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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos lançamentos mais recentes nos cinemas, e o novo filme de um dos meus diretores favoritos! Encontrando o seu diretor fora de sua zona de conforto e contando com performances competentes de um elenco imensamente talentoso, o filme em questão é um suspense psicológico sensacional, que funciona tanto como um estudo de personagem para seu protagonista, quanto como um conto moralista sombrio sobre os efeitos colaterais da manipulação e da corruptibilidade humana. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “O Beco do Pesadelo”. Vamos lá!
(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the most recent releases now showing on theaters, and the new film by one of my all-time favorite directors! Finding its director outside his comfort zone and relying on competent performances by an immensely talented cast, the film I'm about to review is a sensational psychological thriller, which works both as a character study for its protagonist, and as a dark morality tale on the side effects of manipulation and human corruptibility. So, without further ado, let's talk about “Nightmare Alley”. Let's go!)
Baseado no romance “O Beco das Ilusões Perdidas”, escrito por William Lindsay Gresham, o filme acompanha Stanton “Stan” Carlisle (Bradley Cooper), um misterioso e ambicioso ajudante de um circo itinerante, que possui o talento de manipular as pessoas com algumas palavras bem escolhidas. Fugindo do circo com sua colega Molly (Rooney Mara), Stanton acaba organizando um show bem lucrativo de telepatia para ganhar a vida. Certo dia, ele faz uma parceria com uma psiquiatra (Cate Blanchett) tão manipuladora quanto ele, e essa aliança leva Stan em uma jornada extremamente perigosa, da qual será bem difícil voltar atrás.
(Based on the novel of the same name, written by William Lindsay Gresham, the film follows Stanton “Stan” Carlisle (Bradley Cooper), a mysterious, ambitious carny for a traveling carnival troupe, who has a talent for manipulating people with a few well-chosen words. Running away from the carnival with his stage partner Molly (Rooney Mara), Stanton ends up putting together a highly profitable mind-reading act in order to make a living. One day, he forms a partnership with a psychiatrist (Cate Blanchett) who's as manipulative as he is, and that alliance leads Stan on an extremely dangerous journey, from which it will be very hard for him to turn back.)
Bom, nem preciso dizer que é claro que eu estava muito animado para ver “O Beco do Pesadelo”. Em primeiro lugar, a obra seria o novo filme do cineasta mexicano Guillermo del Toro, responsável por filmes maravilhosos de fantasia sombria, como o vencedor de 3 Oscars “O Labirinto do Fauno” e o vencedor do Oscar de Melhor Filme “A Forma da Água”, os quais são alguns dos meus filmes favoritos do gênero. Em segundo lugar, seria o primeiro filme do diretor a não ter algum aspecto fantástico, o que permitiria que del Toro saísse um pouco do gênero que o consagrou aos olhos do público, e isso me deixou especialmente curioso.
Em terceiro lugar, “O Beco do Pesadelo” contaria com um elenco extremamente talentoso, liderado por nomes como Bradley Cooper, Cate Blanchett, Rooney Mara e Willem Dafoe, todos eles já reconhecidos aos olhos da Academia como atores muito competentes, sendo indicados ou até vencendo (no caso de Blanchett) uma das desejadas estatuetas douradas. Em quarto lugar, seria baseado no romance “O Beco das Ilusões Perdidas”, de William Lindsay Gresham, o qual já havia dado origem à uma adaptação cinematográfica, intitulada “O Beco das Almas Perdidas” e lançada em 1947. O longa comandado por Edmund Goulding é considerado um dos exemplos mais aclamados do subgênero noir, vertente do gênero de suspense, conhecida por retratar dramas sobre crimes, povoados por personagens moralmente cínicos e duvidosos.
Então, sim, minhas expectativas estavam consideravelmente altas para assistir ao novo filme de Guillermo del Toro, e, depois de esperar quase 2 anos por ele, finalmente tive a chance de ver “O Beco do Pesadelo” nos cinemas, e fico muito feliz em dizer que é o melhor filme do diretor desde “O Labirinto do Fauno”. Mesmo não tendo nenhum aspecto fantástico, del Toro consegue imprimir perfeitamente suas assinaturas narrativas e estéticas no seu filme mais realista até o momento, e isso colaborou para que a adaptação de 2021 do romance de Gresham se tornasse o meu favorito na presente temporada de premiações.
Ok, com isso dito, vamos falar sobre o roteiro. Adaptado pelo próprio Guillermo del Toro e por Kim Morgan, o primeiro destaque que gostaria de fazer em relação à narrativa é o seu passo, que é um pouco mais lento do que o de costume. Del Toro e Morgan constroem um suspense slow-burn (“que se queima lentamente”, em tradução livre) de primeira qualidade ao longo das extensas 2 horas e 30 minutos de “O Beco do Pesadelo”, dando ao espectador bastante tempo para se familiarizar com os personagens e o ambiente ao redor deles. Pode ser que, para alguns, o filme demore um pouco para “engatar”, mas, pelo menos, para mim, os roteiristas não desperdiçaram um segundo construindo este universo fictício para nós, fazendo com que cada momento que passemos com essas pessoas valha a pena.
O segundo destaque que gostaria de fazer no roteiro diz respeito à abordagem mais realista do diretor em relação ao enredo do filme. Não há absolutamente NADA remotamente fantasioso na narrativa adaptada por del Toro e Morgan, colaborando para que a adaptação do romance de Gresham alcance níveis máximos de humanidade, tensão e impacto. Inclusive, alguns momentos-chave ao longo das 2h30min de projeção me pegaram de surpresa, já que o diretor não recicla aqui a mesma estrutura narrativa de seus dois filmes mais famosos (“O Labirinto do Fauno” e “A Forma da Água”). Essa escolha criativa de uma abordagem mais realista permite que del Toro conduza uma história que se encontra fora de sua zona de conforto, como uma prova concreta de sua versatilidade como cineasta, o que é muito bom.
Mas (e é aqui que as coisas ficam interessantes), mesmo com a atmosfera e a vibe em geral de “O Beco do Pesadelo” sendo territórios desconhecidos para o diretor, a obra em questão consegue ser, com enorme sucesso, um filme legítimo de Guillermo del Toro, porque, mesmo sem nenhum aspecto fantasioso, a mensagem continua sendo a mesma dos filmes anteriores do cineasta. Tal mensagem seria: “Mesmo com monstros e criaturas fantásticas ameaçadoras, não há nada mais perverso do que o próprio ser humano”. Isso se aplica à tanto “O Labirinto do Fauno” quanto “A Forma da Água”, com suas criaturas fantásticas (um sapo gigante, um fauno e um homem-anfíbio) e os verdadeiros antagonistas, seres humanos sádicos e cínicos (Capitão Vidal e Coronel Strickland).
Falando em “seres humanos”, vamos ao terceiro destaque do roteiro: os personagens. Del Toro e Morgan fazem um admirável trabalho ao transformarem cada uma destas pessoas em alguém moralmente duvidoso, corruptível e deliciosamente misterioso. Os personagens que povoam a narrativa de “O Beco do Pesadelo” são os protagonistas mais humanos, crus e falhos retratados em um filme do diretor até o momento. Algo que reforça esse fato é a escolha do cineasta de não transformar os personagens em exemplos de pureza e heroísmo, idealizando-os para ganhar a simpatia do espectador. Pelo contrário, os roteiristas retratam os protagonistas sob uma luz especialmente trágica, distorcida e amarga, causando até uma espécie de aversão a eles no espectador, pelos atos manipulativos cometidos por eles ao longo da trama.
Outro detalhe que gostaria de apontar em relação ao roteiro diz respeito ao desenvolvimento do protagonista, interpretado pelo Bradley Cooper. Desde a cena inicial, os roteiristas deixam claro que Stanton Carlisle não é flor que se cheire. Mas o fato de Carlisle fazer coisas perversas ao longo da trama não o impede de ser absolutamente fascinante. Del Toro e Morgan fazem um trabalho excelente de ir lentamente desconstruindo a personalidade do personagem, especialmente pelo contraste entre as dinâmicas dele com as duas protagonistas femininas, interpretadas pela Cate Blanchett e Rooney Mara (que já atuaram juntas em “Carol”, de 2015). Os roteiristas conseguem equilibrar perfeitamente o charme e o carisma inerentes ao personagem com um caráter mais manipulativo e aproveitador, sempre deixando um vislumbre de mistério em suas feições, e essa mistura acaba por manter a atenção do espectador, o que é excelente.
Outro destaque, para mim, seriam os temas predominantes da narrativa, os quais perduram até hoje, imprimindo uma espécie de atemporalidade ao longa-metragem de del Toro e permitindo que “O Beco do Pesadelo” funcione como um conto moralista relevante e afiadíssimo. Temas como manipulação, enganação, traição e corrupção, especialmente na época povoada por fake news em que vivemos, permitem que o filme compartilhe a mesma atmosfera realista, suja, humana e sombria presente em filmes como “Taxi Driver”, “Coringa” e “Parasita”. Assim como os exemplos citados, a nova obra de del Toro consegue incomodar o espectador através de razões concretas e verdadeiras, especialmente por fazer-nos pensar que os eventos retratados na tela poderiam tranquilamente acontecer na vida real.
Um último aspecto que gostaria de ressaltar em relação ao roteiro diz respeito ao final do filme. Não se preocupem, não vou colocar nenhum spoiler aqui, mas posso dizer que del Toro e Morgan conseguem desenvolver de forma excepcional o arco narrativo do protagonista, do início ao derradeiro ato final. A jornada que Carlisle percorre ao longo da trama é escrita de forma tão perfeita, que acaba culminando em um dos melhores finais que eu vi em um filme nesses últimos tempos. A conclusão do arco do personagem de Cooper acaba sendo um exemplo excelente do que eu gostaria de chamar de “justiça poética”, sendo ainda mais impactante pelo fato dela se contrastar quase que completamente com as condições dele no início da trama.
Resumindo, o roteiro de “O Beco do Pesadelo” consegue funcionar, ao mesmo tempo, como um suspense psicológico extremamente eficiente e como um conto moralista atemporal, graças aos seus personagens moralmente duvidosos, à atmosfera noir cheia de tensão e ao passo mais lento da narrativa, permitindo, assim, que o cineasta Guillermo del Toro saia de sua zona de conforto repleta de fantasia e prove sua flexibilidade e versatilidade como diretor de histórias mais realistas, pé-no-chão e, especialmente, humanas. Bravo, Guillermo del Toro!
(Well, I don't even have to say that I was really excited to watch “Nightmare Alley”. Firstly, it would be the new film by Mexican director Guillermo del Toro, who is responsible for making wonderful dark fantasy films, such as the 3-Oscar-winning film “Pan's Labyrinth” and Best Picture winner “The Shape of Water”, which are some of my favorite films in the genre. Secondly, it would be the director's first film without any type of fantasy aspect to it, which would allow del Toro to step out of the genre that cemented him in the eyes of the audience, and that left me especially curious to check it out.
Thirdly, “Nightmare Alley” would count on the help of an extremely talented cast, led by names like Bradley Cooper, Cate Blanchett, Rooney Mara and Willem Dafoe, all of which were recognized by the Academy as very competent performers, being nominated or even winning (in Blanchett's case) one of the coveted golden statuettes. In fourth place, it would be an adaptation of the novel of the same name, written by William Lindsay Gresham, which had already been adapted to the big screen, in 1947, through a film eponymously titled after the novel. The Edmund Goulding-directed film became one of the most acclaimed examples of the film noir subgenre, a ramification of the thriller genre, which focuses on crime dramas, populated by morally cynical and doubtful people.
