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sexta-feira, 4 de junho de 2021

"Bo Burnham: Inside": uma exploração brilhante dos estágios crescentes de angústia pandêmica (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos lançamentos mais recentes no catálogo original da Netflix! Marcando o retorno de um dos melhores comediantes desta geração, o especial de comédia em questão encontra seu criador em total controle de sua obra, resultando no seu melhor trabalho até agora, e na melhor exploração da angústia que alguém poderia sentir em uma época como essas. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Bo Burnham: Inside”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the most recent releases in Netflix's original catalog! Marking the return of one of our generation's greatest comedians, the comedy special I'm about to analyze finds its creator in total control of his craft, resulting in his finest work to date, and in the best exploration of the anguish someone could feel at times like these we're living in. So, without further ado, let's talk about “Bo Burnham: Inside”. Let's go!)



Cinco anos após sua última aparição nos palcos, o comediante estadunidense Bo Burnham retorna em um especial de comédia concebido, escrito e filmado inteiramente em sua casa, em Los Angeles. Com o auxílio de técnicas de iluminação inventivas, Bo reflete sobre uma época incomum através de novas canções e comentários sobre temas recentes, como a vida em isolamento, o domínio da internet sobre nosso cotidiano e a superficialidade de perfis de redes sociais.

(Five years after his last appearance on the stage, American comedian Bo Burnham returns in a comedy special conceived, written and filmed entirely in his home, in Los Angeles. With the help of inventive lighting techniques, Bo reflects on these unusual times through new songs and commentary on recent themes, such as life in isolation, the internet's domination over our everyday life, and the one-dimensional character of social media profiles.)



Conheci o trabalho de Bo Burnham ano passado, já durante a pandemia. Eu mesmo tinha passado por um período difícil de ansiedade no início de 2020, e ver o trabalho de Burnham me ajudou muito a passar por essa época incomum. Para quem não conhece os especiais de stand-up e filmes desse comediante e diretor fantástico, só digo que ele consegue misturar muito bem um senso de humor satírico e ácido com um realismo impressionantemente relevante (se você quiser saber mais sobre Burnham e seu trabalho, leia essa postagem que escrevi ano passado: https://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/09/rindo-atraves-da-dor-3-obras-para.html).

Tendo visto seu especial de 2016, intitulado “Make Happy” (disponível na Netflix), cinco vezes, eu meio que enlouqueci quando Burnham anunciou que tinha feito um novo especial durante a pandemia. Atraído pelo caráter irreverente e satírico do seu trabalho em stand-up, eu esperava que ele explorasse esse período complicado e incomum em que estamos vivendo com a mesma mistura de sátira e realismo que marcou seus trabalhos anteriores.

E fico muito feliz em dizer que “Bo Burnham: Inside” é a melhor coisa que eu vi este ano até agora, e também é a melhor produção original da Netflix lançada em 2021, até o presente momento. Mas antes de falar sobre o especial em si, gostaria de incentivá-los a assistirem os trabalhos anteriores do Bo, intitulados “what.” (disponível no YouTube) e “Make Happy” (original Netflix), antes de assistir “Inside”, já que os três especiais seguem uma linha de raciocínio bem similar. Em “what.” e “Make Happy”, Burnham explora, de maneira sutil e metafórica, a ansiedade e a dificuldade de lidar com a fama, a qual iria levá-lo a deixar os palcos em 2016. Em “Inside”, especialmente devido à pandemia, este tema é abordado com mais profundidade e de uma forma mais explícita, resultando em uma exploração brilhante da angústia e da falta de significado que alguém poderia sentir durante um período complicado como este.

Já digo de passagem que este é, propositalmente, o menos engraçado dos especiais de Burnham lançados até agora. Claro, ele não é isento de humor, mas devido à abordagem escolhida por seu criador e protagonista, é o trabalho mais sério, cru e honesto dele até o momento. E parte dessa honestidade vem dos depoimentos espalhados por entre os vários números musicais disponíveis no tempo de duração conciso de 1 hora e 27 minutos. Mas vamos falar disso mais à frente.

Mesmo não chegando no nível cômico de seus trabalhos anteriores, o material escrito por Burnham consegue ser relevante para os dias atuais, abordando temas como a Internet e seu domínio sobre o nosso dia a dia, o posicionamento de empresas perante à demanda do público de ver estas empresas apoiando certas causas sociais, atividades que viraram comuns e corriqueiras devido ao isolamento. Ele lida com todos esses temas com um teor bem descontraído, à primeira vista, mas gradualmente, o material de Burnham vai adotando o realismo necessário que marcou seus especiais anteriores.

