, the sound work manages to make the viewer feel uneasy, and the most interesting part is that the cannibal acts last for only seconds onscreen before the camera cuts away to a different perspective. But the sound lives on, extending the viewer's uneasiness towards the scene only through hearing. Now, there's another category I wouldn't easily discard at next year's Oscars (Best Sound).

At last, but definitely not least, we have the original score by Trent Reznor and Atticus Ross, two-time Oscar winners for Best Original Score (“The Social Network” and “Soul”). I was positively impressed with how natural and acoustic the duo's work in “Bones and All” was, as they usually experiment (a lot) with electro sounds and synthesizers to add a more ethereal and unusual tone to the film's sound identity. Here, it's the opposite: it's a much cleaner, almost “homemade” score, which ends up being a perfect match to the road movie vibe Kajganich emulates in the screenplay. It reminded me a lot of Gustavo Santaolalla's work in “The Last of Us” and “The Last of Us Part II”, as well as Sufjan Stevens's original songs for “Call Me By Your Name”. Besides Reznor and Ross' instrumental tracks, the scenes of “Bones and All” are also aided by songs from famous '80s bands, such as Kiss, Men at Work, Duran Duran, Joy Division, New Order and a-ha.)



Resumindo, à primeira vista, “Até os Ossos” pode ser um filme difícil de engolir (trocadilho não-intencional), mas a mistura entre o romance e o terror, a estrutura narrativa de road movie e o uso bem-calculado da violência fazem o novo filme de Luca Guadagnino ir além de sua premissa literal e investir em um retrato repleto de metáforas e simbolismos de sua problemática e conturbada ambientação, resultando em uma obra que, ao mesmo tempo, sensibiliza o espectador pelos seus personagens e o assusta pelo seu realismo. Somando isso ao desempenho excelente do elenco e ao trabalho estupendo dos aspectos técnicos, temos um dos melhores (e mais românticos) filmes do ano.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, at first sight, “Bones and All” might be a tough film to swallow (no pun intended), but the mixture between romance and horror, the narrative structure of a road movie and the well-calculated use of violence make Luca Guadagnino's new film rise above its literal premise and invest in a metaphor-filled portrayal of its problematic and controversial setting, resulting in a piece of work that, simultaneously, awakens the viewer's sensibility towards its characters and constantly scares them because of its realism. Put that together with the cast's excellent performances and the technical aspects' stupendous work, and you've got one of the year's best (and most romantic) films.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)