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sábado, 26 de junho de 2021

Sessão Retrospectiva - "Laranja Mecânica": uma obra-prima, 50 anos à frente de seu tempo (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para estrear um novo quadro aqui no blog! Chamado Sessão Retrospectiva, nesse quadro, pretendo trazer resenhas de filmes que ainda não abordei aqui no blog e fazem aniversários importantes (5, 10, 15, 20, 25, 50 anos, entre outros) em 2021. Para começar esse quadro, vim aqui trazer a resenha de um filme que estava MUITO à frente de seu tempo, usando suas cenas explícitas e senso de humor ácido para falar de temas que teriam muito mais relevância nos dias de hoje do que em seu lançamento, 50 anos atrás. E, como a cereja no topo, o filme em questão provavelmente é o melhor de seu cultuado diretor. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Laranja Mecânica”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to bring a new section of reviews to the blog! Titled Retrospective Screening, in this section, I intend to bring reviews of films I haven't analyzed here on the blog yet and that celebrate important anniversaries (5, 10, 15, 20, 25, 50 years, among others) in 2021. To start off this section, I came here to bring the review of a film that was VERY ahead of its time, using its explicit scenes and acid sense of humor to talk about themes that would become much more relevant in today's times than in its release, 50 years ago. And, as the cherry on top, the film I'm about to review is most likely its director's finest. So, without further ado, let's talk about “A Clockwork Orange”. Let's go!)



Baseado no romance de mesmo nome escrito por Anthony Burgess, o filme é ambientado em uma Inglaterra distópica e acompanha Alex DeLarge (Malcolm McDowell), um carismático e antissocial lider de uma gangue de delinquentes, cujos passatempos incluem espancar moradores de rua, estuprar mulheres e escutar composições de Ludwig van Beethoven. Após acidentalmente cometer um assassinato, Alex é traído por seus colegas, preso e submetido a um tratamento psicológico que o forçará a mudar de comportamento e enfrentar as consequências de suas ações passadas.

(Based on the novel of the same name written by Anthony Burgess, the film is set in a dystopian England and follows Alex DeLarge (Malcolm McDowell), a charismatic and antisocial leader of a gang of hoodlums, whose favorite pastimes include beating up homeless people, raping women and listening to Ludwig van Beethoven's compositions. After accidentally committing a murder, Alex is betrayed by his colleagues, arrested and conditioned to a psychological treatment that will force him to change his behavior and face the consequences of his past actions.)



Desde que eu completei 14 anos, com minha personalidade cinéfila ainda em crescimento, sempre tive MUITA curiosidade para assistir “Laranja Mecânica”. A minha razão para tamanho interesse naquela época era apenas uma: o fato de ser ambientado em uma distopia. Mas as cenas explícitas de sexo e violência me afastaram um pouco deste desejo, e fui direcionado para outras obras. Avançando 7 anos, em 2021, durante a pandemia, fiz uma decisão que permitiria que eu finalmente assistisse ao filme: fiz planos de assistir a filmografia parcialmente completa de Stanley Kubrick, começando com “O Grande Golpe”, de 1956, e terminando com “De Olhos Bem Fechados”, de 1999.

Com 21 anos, uma mente mais amadurecida e uma personalidade cinéfila bem formada, tive consciência de que seria capaz de “aguentar o tranco” de um dos filmes mais controversos da história do cinema. Tinha gostado muito de todos os filmes de Kubrick que tinha assistido até ontem, os quais incluem clássicos como “Spartacus”, “Dr. Fantástico” e o revolucionário “2001: Uma Odisseia no Espaço”, então minhas expectativas estavam consideravelmente altas, juntando as atuais com as antigas, lá dos meus 14 anos. E fico extremamente feliz em dizer que eu absolutamente AMEI “Laranja Mecânica”, especialmente pelas escolhas temáticas e narrativas que Kubrick fez, que comprovam a atemporalidade do filme de 1971 e sua influência em obras posteriores dos mais variados gêneros.

Ok, vamos falar do roteiro. Adaptado para a tela pelo próprio diretor, o roteiro de “Laranja Mecânica” cumpre TODOS os pré-requisitos para ser considerado um clássico. Vamos por partes. Primeiro, temos a temporalidade ambígua da ambientação, ou seja, a ambientação não tem detalhes específicos que esclarecem em que época ela está posicionada na História. Pode ser meio bobo à primeira vista, mas isso permite que o filme não seja futurístico demais, ao contrário de outras distopias como “Blade Runner” e “Brazil”, com seus carros voadores e tecnologias avançadas.

Essa escolha permite que o espectador visualize aquela época como o ano em que o filme foi lançado, ou o ano em que ele está assistindo o filme, colaborando para uma atemporalidade narrativa que não se torna datada com o passar do tempo. É algo sempre atual, mesmo tendo sido lançado originalmente há 50 anos. Algo bem similar foi feito no brasileiro “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que tem um Nordeste “futurístico” como ambientação, mas não há nada que especifique o quão longe no futuro o enredo está. Poderia ser 1 mês, 1 ano, uma década. Seria impossível definir, o que poderia resultar em um caráter atemporal para a narrativa.

Depois, temos a abordagem escolhida pelo diretor para trabalhar o seu protagonista, que é essencialmente imersiva. Temos aqui um uso extensivo, mas extremamente bem calculado de uma narração em voice-over em primeira pessoa feita pelo Alex, a qual é complementada por algumas sequências fantasiosas que nos fazem entrar na mente dele e entender o seu ponto de vista sobre as coisas. Há a utilização constante de termos inventados pelos personagens, pertencentes à uma “língua” chamada Nadsat. Algumas das palavras deste dialeto são difíceis de serem interpretadas à primeira vista, mas ao longo do tempo de duração extremamente conciso de 2 horas e 16 minutos, o espectador já consegue “traduzir” alguns termos devido ao uso repetido das gírias pelos personagens, o que é ótimo.

Mas talvez o mais importante e interessante sobre essa abordagem de desenvolvimento do protagonista é o quanto ela se aproxima de um estudo de personagem. A transformação gradual e (ao mesmo tempo) radical que o Alex sofre ao longo de “Laranja Mecânica” me lembrou MUITO do declínio de Arthur Fleck à loucura em “Coringa”. Mas, enquanto o Príncipe Palhaço do Crime de Joaquin Phoenix começou ganhando a simpatia do espectador e terminou nos causando um sentimento de repulsa e revolta, o protagonista do filme de Kubrick anda pelo caminho oposto: nos primeiros 15 minutos, ele e sua gangue já começam revoltando o espectador, espancando moradores de rua idosos, brigando violentamente com outro grupo de delinquentes, causando acidentes de trânsito e invadindo a casa de um autor e sua esposa, que é brutalmente estuprada.

Nesse curto, mas impactante período de tempo, não há outra opção para nós, se não sentirmos enjôo, repulsa e o mais puro ódio por tudo que o protagonista faz. Mas, na segunda metade do filme, Kubrick faz o impossível: ele nos faz simpatizar com esse psicopata. A partir do momento em que ele sai do tratamento psicológico no qual ele serviu como cobaia, ele se depara com várias situações degradantes, sendo fisicamente abusado, rejeitado pelos próprios pais, o que desperta um sentimento profundo de pena no espectador, que acaba temporariamente abafando o ódio da primeira metade. Há um momento perto da conclusão que é interpretado como um tipo de justiça para um dos personagens, mas devido à proximidade entre protagonista e espectador, esse evento é visto no nosso ponto de vista como um momento de dor e agonia, que acaba nos preocupando com respeito ao destino do personagem. Achei essa abordagem narrativa absolutamente brilhante, não tem outra palavra para descrever isso.

Terceiro, temos a mesma razão que impediu “Trainspotting” de se tornar um “Réquiem para um Sonho”: um senso de humor seco, sarcástico e deliciosamente ácido, que transforma as cenas mais explícitas de violência e sexo em algo não tão difícil assim de engolir. É um senso de humor essencialmente britânico e exagerado, que me lembrou bastante do trabalho da trupe de comédia Monty Python. Seja pela narração em voice-over feita pelo protagonista, pela seleção da trilha sonora para aquela cena em particular, ou pela maneira em que ela é executada, o diretor faz o melhor possível para que essas partes mais sensíveis não tenham um tom desnecessário. Pelo contrário, ele as transforma em algo surpreendentemente lúdico, já que os atos de “ultraviolência” são o que o protagonista faz para se divertir.

Mas não me entendam errado: assim como “Trainspotting”, “Laranja Mecânica” leva seus elementos mais polêmicos muito a sério, especialmente durante a infame sequência da técnica Ludovico, onde os atos de violência e sexo não são acompanhados por um componente mais lúdico. Essa falta de acompanhamento faz o personagem principal enxergar os espancamentos e estupros como algo revoltante, enjoativo e repulsivo, e esse sentimento acaba sendo refletido no espectador, o que, novamente, foi uma escolha brilhante do diretor, tamanha a profundidade que ele consegue nos imergir na mente do protagonista.