Um dos temas mais presentes em “Inside” é, sem sombra de dúvidas, o caráter essencial que a Internet obteve durante a pandemia. Através de canções bem-humoradas e satíricas, Burnham aborda a presença das chamadas em vídeo com nossos entes queridos; a quantidade imensa e esmagadora de conteúdos disponíveis na World Wide Web, e como os algoritmos podem nos levar à lugares indesejáveis; e a similaridade na identidade visual dos perfis no Instagram de um grupo bem específico de usuários.

Uma coisa que fico feliz que Burnham não tenha perdido é sua capacidade de brincar com as expectativas do seu público, e talvez até subvertê-las para ter um efeito mais forte no espectador. Por exemplo, há um segmento onde o comediante está vestido com cores vibrantes, bem arrumado e tocando uma música bem animada no teclado, no estilo dos Muppets e “Vila Sésamo”, onde ele conta como o mundo funciona, através da colaboração entre todos os seres vivos. Aí, no segundo verso da canção, ele traz um fantoche de meia (mais “Vila Sésamo” que isso, impossível), que fala como o mundo realmente funciona, com as hierarquias entre classes e constantes lutas sociais. É eficiente, é hilário, e lembra bastante o trabalho do comediante nos palcos, o que é ótimo.

(I got to know Bo Burnham's work last year, during the pandemic. I, myself, had gone through a difficult period of anxiety in early 2020, and watching Burnham's work helped me immensely in going through these unusual times. For those who aren't familiar with the stand-up specials and movies by this amazing comedian and filmmaker, I'll just say that he manages to perfectly mix an acid and satirical sense of humor with an impressively thought-provoking dose of realism (if you'd like to learn more about Burnham and his work, take a look at this post I wrote last year: https://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/09/rindo-atraves-da-dor-3-obras-para.html).

Having watched his 2016 special, “Make Happy” (which is also available on Netflix), five times, I kind of lost my mind when Burnham announced he had made a new special during the pandemic. Attracted by the irreverent and satirical tone established in his stand-up work, I'd expected him to explore this complicated and unusual period with the same mix of satire and realism that made such an impression in his previous work.

And I'm very glad to say that “Bo Burnham: Inside” is the best thing I've seen this year so far, as well as the best Netflix original release of 2021, to this day. But before talking about the special itself, I'd like to ask you to watch Bo's previous stand-up work, titled “what.” (available on YouTube) and “Make Happy” (Netflix original), before watching “Inside”, as the three specials follow a very similar train of thought. In “what.” and “Make Happy”, Burnham explores, in a subtle and metaphorical way, his anxiety and his difficulty in dealing with fame, which ended up leading him into leaving the stage in 2016. In “Inside”, especially due to the pandemic, this theme is dealt with in more depth and in a more explicit manner, resulting in a brilliant exploration of the anguish and lack of meaning one might feel at a complicated time like this.

I'll say right away that this is, purposefully, the least funny out of Burnham's specials released to this day. Sure, it's not completely devoid of humor, but due to the approach chosen by its creator and protagonist, it's his most serious, raw and honest work to date. And part of that honesty comes from the statements sprinkled throughout the several musical numbers in its concise running time of 1 hour and 27 minutes. But we'll talk about that more ahead.

Even though it doesn't reach the comedic heights of his previous specials, the material Burnham wrote for “Inside” manages to be very relevant for today's times, dealing with themes such as the Internet and its dominion over our daily life, companies making a stand due to the public's demand of knowing their side on certain social aspects of life, activities that became common and trite due to the isolation. He deals with these themes in a very uncompromised manner, at first, but gradually, Burnham's material ends up adopting the necessary realism that marked his previous work.

One of the most present themes in “Inside”, without a doubt, is the essential character that the Internet obtained during the pandemic. Through well-humored and satirical songs, Burnham approaches the frequent video calls we make with our loved ones; the enormous and overwhelming amount of content available on the World Wide Web, and how the algorithms may lead us to places we don't want to go; and the astounding similarity in the visual identity of a very specific group of Instagram users.