So, yes, my expectations were considerably high to watch Guillermo del Toro's latest film, and, after almost 2 years of waiting for it, I finally got the chance to watch “Nightmare Alley” on the big screen, and I'm really happy to say that it's the director's best film since “Pan's Labyrinth”. Even though it doesn't have any fantasy aspects to it, del Toro manages to successfully imprint his narrative and aesthetic signatures to his most realistic film to date, and that allowed the 2021 adaptation of Gresham's novel to become my favorite film in this year's award season, which is already in motion.
Okay, with that said, let's talk about the screenplay. Adapted by Guillermo del Toro himself and Kim Morgan, the first highlight I'd like to make in regards to the narrative is its pacing, which is slower than what we've come to expect. Del Toro and Morgan manage to build a top-tier slow-burn of a thriller throughout “Nightmare Alley”'s sweeping runtime of 2 hours and 30 minutes, giving the viewer plenty of time to be familiarized with the characters and the environment that surrounds them. It can be likely that, to some, it may take a long time to go straight to the point, but, at least, for me, the screenwriters didn't waste a single second while building this fictional universe for us, transforming every moment we spend with these characters into one that's worth our while.
The second highlight I'd like to make about the screenplay is the director's more realistic approach towards the film's plot. There isn't absolutely ANYTHING even remotely fantasy-like in the narrative adapted by del Toro and Morgan, so that the adaptation of Gresham's novel could be able to reach maximum levels of humanity, tension and impact. As a matter of fact, some key moments throughout the film's 2h30min runtime caught me by surprise, as the director doesn't recycle the narrative structure of his most famous films here (“Pan's Labyrinth” and “The Shape of Water”). That creative choice of a more realistic approach allows del Toro to lead a story that's located outside his comfort zone, as concrete proof of his versatility as a filmmaker, which is really good.
But (and this is where things get really interesting), even with the atmosphere and general vibe of “Nightmare Alley” being uncharted territory for the director, his work reviewed here manages to be, with astounding success, a legitimate Guillermo del Toro film, because even without the fantasy aspects, the overall message of the film remains the same as the one in his previous works. That message would be: “Even with these threatening, fantastical monsters and creatures, there isn't anything more evil and wicked than the human being”. That applies to both “Pan's Labyrinth” and “Shape of Water”, with their fantastical creatures (a giant frog, a faun, and an amphibian man) and its true antagonists, sadistic and cynical human beings (Captain Vidal and Col. Strickland).
Speaking of “human beings”, let's head into the script's third highlight: the character development. Del Toro and Morgan do an admirable job of turning each and every one of these people into someone that's morally ambiguous, corruptible and delightfully mysterious. The characters that populate the plot of “Nightmare Alley” are the most human, raw and flawed people to ever be in a del Toro film to date. One thing that reinforces that fact is the filmmaker's choice of not painting them as examples of perfection and heroism, idealizing them to gain the viewer's sympathy. On the contrary, the screenwriters choose to portray the protagonists under an especially tragic, twisted and bitter light, to the point of triggering the viewer with some sort of aversion towards these characters, because of the manipulative acts they get themselves into throughout the plot.
Another detail I'd like to point out about the screenplay is the development of the main character, played by Bradley Cooper. Since the film's opening scene, the screenwriters make it clear that Stanton Carlisle isn't a role model for viewers to look up to. But the fact that Carlisle does awful things to people throughout the plot doesn't stop him from being absolutely fascinating. Del Toro and Morgan do an excellent job in slowly deconstructing the character's personality, especially through the contrast between his dynamics with the two female protagonists, portrayed by Cate Blanchett and Rooney Mara (who shared the screen in 2015's “Carol”). The screenwriters manage to perfectly balance the character's inherent charm and charisma with a more manipulative, greedy attitude, while always leaving a hint of mystery in his features, and that mixture ends up keeping the viewer's attention, which is excellent.
Another highlight, for me, would be the narrative's predominant themes, which live on to today's times, imprinting some sort of timelessness to del Toro's film and allowing “Nightmare Alley” to work as a razor-sharp, relevant cautionary tale. Themes such as manipulation, deception, betrayal and corruption, especially in the fake news-filled times we're living in right now, allow the film to share the same realistic, dirty, human and dark atmosphere that was present in films like “Taxi Driver”, “Joker” and “Parasite”. Just like the aforementioned examples, del Toro's latest film manages to make the viewer feel uncomfortable through concrete and true reasons, especially as it makes us wonder that the events portrayed onscreen could easily happen in real life.
One last aspect I'd like to reinforce about the screenplay is directed towards the film's ending. Don't worry, I won't put any spoilers here, but I can say that del Toro and Morgan manage to develop the protagonist's narrative arc in a wonderful way, from the beginning to the very last minute of the final act. The journey that Carlisle goes through throughout the plot is written in such a perfect way, that it ends up culminating in one of the best ending scenes I've seen in a movie recently. The conclusion of Cooper's character arc ends up being an excellent example of what I like to call “poetic justice”, which becomes all the more impactful for almost completely contrasting with the character's conditions in the beginning of the plot.
To sum it up, the screenplay for “Nightmare Alley” manages to work, simultaneously, as a top-tier, effective psychological thriller and as a timeless cautionary tale, thanks to its stellar cast of morally ambiguous characters, its tension-filled noir atmosphere and the narrative's slower pacing, therefore, allowing filmmaker Guillermo del Toro to step out of his fantasy-filled comfort zone and prove his flexibility and versatility as a director of more realistic, down-to-earth and, especially, human stories. Bravo, Guillermo del Toro!)
Como dito anteriormente, o elenco de “O Beco do Pesadelo” tem tanto talento que chega até a dar inveja. Cada ator aqui entrega uma ótima performance e deixa sua marca na mente do espectador, mesmo que alguns personagens tenham mais tempo de tela que outros. Começando pelo Bradley Cooper, que encontra aqui seu melhor papel desde seu trabalho indicado ao Oscar em “Nasce uma Estrela”. Há muito carisma e charme envolvidos no desempenho do ator, que consegue transitar perfeitamente entre uma atitude mais ingênua e amigável e outra mais fria e manipuladora. Cooper consegue lidar com a desconstrução de seu personagem de uma maneira gradual e fluida, lentamente e cuidadosamente levantando o véu de mistério usado por ele ao longo da trama. Essa transição entre as várias facetas do protagonista é o verdadeiro destaque do trabalho do ator aqui, e há uma cena perto da conclusão do filme que justifica com primor uma provável indicação ao Oscar de Melhor Ator.
Eu amei como as protagonistas femininas foram trabalhadas na trama, já que o protagonista é desenvolvido especialmente através das dinâmicas contrastantes dele com estas personagens. De um lado, temos a Rooney Mara, que interpreta a personagem mais ingênua e pura da trama, e eu gostei bastante de como ela usa a doçura e o amor da personagem dela pelo protagonista para mantê-lo com os pés no chão. Esta “perfeição de espírito” presente na personagem de Mara é o que faz o trabalho da atriz ser convincente, e acaba por fazer o espectador desejar que nada de ruim aconteça com ela ao longo da trama. De outro, temos a Cate Blanchett, que interpreta aqui a femme fatale perfeita. Sedutora, misteriosa, convincente, hipnotizante, manipuladora, ameaçadora e levemente assustadora. Todas estas qualidades que definem uma boa femme fatale estão presentes na performance de Blanchett, que poderia muito bem ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante este ano.
Nos papéis de mentores do protagonista, temos performances menores, mas ainda memoráveis de Willem Dafoe, Toni Collette e David Strathairn. Dafoe rouba a cena como o mestre do picadeiro do circo itinerante, e é responsável pela maior parte da exposição narrativa do filme. É um papel que, em teoria, seria meio maçante de ver, mas a personalidade ambígua e ameaçadora do personagem de Dafoe faz com que suas cenas sejam algumas das melhores do filme. A Toni Collette interpreta a “vidente” do circo, e nós, como espectadores, vemos todo o planejamento que garante um bom resultado dessa “clarividência”, diferente do público do circo. A atriz consegue entregar uma performance extremamente convincente, que não entrega os truques por trás das cortinas, o que é muito bom. O David Strathairn interpreta um dos personagens mais melancólicos da trama, de modo que é impossível não sentir pena dele. Ele possui uma boa dinâmica com Cooper, e consegue deixar sua marca, mesmo com menos tempo de tela.
E, para finalizar, temos os personagens mais ameaçadores da trama, interpretados pelo Richard Jenkins e pelo Ron Perlman. Jenkins interpreta aqui um personagem bem diferente do Giles de “A Forma da Água”, obra anterior de del Toro. Ao invés da faceta amigável, apaixonante e bondosa do melhor amigo da protagonista do filme de 2017, somos apresentados à uma pessoa amarga, tomada pela culpa, e quase que completamente indecifrável para tanto o protagonista quanto o espectador. Jenkins faz um trabalho primoroso em ressaltar o caráter misterioso de seu personagem, o que acaba aumentando o nível de riscos presente na relação dele com o protagonista de Cooper. Eu esperava um pouco mais do personagem do Ron Perlman, para falar a verdade, especialmente perto da conclusão, sendo que ele compartilha uma dinâmica bem cativante e protetora com a personagem da Rooney Mara. Mesmo com muito pouco tempo de tela, ele consegue replicar as atitudes ameaçadoras e brutas que marcaram sua interpretação como Hellboy, o que eu achei bem legal.
(As previously said, the cast of “Nightmare Alley” has so much talent stored in one place, it's almost unfair. Each actor here delivers a great performance and leaves their mark on the viewer's mind, even if some characters have more screen time than others. Starting with Bradley Cooper, who finds his best role here since his Oscar-nominated turn in 2018's “A Star is Born”. There's a lot of charisma and charm involved in the actor's development, and he manages to perfectly travel inbetween a more naïve and friendly attitude and a colder, more manipulative one. Cooper excels in dealing with his character's deconstruction in a fluid and gradual way, slowly and carefully lifting the veil of mystery he uses throughout the plot. This transition between the protagonist's several “faces” is the real highlight of the actor's work here, and there's one scene near the film's conclusion that more than justifies a likely Oscar nomination for Best Actor.
I loved how the female protagonists were worked with throughout the plot, as the main character is mainly developed through his contrasting dynamics with these characters. On one hand, we have Rooney Mara, who plays the most innocent, pure character in the plot, and I really liked how she used her character's sweetness and love for the protagonist to keep his feet stuck to the ground. This “perfection of spirit” in Mara's character is what makes the actress's work convincing for the viewer, and that ends up making us hope that nothing bad happens to her throughout the plot. On the other hand, we have Cate Blanchett, who plays the perfect femme fatale here. Seductive, mysterious, convincing, hypnotizing, manipulative, threatening and slightly frightening. All these qualities that define a good femme fatale are present in Blanchett's performance, which might as well earn her a nomination for Best Supporting Actress at this year's Oscars.
In the roles of the protagonist's mentors, we have smaller, but memorable performances by Willem Dafoe, Toni Collette and David Strathairn. Dafoe steals the scene as the traveling carnival's ringmaster, and is responsible for most of the film's narrative exposition. It's a role that, in theory, would be very tiring for the viewer to sit through, but the ambiguous and threatening personality of Dafoe's character makes his scenes some of the best ones in the film. Toni Collette plays the carnival's “clairvoyant”, and we, as viewers, manage to see the entire plan that guarantees a good result of that “clairvoyance”, unlike the carnival's audience. The actress manages to deliver an extremely convincing performance, which doesn't give away the tricks hiding behind the curtains, and that's really good. David Strathairn plays one of the plot's most melancholic characters, in a way that's impossible for you not to feel sorry for him. He has a good dynamic with Cooper, and manages to leave his mark, even with less screen time.
And, finally, we have the most threatening characters in the plot, played by Richard Jenkins and Ron Perlman. Jenkins gets to play, here, a much different role than Giles from “The Shape of Water”, del Toro's previous work. Instead of the friendly, passionate, and kind attitudes of the protagonist's best friend in the 2017 film, we are presented with a bitter, guilt-stricken and almost completely indecipherable person, to both the protagonist and the viewer. Jenkins does an outstanding work in reinforcing the character's mysterious background, which manages to enhance the level of stakes present in his relationship with Cooper's protagonist. I was hoping to see a little bit more of Ron Perlman's character, as a matter of fact, especially near the conclusion, as he shares a captivating, protective dynamic towards Rooney Mara's character. Even with very little screen time, he manages to replicate the threatening, brute attitudes that marked his portrayal as Hellboy, which I thought it was quite nice.)
E, por fim, temos os aspectos técnicos, que aproximam “O Beco do Pesadelo” de duas estéticas bem específicas: a de um filme noir e a de um filme de Guillermo del Toro. Primeiramente, temos um trabalho extraordinário de direção de fotografia e montagem, executados, respectivamente, por Dan Laustsen e Cam McLauchlin. Um destaque que gostaria de fazer em relação ao trabalho de Laustsen (que já trabalhou com del Toro em “A Forma da Água”) é a iluminação, a qual é perfeita para combinar com a atmosfera proposta de um filme noir. Há certas cenas que me despertaram bastante a curiosidade de ver “O Beco do Pesadelo” em preto e branco (o que já aconteceu nos EUA, então, Disney, pelo amor de Deus, traz essa versão pra cá também!). Alguns momentos me lembraram bastante do visual de “A Forma da Água”, e, como eu amei esse filme, eu achei bem interessante. É um filme visualmente sombrio e “sujo”, o que acaba funcionando com a vibe mais realista que del Toro escolheu para seu novo trabalho.
Eu gostei bastante da montagem de McLauchlin em dois aspectos: nos flashbacks, que são rápidos o suficiente para nos fazer pensar que aquilo realmente assombra o protagonista; e nas transições entre os três atos do filme, feitas com um “iris fade out” (um método de montagem que normalmente sinalizava o final de um filme bem antigo, onde a tela vai reduzindo seu tamanho em forma de círculo até ficar completamente escura. Este método também está presente no início e final de “La La Land”, de Damien Chazelle, que, assim como “O Beco do Pesadelo”, é uma homenagem e revitalização de um gênero pouco presente na consciência coletiva do público).
A direção de arte, assim como em “A Forma da Água”, é uma obra-prima à parte. Há duas identidades visuais em particular que me chamaram a atenção: na primeira metade do filme, primordialmente ambientada no circo, vários aspectos me lembraram de uma mistura bem feita entre os filmes mais adultos do Tim Burton e uma versão perturbadora, realista e distorcida de “O Rei do Show”, o que eu achei bem interessante; e na segunda metade, o glamour e o estilo da Nova York dos anos 1940 retratada aqui me fez lembrar muito do que eu visualizava ao ler “O Grande Gatsby”, romance clássico de F. Scott Fitzgerald, que encanta por sua nostalgia direcionada à Idade do Jazz, na década de 1920. Gostei bastante do contraste entre o sombrio e o estiloso, e acho que o trabalho extraordinário feito aqui deveria ser um dos principais indicados ao Oscar de Melhor Direção de Arte.
Eu quase não destaco o trabalho de edição e mixagem de som nos filmes, somente naqueles onde o som (ou a ausência dele) é uma peça central na narrativa, mas há um ótimo trabalho de som aqui. Eu, particularmente, gostei bastante dos detalhes nos pequenos sons, como o tilintar de um copo de vidro ou o tique-taque de um relógio de pulso. Outro destaque do trabalho de som é o uso extremamente calculista do silêncio, que acaba por aumentar exponencialmente a tensão presente na atmosfera e naquela cena em particular. E, por fim, temos a trilha sonora original do Nathan Johnson, que me lembrou muito do trabalho vencedor do Oscar do Alexandre Desplat em “A Forma da Água”. As faixas de Johnson são essencialmente atmosféricas e misteriosas, lideradas por orquestras e pianos gradualmente crescentes, o que acaba por combinar perfeitamente com a vibe noir que o filme deseja exalar.
(And, at last, we have the technical aspects, which bring “Nightmare Alley” closer to two very specific aesthetics: that of a film noir and that of a Guillermo del Toro film. Firstly, we have an extraordinary job in cinematography and editing, executed, respectively, by Dan Laustsen and Cam McLauchlin. One highlight I'd like to make regarding Laustsen's work (as he had already worked with del Toro in “The Shape of Water”) is the lighting, which is simply pitch-perfect and fits wonderfully with the proposed atmosphere of a film noir. There are certain scenes that greatly enhanced my curiosity to see “Nightmare Alley” in black-and-white (we know you have this version, Disney, so, please, make it available in Brazil as well!). Some moments reminded me a lot of the visuals in “The Shape of Water”, and, as I adored that film, I thought it was quite interesting. It's a visually dark and “dirty” film, which ends up matching the more realistic vibe that del Toro chose for his latest work.
I really enjoyed McLauchlin's editing in two particular aspects: in the flashback sequences, which are quick enough to make us think that those events actually haunt the protagonist; and in the transitions between the film's three acts, which were done using an “iris fade out” (an editing technique generally used in order to signal at the ending of a film made in the Golden Age of Hollywood, where the screen grows smaller in the form of a circle until it goes completely dark. This technique is also present in the beginning and ending of Damien Chazelle's “La La Land”, which, like “Nightmare Alley”, is an homage and revival of a genre that's less present in the viewers' collective consciousness).
The production design, just like in “The Shape of Water”, is a masterpiece by itself. There are two particular visual identities that caught my attention: in the film's first half, which is set mostly at the carnival, several aspects reminded me of a well-done mixture between Tim Burton's more mature films and a disturbing, realistic, twisted version of “The Greatest Showman”, which I found really interesting; in the film's second half, the glamour and style of 1940s New York City, as it is portrayed here, reminded me a lot of what I visualized in my mind while I was reading F. Scott Fitzgerald's classic novel “The Great Gatsby”, which enchants us through its nostalgia for the Jazz Age, in the 1920s. I really enjoyed this contrast between the dark and the stylish, and I think that the extraordinary work displayed here should be one of the main nominees for the Oscar for Best Production Design.
I almost don't talk about the sound editing and mixing work in films, only in those where sound (or its absence) play a main part in the film's plot, but there is a great work involving sound here. I, particularly, really enjoyed the details in the little sounds, such as the clinking of a glass of whisky or the ticking of a wrist watch. Another highlight of the sound work is the extremely precise use of silence, which ends up exponencially enhancing the level of tension in the atmosphere and in that particular scene. And, at last, but not least, we have the film's original score, composed by Nathan Johnson, which reminded me a lot of Alexandre Desplat's Oscar-winning work in “The Shape of Water”. Johnson's tracks are essentially atmospheric and mysterious, led by gradually crescent orchestras and grand pianos, which ends up perfectly fitting the noir vibe the film wishes to convey.)
Resumindo, “O Beco do Pesadelo” é mais uma prova da completa genialidade de Guillermo del Toro como diretor. Saindo com sucesso da zona de conforto, o cineasta mexicano se mostra extremamente versátil ao contar sua história mais realista até o momento, sendo auxiliado por um elenco imensamente talentoso, aspectos técnicos que remetem de forma perfeita ao gênero noir e um roteiro que prioriza a tensão e a humanidade de seus personagens acima de qualquer outra coisa. Assistam na maior tela possível, se puderem, porque realmente vale a pena.
Nota: 10 de 10!!
É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,
João Pedro
(In a nutshell, “Nightmare Alley” is further proof of Guillermo del Toro's complete genius as a master filmmaker. Successfully outside his comfort zone, the Mexican filmmaker shows himself as extremely versatile when telling his most realistic story to date, relying on the help of an immensely talented cast, technical aspects that make it a perfect throwback to the film noir genre and a screenplay that prioritizes tension and its characters' humanity above everything else. Watch it in the biggest screen you can find, if you're able, because it'll be really worth your while.
I give it a 10 out of 10!!
That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,
João Pedro)