E por último, mas certamente não menos importante, temos a imensa quantidade de temas abordados no enredo, que ainda mantém uma comunicação muito forte com a atualidade, mesmo 50 anos depois de seu lançamento. Um dos temas mais predominantes presentes na obra de Kubrick é a natureza do homem, e como essa natureza, mesmo sendo manipulada por tratamentos psicológicos e comportamentais, sempre acaba inclinando para o mal. Essa dualidade é exposta de maneira brilhante na emblemática cena final, que nos faz pensar se o protagonista realmente mudou, ou se ele voltou para a estaca zero. É bem interessante ver como as três principais perspectivas do filme (Alex, o governo e o autor) pensam de formas diferentes em relação a esse tema.

Outros temas explorados incluem a humanidade na capacidade de fazer escolhas morais; o uso de violência policial para fins pessoais (#BlackLivesMatter, anyone?); o uso de vítimas como garotos-propaganda para fins políticos e como a mídia influencia a maneira que a juventude (e a população, em geral) olha para o mundo, ponto de vista eternizado na fala “É engraçado como as cores do mundo real só parecem reais quando você as vê em uma tela”. Resumindo, Kubrick cumpre com todos os pré-requisitos para fazer de “Laranja Mecânica” um verdadeiro clássico da sétima arte, graças a um enredo imersivo, sensorial e altamente incendiário, que aborda temas extremamente relevantes para os dias de hoje, talvez até mais relevantes do que eram em 1971.

(Ever since I was fourteen, with my cinephile personality still in formation, I was always VERY curious to watch “A Clockwork Orange”. My reason for such an interest in that time was only one: the fact that it was set in a dystopian world. But the explicit scenes of sex and violence pulled me a little back from my desire and I was more attracted towards other works. Fast-forward 7 years, in 2021, during the pandemic, I made a decision that would allow me to finally watch the film: I made plans to watch the partially complete filmography of Stanley Kubrick, starting off with 1956's “The Killing” and ending it with 1999's “Eyes Wide Shut”.

At age 21, with a more matured mind and a well formed cinephile personality, I felt like I could be able to “handle the load” of one of the most controversial films in the history of cinema. I had really enjoyed all of Kubrick's films I watched until yesterday, a selection that includes classics such as “Spartacus”, “Dr. Strangelove” and the revolutionary “2001: A Space Odyssey”, so my expectations were considerably high, if you put the current and the old ones, back when I was 14, together. And I am extremely glad to say that I absolutely LOVED “A Clockwork Orange”, due to the thematic and narrative choices that Kubrick had made, which prove the 1971 film's timelessness and its influence in posterior works from many, many genres.

Okay, let's talk about the screenplay. Adapted for the screen by the director himself, the script for “A Clockwork Orange” fulfills EVERY factor for it to be considered a true classic. Let's do this by parts. First, we have the setting's ambiguous temporality, meaning, the setting doesn't have specific details that clarify in which time it is positioned in History. It might seem kind of silly at first, but this prevents the film from being too futuristic, unlike other dystopias such as “Blade Runner” and “Brazil”, with their flying cars and advanced technologies.

That choice allows the viewer to see that time as the year the film was released, or the year that they are watching the film, collaborating for a narrative timelessness that doesn't lose its power with time. It's something that's always current, even if it was originally released 50 years ago. Something really similar was done in the Brazilian film “Bacurau”, directed by Kleber Mendonça Filho and Juliano Dornelles, which has a “futuristic” Northeastern region as a setting, but there's nothing to specify in how long in the future the plot finds itself. It could be one month, one year, one decade. It would be impossible to define when, which might result in a timeless character for the narrative.

Then, we have the approach the director had chosen to deal with his protagonist, which is essentially immersive. We have here an extensive, yet extremely well-calculated use of a first-person voice-over narration by Alex, which is complemented by some fantasy sequences that lead us inside his mind and help us seeing his point of view on various things. There's a constant use of terms made up by the characters, which are part of a “language” called Nadsat. Some of the words in this dialect are hard to be interpreted at first, but throughout the extremely concise runtime of 2 hours and 16 minutes, the viewer is already able to “translate” some of these terms due to their repeated use by the characters, which is great.

But perhaps the most important and interesting thing about this approach for the protagonist's development is how close it gets from being a character study. The gradual and (at the same time) radical transformation that Alex suffers throughout the film reminded me A LOT of Arthur Fleck's descent into madness in “Joker”. But, while Joaquin Phoenix's Clown Prince of Crime started off earning the viewer's sympathy and ended up revolting and sickening us by its conclusion, the protagonist of Kubrick's film walks an opposite path: within the first fifteen minutes, he and his gang already start the film revolting the viewer, beating up elderly homeless people, violently quarreling with another group of juvenile delinquents, causing traffic accidents and breaking into a house that belongs to an author and his wife, who is brutally raped.

In this short yet impactful period of time, there's no other choice for the viewer but feel sickness, repulsion and pure hatred for everything the main character does. But, in the film's second half, Kubrick does the impossible: he makes us feel sympathy for this psychopath. From the moment he gets released from the psychological treatment he was submitted as a test subject, he faces several degrading situations, being physically abused, rejected by his own parents, which awakens a profound feeling of pity in the viewer, which temporarily muffles the first half's hatred. There's a moment near the conclusion that can be interpreted as a justice of sorts to one of the characters, but due to the proximity between viewer and protagonist, that event is seen in our point of view as a moment of pain and agony, which ends up worrying us, regarding the main character's fate. I found that narrative approach to be simply brilliant, there's just no other word to describe it.

Thirdly, we have the same reason that prevented “Trainspotting” from turning into “Requiem for a Dream”: a dry, sarcastic, delightfully acid sense of humor, which transforms the more explicit scenes of sex and violence into something that's not that tough to watch. It's an essentially English, over-the-top sense of humor, which reminded me a lot of Monty Python's work as a comedy troupe. Whether it's through the voiceover narration, the selection of the soundtrack for that particular scene, or the way it is executed, the director does his best so that these more sensitive parts don't feel unnecessary and exploitational. On the contrary, he transforms them into something surprisingly playful, as the acts of “ultraviolence” are something the protagonist does to have fun.

But don't get me wrong: similarly to “Trainspotting”, “A Clockwork Orange” deals with its more controversial elements in a very serious way, especially during the infamous Ludovico technique sequence, where the acts of violence and sex are not accompanied by a more playful component. That lack of companionship makes the main character see the beatings and raping as something revolting, sickening and repulsive, and that feeling ends up reflecting on ourselves as viewers, which, once again, was a brilliant move by the director, due to the depth he manages to insert us into the main character's mind.

And at last, but certainly not least, there's the enormous quantity of themes analyzed in the plot, which still maintains a strong communication with today's times, even 50 years after its original release. One of the most predominant themes present in Kubrick's work is the nature of man and how this nature, even when being manipulated by psychological and behavioral treatments, always ends up inclining towards evil. That duality is exposed brilliantly in the mind-bending final scene, which makes us think if the protagonist actually changed, or if he's returned to ground zero. It's quite interesting to see how the film's main three perspectives (Alex, the government and the author) think differently, regarding this particular theme.

Other explored themes include the humanity in the capacity of making moral choices; the use of police brutality for personal means (#BlackLivesMatter, anyone?); the use of victims as propaganda in order to reach political goals and how media influences the way young people (and the population, in general) see the world, a point of view that's cemented in the line “It's funny how the colors of the real world only seem really real when you viddy them on a screen”. To sum it up, Kubrick fulfills all the requirements for “A Clockwork Orange” to be considered a true classic in film, thanks to an immersive, sensory and highly incendiary plot, which deals with themes that are extremely relevant to today's times, maybe even more relevant than they were back in 1971.)



Temos aqui um elenco bem reduzido de personagens, e todos os atores coadjuvantes fazem um ótimo trabalho com o que lhes é oferecido. O Warren Clarke e o James Marcus fazem um bom contraste com a posição do protagonista como líder da gangue. O Patrick Magee protagoniza uma das cenas mais arrepiantes do longa. O Michael Gover, o Anthony Sharp, o Aubrey Morris, o Clive Francis e o Carl Duering são os verdadeiros antagonistas de “Laranja Mecânica”, ninguém consegue me convencer do contrário. O Michael Bates é a melhor fonte de alívio cômico do filme, me lembrando bastante do trabalho do John Cleese no grupo Monty Python.

Mas quem realmente importa aqui, sem nenhuma sombra de dúvida, é o Malcolm McDowell, que tem aqui sua melhor, mais memorável, icônica e lendária performance, a qual foi criminalmente injustiçada no Oscar, nem ao menos recebendo uma indicação a Melhor Ator. É incrível como McDowell consegue manipular as emoções do espectador perante o seu personagem, fazendo uso do fantástico texto de Kubrick. É uma daquelas raras performances onde o ator consegue te fazer sentir toda emoção possível. Ele te faz rir, chorar, sentir medo, ódio, nojo, pena pelo Alex.