One thing I'm glad to see that Burnham didn't lose is his ability to play with his audience's expectations, and maybe even subverting them to make a stronger impression on the viewer. For example, there's a segment where the comedian is dressed up in vibrant colors, tidied up and playing an upbeat song on his keyboard, in a style similar to the Muppets or “Sesame Street”, where he tells how the world works, through the collaboration between all living beings. Then, in the song's second verse, he brings out a sock puppet (you can't get more “Sesame Street” than that), who says how the world actually works, with the hierarchy among classes and constant social struggles. It's effective, it's hilarious, and it reminded me a lot of something he could've done live, which is great.)



Mas, assim como a vida, “Inside” também tem seus momentos sérios, compostos pelos depoimentos feitos por Burnham, entre as canções bem-humoradas e satíricas. E é muito interessante ver o comediante transitando entre sua faceta mais descontraída e seu lado mais realista e sério. Durante estes segmentos, Bo explica, de forma crua, honesta, e reflexiva, como surgiu a ideia para fazer este especial, a condição da sua saúde mental, e suas dificuldades em encontrar um espírito cômico em tempos onde quase não é possível achar algo para fazer graça. São momentos bem difíceis de ver, mas felizmente, eles são muito bem equilibrados com os momentos engraçados, dando uma vibe tragicômica para “Inside”, e aprofundando na diversidade temática do trabalho de Burnham.

O fato do especial não ter sido gravado em uma ordem especificamente cronológica permite que o espectador veja “Inside” como uma exploração dos vários estágios crescentes de angústia pandêmica, através dos olhos do protagonista. É muito interessante como o especial começa bem engraçado, e gradualmente, ele vai lidando com temas mais sérios. Há uma música em particular perto da conclusão que explora a ansiedade do autor com muita delicadeza, mas sem deixar o realismo característico da sua obra de escanteio.

Mas a característica mais evidente do trabalho do Bo é o contraste feito pela inserção de temas sérios em segmentos que, à primeira vista, pareciam ser mais descontraídos. Exemplos disso nas canções dele incluem “Left Brain, Right Brain”, onde Burnham interpreta os dois extremos de seu cérebro, que se encontram em conflito; “Channel 5: The Musical”, que conta a história de um canal de notícias que noticia tragédias de um modo otimista, alienando o público; e a fantástica “Can't Handle This”, número de encerramento de “Make Happy”, seu especial de 2016. Essa característica ainda é muito presente em “Inside”, principalmente na segunda metade. Por exemplo, há um segmento onde ele finge ser um gamer, fazendo uma transmissão de um jogo que leva o mesmo título que o especial. No “jogo”, ele controla o próprio Burnham, que está preso em um quarto minúsculo, com a porta trancada. E as duas únicas ações disponíveis para o jogador são: fazer o personagem chorar ou tocar uma música no seu teclado. Pode parecer um pouco simples à primeira vista, mas quando se para pra pensar, pode ser até uma reflexão do que Burnham passou para trazer esse especial para as nossas telas.

(But, just like life itself, “Inside” also has its serious moments, composed by the aforementioned statements made by Burnham, inbetween the humorous, satirical songs. And it's really interesting to see the comedian changing between his more uncompromised side and a more realistic, serious side of himself. During these segments, Bo explains, in a very raw, honest and thought-provoking way, how he came up with the idea for this special, his mental health's condition, and his difficulties in finding a comical state of mind in times where we can't find almost anything to joke about. These are very tough moments to watch, but luckily, they are very well-balanced with the funny moments, giving “Inside” a tragicomic vibe, and deepening the thematic diversity in Burnham's work.

The fact the special wasn't recorded in a specifically chronological order allows the viewer to see “Inside” as an exploration of the several crescent stages of pandemic anguish, through the protagonist's eyes. It's very interesting to see how the special starts off as really funny, and gradually, it treads through some more serious themes. There's a song in particular, near the special's conclusion, that deals with the writer's anxiety with plenty of delicateness, yet it doesn't leave his work's characteristic realism aside, which is amazing.

But the most evident aspect in Bo's work is the contrast he makes by putting serious themes in segments that, at first, seemed uncompromised. Some examples of that in his songs include “Left Brain, Right Brain”, where Bo plays the two extremes of his brain, who are constantly fighting; “Channel 5: The Musical”, which tells the story of a news channel that reports tragedies in an optimistic tone, alienating the audience; and the fantastic “Can't Handle This”, the closing number of “Make Happy”, his 2016 special. This aspect is still very present in “Inside”, especially in its second half. For example, there's a segment where he pretends to be a gamer, live-streaming a gameplay of a videogame which carries the same title as the special. In the “game”, he controls Burnham himself, who is stuck inside a tiny room, with the door locked. And the only two actions available for the player are: to make the character cry, or to make him play a song on the piano. It might seem a little simple at first, but when you stop and think about it, it could be a representation of what Burnham went through to bring this special to our screens.)