McDowell brinca com uma verdadeira amálgama de sentimentos com sua atuação, muitos dos quais são quase instantaneamente refletidos no espectador, o que, pelo menos para mim, é absolutamente essencial em uma performance de protagonista. Eu poderia escrever inúmeras linhas sobre o quão maravilhoso o trabalho de McDowell é em “Laranja Mecânica”, mas como há outros aspectos a serem considerados, fecho com essa afirmação: se vocês não forem assistir ao filme pela história, assistam pela performance altamente dedicada de seu protagonista, que conta com alguns dos melhores improvisos da história do cinema. É isso.

(We have here a pretty reduced cast of characters, and all the supporting actors do a great job with what's offered to them. Warren Clarke and James Marcus do a nice contrast with the protagonist's position as leader of the gang. Patrick Magee is a central figure in one of the film's most spine-chilling scenes. Michael Gover, Anthony Sharp, Aubrey Morris, Clive Francis and Carl Duering are the true antagonists of “A Clockwork Orange”, no one will manage to convince me otherwise. Michael Bates is the film's best source of comic relief, reminding me a lot of John Cleese's work in the Monty Python comedy troupe.

But who really matters here, without any shadow of a doubt, is Malcolm McDowell, who has here his finest, most memorable, iconic and legendary performance, which ended up being criminally snubbed in the Oscars, not even being nominated for Best Actor. It's amazing how McDowell manages to manipulate the viewer's emotions towards his characters, making exceptional use of Kubrick's fantastic screenplay. It's one of those rare performances where the actor manages to make you feel every emotion you're able to feel. He makes you laugh, cry, feel afraid, enraged, disgusted, pity for Alex.

McDowell toys with a true encyclopedia of feelings with his performance, many of which are almost instantly reflected in the viewer, which, at least for me, is absolutely essential in a main character's performance. I could go on and on writing how wonderful McDowell's work is in “A Clockwork Orange”, but as there are other aspects to be considered, I'll close with this statement: if you're not going to watch the film for the story, watch it for its protagonist's highly dedicated performance, which relies on some of the best improvisational bits in cinema history. That's it.)



Assim como em literalmente todo filme de Stanley Kubrick (sim, até os em preto-e-branco), todo aspecto técnico de “Laranja Mecânica” é perfeito, não há outra palavra para descrever. É só mais uma prova do controle que Kubrick tinha sobre suas obras, que é incomparavelmente único. A direção de fotografia do John Alcott casa muito bem com o teor caótico e eclético da história, misturando tomadas contínuas com algumas mais prolongadas, e experimentando com cenas em câmera lenta e outras em um passo bem mais acelerado, resultando em sequências altamente eficientes em todas as frentes, se tornando um verdadeiro marco na história do cinema. Essa grande amálgama de estilos de tomada é abordada de forma bem orgânica, de modo que o espectador não se sente abatido pela mudança brusca no andamento das cenas, o que é simplesmente sensacional.

A montagem do Bill Butler trabalha muito bem em conjunto com a câmera de Alcott, colaborando para que a experiência de assistir à “Laranja Mecânica” seja a mais enervante, imersiva, perturbadora, psicodélica e proveitosa possível. A direção de arte, novamente, faz um excelente trabalho de manter a temporalidade ambígua da ambientação, de modo que não há como dizer com certeza que o filme é ambientado no futuro. Há lixo nas ruas, obras de arte vandalizadas, bares noturnos, cassinos abandonados. Salvo algumas exceções que remetem ao tom psicodélico dos anos 1960, não há um aspecto definitivo que diferencie a Londres “distópica” do filme do nosso mundo real, o que é bem raro de ver em futuros distópicos da ficção-científica.

A trilha sonora original da Wendy Carlos é essencialmente atmosférica, criando uma aura enervante que penetra até o âmago do espectador com seus sintetizadores, que seriam novamente utilizados de forma extremamente eficiente em “O Iluminado”, também de Stanley Kubrick. E, por fim, temos a trilha sonora compilada de composições de Ludwig van Beethoven, que é uma obra-prima à parte. As cenas em que as sinfonias são reproduzidas fazem um contraste perfeito entre o tom crescente e vívido das orquestras e a natureza degradante e perturbadora do que é mostrado nessas cenas.

(Just like in literally every film by Stanley Kubrick (yes, even those in black-and-white), every technical aspect of “A Clockwork Orange” is perfect, there's no other word to put it. It's just further proof of the control Kubrick had over his work, which is uncomparably unique. John Alcott's cinematography makes an outstanding match with the chaotic, eclectic tone of the story, mixing continued shots with some more prolonged ones, and experimenting with scenes in slow motion and others in a much faster pace, resulting in highly effective sequences on all fronts, becoming a true landmark in cinema history. This huge mix of shot styles is dealt with in a very organic way, as the viewer doesn't feel lost by the rough change in the scenes' tempo, which is simply sensational.

Bill Butler's editing works really well in tandem with Alcott's camera, collaborating for the experience of watching “A Clockwork Orange” to be as unnerving, immersive, disturbing, psychedelic and enjoyable as possible. The art direction, once again, does an excellent job in maintaining the setting's ambiguous spot in History, in a way that we're not able to tell how long it is set in the future. There's litter in the streets, vandalized works of art, night bars, abandoned casinos. Save a few exceptions that take us back to the psychedelic tone of the Swinging Sixties, there isn't a definitive aspect that differs the film's “dystopian” London from our real world, which is something quite rare to see in science fiction's dystopian futures.

Wendy Carlos's original score is essentially atmospheric, creating an unnerving aura that penetrates the very deep core of the viewer with her synthesizers, which would be used once again in an extremely effective way in “The Shining”, also a Stanley Kubrick film. And, lastly, we have the compiled soundtrack of Ludwig van Beethoven's compositions, which is a particular masterpiece. The scenes in where the symphonies are played manage to make a perfect contrast between the crescent and vivid tone of the orchestras and the degrading, disturbing nature of what's shown onscreen.)



Resumindo, “Laranja Mecânica” é um verdadeiro marco na história do cinema. Mal-entendido na época de lançamento, a obra-prima rebelde e controversa de Stanley Kubrick ganha uma nova vida 50 anos depois, graças ao seu enredo imersivo, sensorial e tematicamente relevante para a atualidade, e às escolhas técnicas que destacam o realismo e a atemporalidade do cenário “distópico” do longa. Um filme que, definitivamente, precisa ser visto uma vez na vida, e a melhor obra de seu realizador, na minha opinião (empatado com “O Iluminado”)!

Nota: 10 de 10! (Não tinha como ser outra.)

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “A Clockwork Orange” is a true landmark in movie history. Misunderstood in its time of release, Stanley Kubrick's rebellious and controversial masterpiece gains new life 50 years later, thanks to its immersive, sensory and thematically relevant plot for today's times, and to the technical choices that highlight the realism and timelessness of the feature's “dystopian” setting. A film that, definitely, needs to be seen once in a lifetime, and its director's finest work, in my opinion (tied with “The Shining”)!

I give it a 10 out of 10!! (There's no other possible grade to award this film.)

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


segunda-feira, 21 de junho de 2021

"Em um Bairro de Nova York": uma celebração da cultura latina nos EUA (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre o lançamento mais recente nos cinemas! Sendo uma verdadeira celebração da influência da cultura latina nos Estados Unidos, o filme em questão conta uma história necessária, estimulante e socialmente relevante sobre perseguição e realização de sonhos, a herança e o legado que alguém deixará para o mundo e a resistência de uma cultura prestes a desaparecer. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Em Um Bairro de Nova York”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the most recent releases in theaters (and on HBO Max)! As a true celebration of the influence of Latino culture in the United States, the film I'm about to analyze tells a necessary, uplifting and socially relevant story about chasing and fulfilling dreams, the inheritance and legacy someone will leave to the world and the resistance of a culture that's close to fading away. So, without further ado, let's talk about “In the Heights”. Let's go!)



Ambientado no bairro de Washington Heights, em Nova York, o filme conta a história de Usnavi de la Vega (Anthony Ramos), um jovem dono de uma loja de conveniência, que sonha em juntar dinheiro o suficiente para comprar a antiga casa de seu pai na República Dominicana. Ele e seus amigos Benny (Corey Hawkins), Vanessa (Melissa Barrera) e Nina (Leslie Grace) estão em constante perseguição de seus sonhos, mas um iminente apagão, um bilhete de loteria premiado e eventos inesperados prometem virar a vida do bairro de cabeça para baixo.

(Set in the neighborhood of Washington Heights, in New York City, the film tells the story of Usnavi de la Vega (Anthony Ramos), a young owner of a small bodega, who dreams of gathering enough money to purchase his father's old house in the Dominican Republic. He and his friends Benny (Corey Hawkins), Vanessa (Melissa Barrera) and Nina (Leslie Grace) are constantly pursuing their dreams, but an imminent blackout, a prizewinning lottery ticket and unexpected events promise to turn the block's life upside down.)



Bom, quem vem seguindo o blog desde o final de 2019 e o início de 2020 sabe o quanto eu estava animado para ver “Em um Bairro de Nova York”. As minhas expectativas estavam centradas em um ponto bem específico: o fato de ter sido baseado em um musical co-escrito pelo Lin-Manuel Miranda. Para aqueles que ainda não conhecem a obra desse verdadeiro gênio, Miranda é conhecido pelo público infantil por suas colaborações para a trilha sonora de “Moana”; mas a maioria dos fãs de musicais o conhecem por ele ter criado a obra-prima que é “Hamilton”, um premiado musical de teatro que conta a história dos Pais Fundadores dos EUA através de números musicais de hip-hop. O fenômeno criado pela obra de Miranda foi tão grande que gerou o lançamento de uma performance gravada com o elenco original em 2020, disponível no Disney+ (você pode ler minha resenha aqui:).

O filme em questão é baseado no musical “In the Heights”, co-escrito por Miranda e Quiara Alegría Hudes, lançado na Broadway em 2008, que até ganhou montagem no Brasil. Miranda começou a escrever o musical na faculdade, em 1999, determinado a mostrar ao público a sua vida no bairro Washington Heights, ambientação da obra. Mesmo com a história em si não sendo baseada em fatos reais, pode-se dizer com tranquilidade que “In the Heights” tem uma importância bem pessoal para seu co-criador. Minhas expectativas estavam bem altas para assistir à adaptação cinematográfica por três principais razões: 1) o envolvimento próximo de Miranda na produção; 2) a roteirista do musical, Quiara Alegría Hudes, retornaria para escrever a adaptação e 3) o filme em si seria filmado na ambientação real da obra, ou seja, o bairro Washington Heights. Então, com estas coisas em mente, fui assistir ao filme ontem com meus pais no cinema. E fico muito feliz em dizer que não me decepcionei, apesar de ter algumas ressalvas.

Ok, vamos falar do roteiro. Adaptando dos palcos para a tela, a roteirista do musical tinha uma tarefa bem difícil: expandir os horizontes do cenário minimalista da obra original para a grandeza inerente de um bairro de Nova York. Eu adorei como Hudes foi capaz de, ao mesmo tempo, capturar o espírito movimentado da cidade grande e transformar a ambientação em um lugar bem íntimo, concentrando toda a ação do robusto, mas energético tempo de duração de 2 horas e 23 minutos em um local muito específico, o que é ótimo. Eu gostei bastante do desenvolvimento do grande elenco de personagens. Um dos pontos positivos do tempo de duração ser bem extenso é que Hudes encontra tempo o suficiente para fazer o espectador se importar com a jornada de cada uma das figuras principais do filme. Há, no mínimo, quatro subtramas aqui envolvendo os diferentes personagens do filme, e todas estas linhas narrativas são muito bem trabalhadas.

A roteirista não deixa nenhum buraco na trama, é tudo muito bem amarrado. Há um equilíbrio muito uniforme entre partes com diálogo e os números musicais, há um uso bem calculado de quebra da quarta parede e narrações em voice-over que ajudam o espectador a não se perder no desenrolar dos eventos do filme. Uma coisa que eu achei bem interessante foi a inserção de diálogos em espanhol, e não só apenas expressões simples como “¿Cómo estás?” ou “Gracias”. Há algumas partes onde quase uma troca de diálogos inteira é em espanhol. Essa escolha criativa permite que um grau verídico de autenticidade seja imprimido ao filme, o que apenas reforça uma das mensagens que ele deseja passar. Isto mostra o forte controle que Miranda e Hudes ainda têm em relação à obra que criaram, o que é excelente.

Mas o que há de mais mágico em “Em um Bairro de Nova York” é a possibilidade de diferentes espectadores terem diferentes visões sobre o filme. Para quem não é latino, é uma história clássica sobre pessoas que trabalham duro para perseguirem seus sonhos, sobre as dificuldades de achar o seu lugar no mundo, e funciona perfeitamente sendo só isso. Mas para quem faz parte da comunidade latina, em especial nos EUA, é uma reafirmação e celebração da cultura latina. Vários personagens fazem reflexões sobre as vidas de seus descendentes, as dificuldades enfrentadas e sacrifícios que eles tiveram que fazer para que pudessem dar uma vida boa para os filhos. Há muitas cenas onde vários personagens latinos de diferentes nacionalidades se unem com um objetivo em comum, o que é bem bonito de se ver.

E, assim como em “Hamilton”, o conceito de legado é muito bem explorado aqui. “O que é um legado?”, pergunta o personagem-título de “Hamilton”. “É plantar sementes em um jardim que você nunca terá a chance de ver.” Ou, como diz uma das melhores personagens deste filme: “Pequenos detalhes que mostram ao mundo que não somos invisíveis”. E, devido às ações e decisões de vários dos personagens, o conceito de legado é utilizado para guiá-los pelos seus respectivos arcos narrativos, através da criação de conflitos e do estabelecimento da resolução destes conflitos. Eu gostei bastante destes paralelos que consegui detectar entre as duas obras de Miranda.

Há um subtexto político em relação ao preconceito contra imigrantes hispânicos que é muito bem trabalhado na trama. Ele começa como algo secundário e acaba achando um lugar principal no percurso narrativo do filme. Eu sinceramente acho que ele teria mais efeito se o longa tivesse sido lançado durante a presidência do Donald Trump nos EUA. Claro, o preconceito ainda é um tema extremamente relevante nos dias de hoje, mas se tivesse sido lançado em 2020, como originalmente planejado, “Em um Bairro de Nova York” poderia ter funcionado tranquilamente como um filme-protesto.

No geral, é um filme muito bom. Devido ao tempo de duração, ele tem bastante energia para gastar. Mas eu sinceramente achei um pouco esticado demais. Eu sei que, com os idealizadores do musical na produção, eles iriam querer fazer uma adaptação bem fiel. Mas algumas das músicas são tão curtas que parecem até vinhetas de transição de uma cena para a outra. No meu ponto de vista, essas músicas mais curtas deram um tom mais teatral para uma coisa que deveria ser cinematográfica, e por isso, eu acho que elas poderiam ter sido aparadas ou removidas completamente do corte final, o que poderia até ter ajudado o espectador a acompanhar melhor os eventos do filme. Tirando isso, “Em um Bairro de Nova York” é um filme muito estimulante e emocionante que merece ser visto na maior e melhor qualidade possível.

(Well, those who have been following my blog since the end of 2019 and the beginning of 2020 know how excited I was to watch “In the Heights”. My expectations were centered on a very specific point: the fact it was based on a stage musical co-written by Lin-Manuel Miranda. For those who aren't familiar with the work of this true genius, Miranda is known by children all around the world for his collaborations to the soundtrack of “Moana”; but most musical fans know him for creating the absolute masterpiece that is “Hamilton”, a heavily-awarded stage musical that tells the story of the Founding Fathers of the United States through hip-hop musical numbers. The phenomenon created by Miranda's work was so big, that it generated the release of a filmed performance with the original Broadway cast in 2020, which is available on Disney+ (you can read my review on it here:).

The film analyzed here is based on the musical of the same name, co-written by Miranda and Quiara Alegría Hudes, which opened on Broadway in 2008, gaining multiple international productions in the process. Miranda started writing the musical in 1999, determined to show the audience his life in the Washington Heights neighborhood, where it is set in. Even if the story itself isn't based on true events, you can safely say that “In the Heights” has a very personal importance to its co-creator. My expectations were really high to watch the film adaptation for three main reasons: 1) Miranda's close involvement with the production; 2) the musical's book writer, Quiara Alegría Hudes, would return to pen the adaptation and 3) the film itself would be shot in the original work's real-life setting, meaning, the actual Washington Heights neighborhood. So, with these things in mind, I watched the film in theaters yesterday with my parents. And I'm really glad to say I wasn't disappointed, despite a few exceptions.

Okay, let's talk about the screenplay. Adapting from the stage to screen, the book writer had a very difficult task to accomplish: expand the horizons of the original work's minimalist setting towards the inherent greatness of a New York City neighborhood. I loved how Hudes was able to, simultaneously, capture the crowded spirit of the big city and transform the setting into a very intimate location, which ends up directioning all the action in the robust yet energetic runtime of 2 hours and 23 minutes to a very specific place, which is great. I really enjoyed the development of its large cast of characters. One of the positive points about the runtime is that Hudes finds enough time to make the viewer care about every main character's journey. There are, at least, four subplots here involving its various characters, and all these narrative plotlines are very good.

The screenwriter leaves no hole in the plot, everything is very well polished. There's a very uniform balance between dialogue scenes and musical numbers, there's a very well calculated use of fourth-wall breaking and voice-over narrating, which helps the viewer keep track of what's happening onscreen. One thing I found particularly interesting was the insertion of dialogue in Spanish, and not only simple expressions such as “¿Cómo estás?” or “Gracias”. There are a few parts where an entire dialogue exchange is done in Spanish. That creative choice allows that a true amount of authenticity is injected into the film, which only reinforces one of the messages it is trying to transmit. This shows the tight control that Miranda and Hudes still have over their work, which is excellent.

But perhaps the most magical thing about “In the Heights” is the possibility that different viewers might have different points of view about the film. For those who aren't Latino, this is a classic story about hard-working people chasing their dreams, about the difficulty of finding your own place in the world, and it works perfectly as just that. But to those who are part of the Latino community, especially in the US, it is a reaffirmation and celebration of Latino culture. Several characters reflect on the lives of their forefathers, the difficulties they faced and the sacrifices they had to make in order to give their children a good life. There are several scenes where multiple Latino characters from different nationalities come together while chasing one single goal, which is something really beautiful to behold.

And, just like in “Hamilton”, the concept of legacy is very well explored here. “What is a legacy?”, asks the title character of “Hamilton”. “It's planting seeds in a garden you'll never get to see”. Or, in the words of one of the best characters in this film: “Little details that show the world we are not invisible”. And, due to the characters' actions and decisions, the concept of legacy is used to guide them through their respective narrative arcs, through the creation of conflicts and the establishment of resolutions to those conflicts. I really enjoyed these parallels I was able to capture between Miranda's two works.

There's a political subtext regarding the prejudice towards Hispanic immigrants which is very well worked upon in the plot. It starts off as something secondary and ends up finding a main spot in the film's narrative course. I honestly think it would've been more effective if the film had been released during Donald Trump's presidency in the US. Sure, prejudice is still an extremely relevant theme in today's times, but if it had been released in 2020, as originally planned, “In the Heights” could've safely worked as a protest movie.

Generally, it's a really good film. Due to the runtime, it has plenty of energy to spend. But I honestly thought it felt a bit stretched out. I know that, with the creators of the original musical involved in the production, they would want to make it as faithful as possible to the source material. But some of the songs are so short, they end up feeling like transition vignettes from one scene to another. In my point of view, these shorter songs gave a more theatrical feel to something that should've felt cinematic, and because of that, I think they could've been trimmed down or totally removed from the final cut, which might've ended up helping the viewer to better follow the film's events. Apart from that, “In the Heights” is a very uplifting, emotional film that deserves to be seen in the best quality possible.)



Quando a adaptação foi inicialmente anunciada, com a direção de Kenny Ortega (diretor da trilogia “High School Musical”), o plano era escalar celebridades latinas de alto nível, como Jennifer Lopez e Shakira, para estrelarem o filme. Agora, sob a direção de Jon M. Chu, e o envolvimento de Miranda e Hudes na produção, nenhum grande nome acabou fazendo parte do elenco. A maioria das pessoas acharia isso um ponto negativo, mas no meu ponto de vista, é uma oportunidade de apresentar novos talentos aos olhos do público.

Além do próprio co-criador do musical, não há ninguém mais perfeito para interpretar o Usnavi do que o Anthony Ramos. Quem lembra da performance dupla dele como John Laurens e Philip Hamilton em “Hamilton” vai saber o porquê dele encaixar tão bem no papel. Ele é literalmente um Lin-Manuel Miranda mais jovem. Ele é carismático, muito convincente e, como a cereja do bolo, tem uma voz perfeita e é um verdadeiro pé de valsa. Nas canções mais agitadas, ele consegue encaixar direitinho nas harmonias criadas por Miranda e mantém uma qualidade bastante uniforme nas músicas mais lentas. Eu adorei a performance dele. Devido a todo esse conjunto de habilidades demonstrado aqui, acho que possa ser material para Oscar. A química dele com a personagem da Melissa Barrera é crível, quase palpável, e os dois atores fazem um maravilhoso trabalho de ir construindo essa dinâmica de pouco a pouco, até ela explodir no ato final de forma extremamente satisfatória.

Eu fui apresentado ao trabalho do Corey Hawkins devido à sua fantástica performance como Dr. Dre no filme “Straight Outta Compton”, e fiquei bem satisfeito com o desempenho dele em músicas que têm um estilo diferente do rap. Assim como Ramos tem uma química com Barrera, Hawkins tem uma dinâmica excelente com a personagem da Leslie Grace, cuja subtrama é a que os espectadores podem mais se identificar. Grace também é fantástica no seu papel, e consegue imprimir as dificuldades e desafios de sua personagem com muita honestidade e autenticidade, especialmente através do relacionamento dela com seu pai, interpretado por Jimmy Smits. Eu adorei o papel do Gregory Diaz IV. A princípio, o espectador pensa que o personagem dele será um alívio cômico, mas ele acaba assumindo perspectivas sociopolíticas ao longo da trama, e fiquei impressionado com o quanto as temáticas exploradas em um musical de 2008 ainda continuam relevantes nos dias de hoje.

A dinâmica entre a Daphne Rubin-Vega, a Stephanie Beatriz e a Dascha Polanco é uma das principais fontes de alívio cômico da trama, e funciona perfeitamente. Agora, se tem uma performance que precisa ser seriamente considerada como uma das possíveis indicadas ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, é a da Olga Merediz. Interpretando a “avó” do bairro, Merediz é a estrela principal de um dos melhores números musicais do filme. É simplesmente incrível como Miranda foi capaz de encaixar tanta história em uma canção de cinco minutos, uma capacidade que ele só iria aprimorar em “Hamilton”. E Merediz rouba toda cena em que ela aparece, devido à doçura e ao tom acolhedor de sua personagem. Em uma ponta quase simbólica, temos uma cena hilária com o próprio Lin-Manuel Miranda, onde os fãs de “Hamilton” irão surtar em conjunto devido ao contexto. Fiquem ligados na cena pós-créditos!

(When the adaptation was initially announced, with the direction of Kenny Ortega (director of the “High School Musical” trilogy), the plan was to cast high-level Latino celebrities, such as Jennifer Lopez and Shakira, to star in the film. Now, under the direction of Jon M. Chu, and the involvement of Hudes and Miranda in the production, no big name ended up on the cast. Most people would find that to be a negative point, but in my point of view, it's a great opportunity to showcase some new talents to the general audience.

Besides the musical's co-creator himself, there's no one more perfect to portray Usnavi than Anthony Ramos. Those who remember his dual performance as John Laurens and Philip Hamilton in “Hamilton” will know why he fits into the part so well. He's literally a younger Lin-Manuel Miranda. He's charismatic, very convincing, and as the cherry on top of that cake, he has a perfect voice and showstopping dance abilities. In the faster-paced songs, he manages to fit right into the melodies Miranda has created and mantains a pretty uniform quality in the slower pieces of music. I loved his performance. Due to all the abilities displayed by him here, I believe that his performance could be Oscar-material. His chemistry with Melissa Barrera's character is believable, almost palpable, and both actors do an outstanding job in building up the dynamic slowly, piece by piece, until it explodes in a very satisfying way towards the conclusion.

I was introduced to Corey Hawkins's work due to his fantastic performance as Dr. Dre in the film “Straight Outta Compton”, and I was really satisfied with his singing abilities when it comes to singing show tunes. Just as Ramos has chemistry with Barrera, Hawkins has an excellent dynamic with Leslie Grace's character, whose subplot is likely the most relatable one to the viewer. Grace is also fantastic in her role, and manages to inject her character's difficulties and challenges with a lot of honesty and authenticity, especially through her relationship with her father, portrayed by Jimmy Smits. I loved Gregory Diaz IV's role here. At first, one might think his character will be some sort of comic relief, but he ends up assuming sociopolitical perspectives throughout the plot, and I was impressed on how the themes explored in a 2008 musical still hold up as relevant in today's times.

The dynamic between Daphne Rubin-Vega, Stephanie Beatriz and Dascha Polanco is one of the film's main sources of comic relief, and it works perfectly. Now, if there's a performance that needs to be seriously considered as a likely contender to the Oscar for Best Supporting Actress, it's Olga Merediz's. Playing the neighborhood's “grandmother”, Merediz plays a central part in one of the film's most memorable musical numbers. It's simply amazing how Miranda manages to pack so much story into a 5-minute song, a quality he would only improve upon in “Hamilton”. And Merediz steals every scene she's in, due to her character's sweetness and welcoming personality. In an almost symbolic cameo, we have a hilarious scene featuring Lin-Manuel Miranda himself, where “Hamilton” fans will squeal in unison due to its context. Stay tuned for the post-credit scene!)



O uso extremamente sábio dos aspectos técnicos transforma “Em um Bairro de Nova York” em uma experiência muito dinâmica. A direção de fotografia da Alice Brooks é simplesmente perfeita. Em um modus operandi bem similar à câmera de “Cruella”, Brooks está sempre em movimento aqui. Durante os números musicais, que são bem mais animados e energéticos, esses movimentos nos ajudam a visualizar um ambiente mais largo, de modo que conseguimos ver todos aqueles que estão participando da cena. Há um número musical em especial que é feito em uma única tomada contínua, a qual é executada de maneira bem fluida. A montagem milimétrica do Myron Kerstein trabalha em conjunto com Brooks para transformar cada número musical em seu próprio videoclipe, em algo realmente cinematográfico.

Como toda adaptação musical baseado em espetáculos da Broadway, “Em um Bairro de Nova York” tem um trabalho de coreografia impecável, misturando o ritmo urbano do breakdance com o gingado e a sensualidade dos gêneros musicais latinos. As sequências envolvendo a coreografia são bem ágeis, nos impressionando com a proeza técnica das habilidades de dança do elenco. O trabalho feito nesse filme ganharia um Oscar de Melhor Coreografia, se tal categoria existisse. Há um uso fantástico e inventivo de efeitos visuais aqui, algo que eu realmente não esperava de um musical. Há uma sequência em particular envolvendo os personagens de Corey Hawkins e Leslie Grace que me lembrou MUITO de uma das cenas mais memoráveis de “A Origem”, de Christopher Nolan. Acho que pode receber uma indicação à Melhores Efeitos Visuais ano que vem.

E, é claro, temos a peça-chave de um musical: a trilha sonora, composta inteiramente por Lin-Manuel Miranda. Já podemos ver aqui alguns vestígios das habilidades de composição que Miranda iria evoluir em “Hamilton”: a agilidade na dicção dos versos, a presença predominante do rap e hip-hop, a diversidade nos gêneros musicais, a inserção de um andamento específico para cada personagem. Eu, particularmente, achei poucas músicas realmente memoráveis, mas creio que posso mudar de opinião ao escutá-las novamente. Mas no geral, são músicas muito gostosas de ouvir.

(The extremely wise use of the technical aspects transforms “In the Heights” into a very dynamic experience. Alice Brooks's cinematography is simply perfect. In a modus operandi that's quite similar to the camera work in “Cruella”, Brooks is always moving here. During the musical numbers, which are really agile and upbeat, these movements help us see the bigger picture, in a way we manage to see everyone who's participating in it. There's a particular musical number that's filmed in one continuous shot, which is executed in a very fluid way. Myron Kerstein's surgical editing works hand in hand with Brooks in order to transform every musical number into its own music video, into something really cinematic.

Just like every musical adaptation of a Broadway spectacle, “In the Heights” has a flawless amount of choreography, which mixes the urban rhythm of breakdancing and the swaying and sensuality of Latin music genres. The sequences involving choreography are quite agile, making an enormous impression on us with the cast's technical prowess in dancing abilities. The work done in this film would win an Oscar for Best Choreography, if that category existed. There's a fantastic, inventive use of visual effects here, something I totally didn't expect from a musical. There's a particular sequence involving Corey Hawkins and Leslie Grace's characters that reminded me A LOT of one of the most memorable scenes from Christopher Nolan's “Inception”. I think it can be nominated for Best Visual Effects next year.

And, of course, we have the key aspect of a musical: the soundtrack, which was entirely composed by Lin-Manuel Miranda. We are already able to see here some traces of the composing abilities that Miranda would improve upon in “Hamilton”: the agility in the verses' diction; the predominant presence of rap and hip-hop, the diversity in the musical genres, the insertion of a specific tempo for each character. I, particularly, found only a few songs to be truly memorable, but I believe I can change my mind after giving them another listen. But generally, these are very crowd-pleasing songs.)



Resumindo, “Em um Bairro de Nova York” é mais uma prova da genialidade de Lin-Manuel Miranda. Contando com uma história necessária, esperançosa e tematicamente relevante; performances extremamente dedicadas de seu diverso elenco; e um uso dinâmico e extraordinariamente bem calculado de seus aspectos técnicos, o filme é uma carta de amor, reafirmação e celebração da cultura latina nos EUA. Vejam na maior tela possível.

Nota: 9,0 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “In the Heights” is further proof of Lin-Manuel Miranda's genius. Relying on a necessary, uplifting and thematically relevant story; extremely dedicated performances by its diverse cast; and a dynamic and extraordinarily well calculated use of its technical aspects, the film is a true love letter of reaffirmation and celebration of the Latino culture in the United States. See it in the biggest screen you can find.

I give it a 9,0 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


sábado, 19 de junho de 2021

"Luca": mais uma prova da superioridade da Pixar em relação à Disney (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre a mais nova animação da Pixar, disponível no catálogo original do Disney+! Apostando em uma veia mais nostálgica do que experimental, o filme em questão é mais uma prova da superioridade da Pixar em relação à Walt Disney Animation Studios, pela sua história comovente, aconchegante e tematicamente atemporal, e pela sua animação, que remete aos excelentes primeiros filmes do estúdio. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Luca”. Andiamo!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about the most recent animated film by Pixar, which is available on Disney+'s original catalog! Betting on a more nostalgic vein than an experimental one, the film I'm about to analyze is further proof of Pixar's superiority in comparison to Walt Disney Animation Studios, for its touching, endearing and thematically timeless story, and for its animation, which takes us back to the studio's excellent first features. So, without further ado, let's talk about “Luca”. Andiamo!)



Ambientado na Riviera Italiana, o filme conta a história de Luca (voz original de Jacob Tremblay), um monstro marinho extremamente curioso que deseja subir à superfície e viver como os humanos, um sonho que é rejeitado fortemente por seus pais (vozes originais de Jim Gaffigan e Maya Rudolph). Certo dia, Luca conhece Alberto (voz original de Jack Dylan Grazer), outro monstro marinho que alimenta os sonhos de Luca e o convence a viver como humano na cidadezinha pesqueira de Portorosso, escondendo sua verdadeira natureza no processo.

(Set in the Italian Riviera, the film tells the story of Luca (voiced by Jacob Tremblay), an extremely curious sea monsters who wishes to go up to the surface and live like humans, a dream that's strongly rejected by his parents (voiced by Jim Gaffigan and Maya Rudolph). One day, Luca meets Alberto, another sea monster that supports Luca's dreams and convinces him to live as a human in the little fishing town of Portorosso, while hiding his true nature in the process.)



Antes de falar sobre o filme em si, vou dedicar algumas linhas para fortalecer o meu argumento de que os trabalhos da Pixar são bem melhores do que os filmes de sua proprietária, a Walt Disney Animation Studios. Primeiro, ao contrário da Disney, a Pixar sempre tenta investir em algo inovador em respeito às suas histórias, moldando as técnicas de animação de acordo com a visão estabelecida pelos realizadores. Às vezes, essas técnicas levam a animação para um lado mais experimental, ou investem numa veia mais vibrante e colorida, o que acaba despertando um sentimento de nostalgia no espectador. A melhor coisa sobre a Pixar é que a história pode ser a mais formulaica possível, que eles ainda encontram um jeito de fazer daquele filme uma obra-prima.

Segundo, a Pixar é o estúdio de animação com mais vitórias no Oscar de Melhor Filme de Animação, totalizando em onze vitórias contra quinze indicações, com duas vitórias consecutivas em 2020 (Toy Story 4) e 2021 (Soul). Terceiro, eu até fiz um teste com o meu irmão ontem. Pedi para ele me citar cinco filmes da Disney. Dos 5 que ele citou, 4 foram da Pixar, tamanha a memória que ele tem dos filmes do estúdio.

Com isso dito, eu estava bem animado para assistir “Luca”. Já sabia que não iria chegar no mesmo patamar que “Soul” chegou, mas fiquei apaixonado pelo visual vibrante e nostálgico divulgado pelo material promocional, despertando uma vontade dentro de mim de viajar para a Itália, quando tudo isso acabar (Risos). Os trailers me deram uma vibe incrível de filmes sobre amadurecimento (ou coming-of-age, um dos meus gêneros favoritos), o que aumentou minhas expectativas consideravelmente. E, ainda por cima, o diretor Enrico Casarosa falou que “Luca” é um projeto extremamente pessoal para ele, inspirado na sua própria infância, época onde ele conheceu seu melhor amigo. Quando soube disso, tinha certeza que “Luca” iria ser um ótimo filme. E, felizmente, estava certo.

Ok, vamos falar do roteiro. Escrito por Casarosa, Jesse Andrews e Mike Jones (este último também responsável por co-escrever o roteiro de “Soul”), o enredo de “Luca” joga pela janela a vibe ambiciosa e experimental de filmes como “Wall-E”, “Divertida Mente” e “Soul”, e investe em algo mais descompromissado e “normal”, o que me fez lembrar muito das produções menos inovadoras do estúdio, lançadas entre filmes como os citados acima. Para fazer isso, os roteiristas inseriram seus personagens em uma fórmula bem conhecida para qualquer espectador: “Uma criança extremamente curiosa e apaixonada por um certo lugar, cultura ou objeto tem seu sonho fortemente rejeitado por sua família, que deseja encaixá-la na estrutura tradicional familiar, estabelecida há muito tempo.” Tenho certeza que você pensou nos mesmos filmes que eu: “Tá Chovendo Hambúrguer”; “Valente”; “Viva – A Vida é uma Festa”; “Zootopia”; “A Pequena Sereia”; “Moana”; “Os Croods”. Houveram vários outros exemplos dessa mesma fórmula, e “Luca” certamente não será o último.

Mas mesmo investindo em uma estrutura narrativa bastante utilizada, Casarosa e sua equipe conseguem conquistar o coração do espectador com a atmosfera contagiante e aconchegante de sua ambientação, e com o carisma inegável do elenco de personagens. O primeiro destaque que gostaria de fazer em relação ao roteiro é a maneira com que os roteiristas conseguem desenvolver o personagem-título. Nós, como espectadores, conseguimos sentir o mesmo fascínio que o Luca sente ao descobrir, pouco a pouco, coisas novas sobre um ambiente que ele nunca teve a chance de experimentar. Assim como essa técnica foi utilizada de forma extremamente eficiente com o Miguel, de “Viva – A Vida é uma Festa”, aqui, essa estrutura também funciona perfeitamente. Nós nos sentimos na pele do protagonista, e isso nos leva ao segundo destaque do roteiro: a atmosfera nostálgica da ambientação.

Tirando o subtexto dos monstros marinhos, temos aqui uma clássica história de amadurecimento e autodescoberta centrada em uma amizade duradoura iniciada em uma viagem, tornando possível a identificação do espectador com os personagens e as situações em que eles se encontram. Se eu tivesse que combinar “Luca” com um sentimento na vida humana, seria aquele onde você conhece uma pessoa durante uma viagem momentânea e, no final da viagem, você acaba guardando aquela pessoa para a vida toda, mantendo o contato e até viajando mais vezes para aquele mesmo lugar para encontrá-la de novo. Eu nunca tive esse sentimento na vida, mas quero muito ter essa experiência.

Terceiro (e talvez essa possa ser a principal razão do porquê a história funciona), temos o caráter pessoal que a narrativa tem para o diretor. Como disse anteriormente, o filme é baseado na infância de Enrico Casarosa, época onde ele conheceu seu melhor amigo na Itália, cujo nome é o mesmo do melhor amigo do personagem-título de “Luca”. “Eu conheci meu melhor amigo quando eu tinha 11 anos”, disse o diretor em uma entrevista. “Eu era muito tímido e encontrei esse garoto encrenqueiro que levava uma vida completamente diferente. Eu queria fazer um filme sobre esses tipos de amizade que te ajudam a crescer.” Acho que nem é preciso dizer que Casarosa e sua equipe acertaram em cheio ao fazer um filme do tipo. E talvez o mais interessante seja que, ao inserir esse núcleo em um subtexto fantasioso, a história tenha um caráter mais humano. Algo bem similar aconteceu no ótimo “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” (detalhe: também da Pixar), que inseriu temas sérios como perda e luto em um cenário extremamente fantasioso, resultando em uma narrativa bastante humana, e ainda por cima, pessoal para o diretor Dan Scanlon, que, assim como Casarosa, baseou o filme na sua própria infância.

Por estes e outros motivos é que considero os filmes da Pixar bem melhores do que os da Disney. Algumas de suas narrativas podem não alcançar o mesmo nível de ambição e originalidade, mas devido ao sentimentalismo envolvente e ao caráter pessoal que alguns de seus realizadores injetam no projeto, estes filmes acabam conquistando o coração do espectador. Por isso achei “Luca” bem melhor do que “Raya e o Último Dragão”, lançado este ano pela Disney. Claro, a construção de mundo de “Luca” é bem mais intimista do que a de “Raya”, mas novamente, o filme de Casarosa compensa isso com o caráter nostálgico, humano e pessoal de sua história.

(Before I start talking about the film itself, I'll dedicate some lines to strengthen my point of view that Pixar's work in animation is miles better than the ones from its parent company, Walt Disney Animation Studios. Firstly, unlike Disney, Pixar always tries to invest in more innovative ways of storytelling, shaping the animation techniques according to the directors' established vision. Sometimes, these techniques lead the animation through a more experimental path, or through a more vibrant and colorful vibe, which ends up making the viewer feel nostalgic. The best thing about Pixar is that the story could be formulaic as hell, and they would still find a way to make it a masterpiece.

Secondly, Pixar is the animation studio that has the largest amount of Oscar wins for Best Animated Feature, with a total of eleven wins and fifteen nominations, with two consecutive wins in 2020 (Toy Story 4) and 2021 (Soul). Thirdly, I even did a test with my brother yesterday. I asked him to tell me the names of 5 Disney movies. From the five movies mentioned, four of them were Pixar's, due to his memory of the studio's films.

With that said, I was really excited to watch “Luca”. I already knew it wasn't going to try and reach the same heights as “Soul”, but I fell completely in love with the vibrant and nostalgic visuals released by the promotional material, seriously convincing me of making a trip to Italy when all this blows over (LOL). The trailers gave me this amazing coming-of-age (which is one of my favorite movie genres) vibes, which enhanced my expectations considerably. And, to top it off, director Enrico Casarosa stated that “Luca” is an extremely personal project to him, which was inspired by his own childhood, a time when he ended up meeting his best friend. When I became aware of that, I knew “Luca” was going to be a great film. And, fortunately, I was right.

Okay, let's talk about the screenplay. Written by Casarosa, Jesse Andrews and Mike Jones (the latter also being responsible for co-writing “Soul”), the plot for “Luca” throws the ambitious and experimental vibe of films like “Wall-E”, “Inside Out” and “Soul” out the window, and invests in something more uncompromised and “normal”, which reminded me a lot of the studio's less innovative productions, which were released inbetween films like the ones mentioned above. In order to do that, the screenwriters inserted their characters in a formula that's very well-known to any viewer: “An extremely curious child who's passionate for a certain place, culture or object has their dream being strongly rejected by their family, who wishes to fit them into the traditional family structure, which in turn was established years ago.” I'm sure you were thinking of the same films I did: “Cloudy with a Chance of Meatballs”, “Brave”, “Coco”, “Zootopia”, “The Little Mermaid”, “Moana”, “The Croods”. There are several other examples regarding this formula, and “Luca” certainly won't be the last.

But even though it invests in a widely known narrative structure, Casarosa and his crew manage to tug into the viewer's heartstrings with the setting's contagious and inviting atmosphere and the undeniable charisma from its cast of characters. The first thing I'd like to highlight about the screenplay is how the writers manage to develop the title character. We, as viewers, manage to feel the same fascination that Luca feels when finding out, bit by bit, new things about an environment he never had the chance to experience. Just as that technique was effectively used with Miguel, from “Coco”, here, that structure also works perfectly. We feel ourselves in the protagonist's skin, which leads us to our second screenplay highlight: the setting's nostalgic atmosphere.

If we take out the sea monster subtext, we have here a classic coming-of-age and self-discovery story centered on a long-lasting friendship which was started during a trip, making it possible for the viewer to relate to the characters and the situations which they find themselves in. If I had to match “Luca” with a feeling in human life, it would be that one where you meet someone during a temporary trip and, by the end of it, you end up remembering that person for life, keeping contact with them and even making subsequent trips to that exact same place in order to see them again. I never had that feeling in my life, but I long to have that experience.

Thirdly (and this might be the main reason why the story works), we have the personal touch that the narrative has to its director. As previously stated, the film is based on Enrico Casarosa's childhood, a time where he met his best friend in Italy, whose name is the same as the title character's best friend in “Luca”. “I met my best friend when I was 11 years old”, the director said in an interview. “I was really shy and I found this troublemaker of a kid who had a completely different life. I wanted to make a movie about those kinds of friendships that help you grow up.” I guess I don't even have to say that Casarosa and his crew hit the right spot when making a film like that. And maybe the most interesting thing is that, by inserting this core into a fantasy-like subtext, the story ends up having a more human side to it. Something really similar happened in the amazing “Onward” (detail: also a Pixar movie), which put serious themes like grief and loss in an extremely fantastical background, resulting in a very human and, above all, personal narrative for director Dan Scanlon, who, just like Casarosa, based his film on his own childhood.

It's because of these reasons and many more, that I consider Pixar's films to be far better than Disney's. Some of their narratives might not reach the same level of ambition and originality, but due to their endearing sentimentality and personal side some filmmakers inject in their work, these films end up capturing the viewer's heart. That's why I found “Luca” to be much better than “Raya and the Last Dragon”, a film released this year, by Disney. Sure, the worldbuilding in “Luca” is far more intimate than the one in “Raya”, but once again, Casarosa's film makes up for that with the nostalgic, human and personal side to its story.)



Uma das melhores coisas que a Pixar sabe fazer é criar personagens extremamente carismáticos que, ao final do filme, despertam uma vontade no espectador de vê-los novamente em um projeto futuro, e “Luca” não é uma exceção. Aqui, o desenvolvimento de personagens é especialmente bem feito, porque, diferente de filmes maiores como “Toy Story 4” e “Soul”, “Luca” foi feito em menor escala, permitindo que os poucos personagens do longa sejam muito bem trabalhados no tempo de duração extremamente conciso de 1 hora e 35 minutos. O fio condutor do filme é, sem dúvidas, a dinâmica entre o Luca e o Alberto, e as personalidades contrastantes dos dois personagens rendem boas risadas para o espectador. Enquanto o Luca é tímido, inseguro, e não sabe de quase nada da superfície; o Alberto é mais confiante, corajoso e tem certos conhecimentos sobre a superfície, a maioria deles equivocados. A amizade entre os dois é muito comovente, tocante e bem humana, mesmo com todo o subtexto de monstros marinhos.

Temos também uma protagonista feminina, chamada Giulia, que me lembrou bastante da Ellie criança em “Up: Altas Aventuras”. Ela é determinada, cheia de energia, atlética, e a dinâmica dela com o Luca e o Alberto é uma das principais formas que os roteiristas usam para criar um conflito na trama, especialmente através da competição entre ela e o principal antagonista do filme. Como todos os outros filmes feitos com a mesma fórmula narrativa citada no bloco anterior, temos aqui os dois pais “tradicionais”, que reprimem os sonhos do protagonista, ameaçando-o com um certo castigo se ele quebrasse as regras. E é claro, há a avó, que é a única familiar que apoia o personagem principal em sua jornada, assim como aconteceu em filmes como “O Lórax” e “Moana”.

Um dos melhores personagens do filme, se não for o melhor, é o pai da Giulia. Ele me lembrou MUITO do pai do Flint em “Tá Chovendo Hambúrguer”, através de características físicas, como o fato dos olhos dos dois estarem escondidos sob as grandes sobrancelhas, e também pelo arquétipo de ser alguém endurecido por fora, mas mole de coração. Eu amei o desenvolvimento dele ao longo da trama. Ele é o personagem que mais sofre mudanças desde sua primeira aparição à última, e a transformação foi feita de forma bastante gradativa, o que é ótimo. E, obrigatoriamente, temos o acompanhante animal da vez, representado pelo gato de Giulia e de seu pai, cujo nome diz muito sobre a personalidade do personagem, e rende ótimas risadas.

(One of the best things Pixar knows how to do is that they know how to create extremely charismatic characters who, by the end of the film, make the viewer desperately want to see them again in a future project, and “Luca” is no exception. Here, the character development is especially well done, because, unlike bigger films such as “Toy Story 4” and “Soul”, “Luca” was made on a smaller scale, allowing the film's few characters to be very well developed throughout its extremely concise running time of 1 hour and 35 minutes. The main conductive force of the film is, without a doubt, the dynamics between Luca and Alberto, and their contrasting personalities are a main source of laughs for the viewer. While Luca is shy, insecure, and knows nothing about the surface; Alberto is more confident, more courageous, and has certain amounts of knowledge about the surface, getting most of it wrong. The friendship between the two of them is very touching, endearing and human, even with all the sea monster subtext.

We also have a female protagonist, called Giulia, who reminded me a lot of Ellie as a kid in “Up”. She's determined, filled with energy, athletic, and her dynamics with Luca and Alberto are one of the main ways the screenwriters find of creating some conflict in the plot, especially in her relationship with the film's main antagonist. As in any other film made in the same narrative formula, mentioned in the previous paragraphs, we have the two “traditional” parents, who strongly reject the protagonist's dreams, threatening him with some sort of punishment, if he ever broke the rules. And of course, there's the grandmother, who's the only relative that's supportive of the main character's journey, as it happened in films like “The Lorax” and “Moana”.

One of the film's best characters, if not the best one, is Giulia's father. He reminded me A LOT of Flint's father in “Cloudy with a Chance of Meatballs”, through physical features, such as the fact that both characters' eyes are concealed by their eyebrows, and also through the archetype of being someone hardened on the outside, but actually has a soft spot inside. I loved his development throughout the plot. He was the character that changed the most from his first appearance to the last, and the transformation happened very gradually, which is excellent. And, obviously, we have the animal sidekick, represented here by Giulia and her father's cat, whose name says a lot about his personality, and ends up being a good source of comic relief.)



Como disse anteriormente, as técnicas de animação de projetos da Pixar são moldadas a partir da visão estabelecida pelos realizadores. Enquanto filmes como “Toy Story 4”, “Os Incríveis 2” e “Soul” quiseram inovar nesse aspecto, investindo em algo mais experimental e fotorrealista, “Luca” investiu em um visual extremamente nostálgico, marcado pelo uso intenso da luz solar, que destaca vários detalhes do design dos personagens, e acaba por dar um tom bem refrescante de filme de verão. Eu gostei bastante da identidade visual que os animadores deram à Riviera Italiana, a ponto de terem me convencido a viajar para lá quando tudo isso acabar.

O melhor é que, como o próprio diretor é italiano, ele encontra na animação (e na trilha sonora) um jeito de homenagear sua própria cultura. As comidas são extremamente atraentes, nos deixando com água na boca. As cores das casas de Portorosso são típicas da Riviera Italiana. As Vespas!! EU PRECISO DE UMA VESPA! De preferência, vermelha! (Risos) É tudo muito colorido, vibrante, e me lembrou bastante do visual dos filmes do Studio Ghibli, em especial “A Viagem de Chihiro” e “O Castelo Animado”. Os movimentos dos personagens também me lembraram muito dos primórdios da animação, que foram homenageados de forma brilhante no jogo “Cuphead”.

Há um fato bem interessante sobre a trilha sonora instrumental de “Luca”: originalmente, era para ter sido composta pelo inigualável Ennio Morricone, compositor italiano responsável pelas melhores trilhas sonoras de faroeste de todos os tempos. Mas, infelizmente, Morricone faleceu antes de ter sido convidado a trabalhar no filme. Mas não se preocupem: Dan Romer deu conta do recado. Composta de faixas dominadas por dedilhados no violão e orquestras em constante harmonia, a trilha sonora instrumental de “Luca” consegue remeter à cultura italiana e, ainda por cima, servir como homenagem ao falecido compositor que a teria composto. A trilha sonora compilada é composta de verdadeiros clássicos italianos da década de 1960, que variam de óperas muito conhecidas até ícones do rock italiano. Uma verdadeira homenagem à música do país.

(As previously stated, the animation techniques in Pixar's project shape themselves from the vision established by their filmmakers. While films like “Toy Story 4”, “Incredibles 2” and “Soul” wanted to innovate in that aspect, pushing into something more experimental and photorealistic, “Luca” invested in an extremely nostalgic visual, marked by the intense use of sunlight, which highlights several details in the character design, and ends up giving the film a refreshing summer event feel. I really liked the visual identity that the animators gave to the Italian Riviera, to the point they've convinced me to go there once all of this blows over.

The best thing is, as the director himself is Italian, he finds in the animation (and in the soundtrack) a way of paying homage to his own culture. The food is very visually pleasing, succeeding in making the viewer hungry to eat it. The colors of the houses in Portorosso are typical of the Italian Riviera. The Vespas!! I NEED A VESPA!! If I had to choose one color, it would definitely be red! (LOL) It's all very colorful, vibrant, and it really reminded me of the visuals from some of Studio Ghibli's films, specifically “Spirited Away” and “Howl's Moving Castle”. The characters' movements also reminded me a lot of the early stages of animation, which were recreated brilliantly in the videogame “Cuphead”.

There's a very interesting fact regarding the original score for “Luca”: originally, it was going to be composed by the one and only Ennio Morricone, an Italian composer who's responsible for giving us the greatest Western film scores of all time. But, unfortunately, Morricone passed away before being invited to work on the film. But rest assured: Dan Romer knocks it out of the park. Composed by tracks dominated by guitar playing and orchestras in perfect harmony, the original score for “Luca” manages to feel like Italian music, and, on top of it, serve as an homage to the late composer that was supposed to write it. The compiled soundtrack is composed of true Italian classics from the 1960s, which vary from well-known operas to Italian rock icons. A true homage to the country's music.)



Resumindo, “Luca” é mais uma prova da superioridade da Pixar em relação à Disney. Armado com uma história tocante, tematicamente atemporal e pessoal para seu realizador; personagens extremamente carismáticos e humanos; e técnicas de animação que nos remetem às primeiras produções do estúdio, o filme de estreia de Enrico Casarosa é uma verdadeira homenagem à cultura italiana. E, ao mesmo tempo, prova que, mesmo sendo feito em menor escala, a capacidade da Pixar em contar histórias com as quais o espectador possa se identificar continua impecável.

Nota: 9,5 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Luca” is further proof of Pixar's superiority in comparison to Disney. Armed with a touching, thematically timeless and personal story for its filmmaker; extremely charismatic and human characters; and animation techniques that take us back to the studio's first productions, Enrico Casarosa's feature-length directorial debut is a true homage to Italian culture. And, at the same time, it proves that, even if it's being made in a smaller scale, Pixar remains flawless in their capacity of telling stories that can be relatable to the viewer.

I give it a 9,5 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)