Mas o que me deixou mais impressionado em “Inside” é a proeza técnica que Burnham conseguiu alcançar sozinho e, ainda por cima, em isolamento. Após sua saída dos palcos em 2016, Bo escreveu e dirigiu seu elogiado e premiado primeiro filme, “Oitava Série”, o qual eu altamente recomendo que vocês também assistam. E ele assume aqui as funções de diretor de fotografia, montador, compositor e diretor, colocando em prática todo o aprendizado obtido na produção de “Oitava Série”, resultando no seu trabalho mais autoral até o momento.

Ele consegue fazer enquadramentos bem simétricos, que conseguem remeter à uma vibe de teatro e às suas raízes no stand-up. Talvez a coisa mais interessante que ele fez foi brincar com a iluminação artificial do ambiente, criando sombreamentos e fundos digitais que deram mais profundidade e identidade visual para um galpão de quatro paredes. Burnham também brinca muito com o formato de tela, que vai mudando constantemente, de acordo com o tema que está sendo abordado em cada segmento. Por exemplo, se o tema de uma música for chamadas de vídeo, a tela assume uma resolução que representa o formato vertical de uma tela de celular em chamada de vídeo; se o tema de outra for o Instagram, a tela assume o mesmo formato que as fotos de Instagram, cortadas em quadrados. Isso acaba por dar a cada música o seu próprio videoclipe estilizado, o que é incrível.

Outra coisa que me deixou bastante impressionado foi a produção das músicas. Grande parte delas parece ter sido gravada em estúdios, tamanha a qualidade técnica da produção e mixagem. Há aqui um uso brilhante de vozes de fundo, sintetizadores de voz, e batidas instrumentais, que parecem dar às músicas um caráter bem produzido, mas ao mesmo tempo, evocar um sentimento de que o próprio espectador poderia fazer algo no mesmo estilo, o que é até inspirador, para falar a verdade.

(But what impressed me the most about “Inside” is the technical prowess Burnham was able to achieve alone, and to top it off, in isolation. After his last bow on stage in 2016, Bo wrote and directed his heavily awarded and acclaimed first film “Eighth Grade”, which I highly recommend for you to watch as well. And here, he takes over the duties of cinematographer, editor, song and score composer and director, putting to practice everything he learned during the production of “Eighth Grade”, resulting in his most auteur-like work to date.

He manages to make some pretty symmetrical frames, which manage to make us feel a theatrical vibe, as a callback to his roots as a stand-up comedian. Perhaps the most interesting thing he managed to do was to play with the environment's artificial lighting, creating shadows and digital backgrounds that inject depth and visual identity to a four-wall room. Burnham also plays a lot with the screen format, which constantly changes, according to the theme approached in every segment. For example, if a song's theme was video calls, the screen takes on a resolution that represents the vertical format of a cellphone screen during a video call; if another song's theme was Instagram, the screen takes on the same format as Instagram photos, cut into squares. This ends up giving each song its own stylized music video, which is amazing.

Another thing that impressed me a lot was the songs' production. A great part of them seemed like it was recorded in a studio, due to the production and mixing's technical quality. There's a brilliant use of background voices, voice synths and instrumental beats here, which seem to give the songs a very well produced vibe, but at the same time, evoke a feeling that the viewer could be able to create something in a similar style, which is even inspiring, to tell the truth.)



Resumindo, “Bo Burnham: Inside” é uma obra-prima. Encontrando seu criador e protagonista em sua melhor forma e em total controle de sua obra, este especial de comédia único é uma exploração brilhante, satírica, engraçada, e ao mesmo tempo, séria e reflexiva dos diferentes estágios de angústia que uma pessoa poderia sentir em um período complicado como esse. É a melhor coisa que eu vi este ano até agora, a melhor produção original da Netflix em 2021, e a melhor obra sobre a pandemia do COVID-19 até o momento.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Bo Burnham: Inside” is a masterpiece. Finding its creator and protagonist in his best form and in total control of his craft, this one-of-a-kind comedy special is a brilliant, satirical, funny, and at the same time, serious and thought-provoking exploration of the different stages of anguish a person could feel at complicated times like these. It's the best thing I've seen this year so far, the best Netflix original production of 2021, and the best work about the COVID-19 pandemic to this day.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


2 comentários: