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quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O Melhor de 2020 (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre os filmes que mais marcaram esse ano atípico de 2020, para mim. Foram 70 postagens feitas esse ano, abarcando tanto obras que lançaram lá fora em 2019 e aqui em 2020 quanto aquelas que já tinham o lançamento agendado para esse ano. E, enquanto tivemos vários filmes excelentes (os quais poderão se fazer presentes nas menções honrosas dessa postagem), irei me limitar a selecionar os 5 melhores filmes de 2020 aqui. Irei falar bem brevemente sobre cada um, e deixarei o link da minha resenha separada sobre ele logo abaixo, caso houver uma. Só um detalhe: eu não vou considerar a versão gravada de “Hamilton” lançada no Disney+ por duas razões: 1) é uma filmagem de um musical de palco, não é tecnicamente um filme; 2) se eu considerasse, vocês já saberiam que ela iria ocupar o primeiro lugar nessa lista, porque literalmente não vi nada igual à “Hamilton” nesse ano. Então, com isso dito, vamos começar!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about the films that made the biggest impression on me in this atypical year that was 2020. We've had 70 posts this year, dealing with both films that were released overseas in 2019 and 2020 in Brazil and those which already had their release scheduled to this year. And, although we've had several excellent films (which could be in this post's honorable mentions), I will limit myself into selecting the five best films of 2020 here. I'll briefly talk about each of them, and I'll leave the link of my separate review on it down below, if there is one. Just one detail: I'll not consider the recorded version of “Hamilton” released on Disney+ for two reasons: 1) it's a live recording of a stage musical, it's not technically a film; 2) if I did, you would already know it would occupy the first place in this list, as I literally didn't see anything like “Hamilton” this year. So, with that out of our way, let's start!)



  1. MANK”, dirigido por David Fincher – Disponível na Netflix

    (“MANK”, directed by David Fincher – Available on Netflix)

O primeiro filme de David Fincher após um longo período de 6 anos, “Mank” é uma jornada fascinante pela mente de um roteirista ao compor sua obra-prima. Não é um filme pra todo mundo, e requer que o espectador tenha assistido à “Cidadão Kane” ao menos uma vez para máximo efeito, mas Fincher consegue homenagear o seu falecido pai (que é roteirista do filme) com um dos filmes mais ambiciosos feitos pela Netflix até o momento. É interessantíssimo ver como as figuras ao redor do protagonista o inspiraram a criar os personagens icônicos da obra-prima de Orson Welles. O elenco, liderado por uma das melhores performances da carreira de Gary Oldman, faz um ótimo trabalho com os diálogos sobre as posições políticas de seus personagens e de Hollywood em geral. E, como a cereja no topo desse bolo fantasticamente sofisticado, temos os aspectos técnicos, que recriam a época retratada com primor. A fotografia em estilo noir em preto-e-branco, a montagem quase idêntica à dos filmes da época, a trilha sonora original do Trent Reznor e Atticus Ross, que usa instrumentos autênticos dos anos 1930. Mesmo que muitos não gostem dos aspectos narrativos de “Mank”, não se pode negar que é um tremendo feito técnico, que certamente não passará despercebido no Oscar ano que vem. Vocês podem ler a minha resenha sobre o filme aqui: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/12/mank-uma-viagem-fascinante-pela-mente.html

(David Fincher's first film after a long period of 6 years, “Mank” is a fascinating journey through the mind of a screenwriter when constructing his masterpiece. It's not a film for everyone, and it requires at least one viewing of “Citizen Kane” for it to gain its maximum effect on the viewer, but Fincher manages to homage his deceased father (who is the film's screenwriter) with one of the most ambitious films Netflix has ever made to this moment. It's extremely interesting to see how the figures around the main character inspired him to create the iconic characters of Orson Welles's masterpiece. The cast, led by one of the best performances in Gary Oldman's career, does a great job with the dialogue about the political positions of their characters, and of Hollywood as a whole. And, as the cherry on top of this fantastically sophisticated cake, we have the technical aspects, which manage to masterfully recreate the time it is set in. The noir cinematography in black-and-white, the almost identical editing to the films of that time, the original score by Trent Reznor and Atticus Ross, which uses authentic 1930s instruments. Even though many might not like the narrative aspects of “Mank”, it can't be denied that it is a tremendous technical feat, which surely will not go unnoticed at next year's Oscars. You can read my review on it here: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/12/mank-uma-viagem-fascinante-pela-mente.html)



  1. OS 7 DE CHICAGO”, escrito e dirigido por Aaron Sorkin – Disponível na Netflix

    (“THE TRIAL OF THE CHICAGO 7”, written and directed by Aaron Sorkin – Available on Netflix)

Famoso por seus roteiros dinâmicos e afiados, o roteirista e dramaturgo Aaron Sorkin tem, em seu segundo filme, sua primeira chance de ser consolidado na direção. Tendo como base um evento dos anos 1960 que se comunica diretamente com os tempos atuais, Sorkin estrutura um roteiro que impede que um filme sobre um julgamento seja entediante, criando personagens carismáticos, diálogos afiadíssimos, e transitando em sua linha temporal, tornando a obra como um todo bem mais compreensível. Com certeza, será um dos principais concorrentes à Melhor Roteiro Original no Oscar. O elenco é extremamente talentoso, e faz um ótimo uso do roteiro de Sorkin. Nomes como Sacha Baron Cohen, Joseph Gordon-Levitt, Eddie Redmayne, Michael Keaton, Frank Langella, Mark Rylance e Yahya Abdul-Mateen II se fazem presentes aqui, e cada um tem seu momento de brilhar. Os aspectos técnicos, em especial a montagem, fizeram um bom trabalho em replicar o tom dinâmico do roteiro, fazendo cortes bem orgânicos e nada abruptos de modo rápido e, ao mesmo tempo, eficiente. É um dos melhores filmes que a Netflix lançou nos últimos tempos, e um dos melhores que ela teve a oferecer esse ano. Vocês podem ler a minha resenha aqui: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/10/os-7-de-chicago-usando-o-passado-para.html

(Well-known for his dynamic, razor-sharp screenplays, screenwriter and playwright Aaron Sorkin, has, in his second film, his first shot at being cemented as a director. Relying on an event from the 1960s that directly communicates with our times, Sorkin structures a script that prevents a film about a trial to be boring, creating charismatic characters, sharp dialogue, and transitioning in its timeline, making the film as a whole way more comprehensible. Surely, it will be one of the main contenders for Best Original Screenplay at the Oscars. The cast is extremely talented, and makes a great use of Sorkin's screenplay. Talents like Sacha Baron Cohen, Joseph Gordon-Levitt, Eddie Redmayne, Michael Keaton, Frank Langella, Mark Rylance and Yahya Abdul-Mateen II make their presence here, and each one of them has their moment to shine. The technical aspects, especially the editing, did a fantastic job in replicating the screenplay's dynamic approach, making really organic and anything but abrupt cuts in a quick and, at the same time, effective way. It's one of the best films Netflix has released in recent years, and one of the best it had to offer this year. You can read my review on it here: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/10/os-7-de-chicago-usando-o-passado-para.html)



  1. THE FORTY-YEAR-OLD VERSION”, escrito e dirigido por Radha Blank – Disponível na Netflix

    (“THE FORTY-YEAR-OLD VERSION”, written and directed by Radha Blank – Available on Netflix)

Eu fiquei sinceramente desapontado com a falta de atenção e consideração que a Netflix deu à “The Forty-Year-Old Version”, especialmente pela ascensão no reconhecimento do movimento Black Lives Matter, e pelo fato do filme ser escrito, dirigido e protagonizado por uma mulher negra. Retratando as dificuldades que a protagonista tem ao tentar consolidar sua carreira como dramaturga, a diretora e roteirista Radha Blank faz um trabalho extraordinário em criar personagens e diálogos 100% honestos, e parece estar interpretando uma versão fictícia de si mesma na tela. Munido com um roteiro socialmente relevante, que destaca a diversidade cultural na cidade de Nova York, a real magia de “The Forty-Year-Old Version” se encontra em seus aspectos técnicos, em especial na direção de fotografia, a qual consegue, com sucesso, retratar visualmente a crise de meia-idade pela qual a protagonista passa ao longo de seu enxuto tempo de duração de 2 horas e 9 minutos. Honesto, constantemente engraçado, e socialmente relevante, o filme de estreia de Radha Blank consolida, com confiança e personalidade, seu nome como uma das vozes mais promissoras do cinema. Você pode ler a minha resenha aqui: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/10/the-forty-year-old-version-um-honesto.html

(I was honestly disappointed with the lack of attention and consideration Netflix had towards “The Forty-Year-Old Version”, especially with the ascension on the recognition of the Black Lives Matter movement, and because it was written, directed and starred by a Black woman. Portraying the difficulties the main character has when trying to cement her career as a playwright, writer and director Radha Blank does an extraordinary job in creating characters and dialogue that are 100% honest, and seems to be playing a fictional version of herself onscreen. Armed with a socially relevant screenplay, that highlights the cultural diversity in New York City, the real magic of “The Forty-Year-Old Version” relies on its technical aspects, especially on its cinematography, which manages to, successfully, visually portray the midlife crisis the protagonist goes through during its precise running time of 2 hours and 9 minutes. Honest, constantly funny, and socially relevant, Radha Blank's directorial debut cements, with loads of confidence and personality, her name as one of the most promising voices in cinema. You can read my review on it here: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/10/the-forty-year-old-version-um-honesto.html)



  1. SOUL”, dirigido por Pete Docter e Kemp Powers – Disponível no Disney+

    (“SOUL”, directed by Pete Docter and Kemp Powers – Available on Disney+)

O principal concorrente na categoria de Melhor Filme de Animação na temporada de premiações do ano que vem, “Soul” tem potencial o bastante para repetir o tremendo feito de filmes como “Up” e “Toy Story 3” e ser indicado nas categorias principais de filme, roteiro e (quem sabe?) direção. Se concentrando em fazer os espectadores pensarem ao invés de se emocionarem, o novo filme da Pixar trouxe uma mensagem positivamente contagiante no momento certo. Foi algo que nos convidou a refletir e lembrar das boas partes da vida em um ano onde muitas coisas ruins aconteceram, e a mensagem de “Soul” serve perfeitamente como uma despedida otimista para 2020 e uma saudação com outra perspectiva para 2021. O roteiro em si é um dos mais ambiciosos do estúdio até o momento, contando com vários momentos contemplativos, e outros que enaltecem a representatividade do longa, que é co-dirigido e co-escrito por um homem negro. Os aspectos técnicos, como esperado, são extremamente sofisticados. A animação é vibrante, colorida, tem muita textura, e se encontra em um ponto alto de honestidade e realismo, tomando como base os filmes mais recentes da Pixar. A trilha sonora, composta por Trent Reznor, Atticus Ross e Jon Batiste, é uma obra-prima à parte. No geral, “Soul” é o melhor filme do estúdio desde “Divertida Mente”. Pode não ser tão emocionante quanto alguns dos filmes mais marcantes dela, mas o roteiro certamente compensa com sua honestidade e teor reflexivo. Você pode ler minha resenha aqui: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/12/soul-o-filme-mais-ambicioso-e-reflexivo.html

(The main contender in the Best Animated Feature category in next year's award season, “Soul” has enough potential to repeat the tremendous feat of films like “Up” and “Toy Story 3” and end up being nominated in the main categories of motion picture, screenplay and (who knows?) directing. Focusing in making the viewers think rather than bawling their eyes out, Pixar's new film brought a positively contagious message at the right time. It was something that invited us to reflect and remember the good parts of life in a year where many bad things happened, and the message of “Soul” perfectly serves as an optimistic farewell to 2020 and a greeting with another perspective to 2021. The screenplay itself is one of the studio's most ambitious to this day, relying on several contemplative moments, and others that highlight the representation in the film, which is co-directed and co-written by a Black man. The technical aspects, as expected, are extremely sophisticated. The animation is vibrant, colorful, it has a lot of texture, and finds itself at a high point in honesty and realism, looking back at Pixar's most recent films. The score, composed by Trent Reznor, Atticus Ross and Jon Batiste, is a particular masterpiece. Generally, “Soul” is the studio's best film since “Inside Out”. It might not be as tear-jerking as some of their most iconic films, but the screenplay surely compensates with its honesty and thought-provoking tone. You can read my review on it here: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/12/soul-o-filme-mais-ambicioso-e-reflexivo.html)



  1. WOLFWALKERS”, dirigido por Tomm Moore e Ross Stewart – Disponível na Apple TV+

    (“WOLFWALKERS”, directed by Tomm Moore and Ross Stewart – Available on Apple TV+)

Eu já aceitei a enorme probabilidade de “Soul” levar o Oscar de Melhor Filme de Animação, e não ficarei decepcionado se levar, porque, como vocês podem ver, é um excelente filme. Mas, se por algum milagre, a Academia decidir premiar outro filme, este definitivamente será “Wolfwalkers”. É um filme tão leve, divertido, envolvente e tocante, que poderia servir como um antídoto para 2020. Uma homenagem ao folclore celta-irlandês, o novo filme de Tomm Moore cria uma mitologia contida extremamente fascinante, composta por personagens carismáticos e alegorias surpreendentemente relevantes para os dias de hoje. É difícil comparar esse filme com “Soul”, porque os dois funcionam por serem completamente opostos: enquanto “Soul” consegue funcionar por ser ambicioso, honesto, realista e reflexivo; “Wolfwalkers” funciona por ser simples, repleto de fantasia escapista, e simbolicamente alegórico. Há mensagens aqui sobre a posição da mulher na sociedade, sobre a relação sempre turbulenta entre o Reino Unido e a Irlanda, sobre a destruição do meio-ambiente e sobre a distorção de conceitos e valores religiosos para interesses pessoais e persuasivos. É uma obra bem mais densa do que parece ser, e os temas são apresentados de forma leve e simples o suficiente para causar uma impressão nos pequenos e uma reflexão em um público mais adulto. Nos aspectos técnicos, não há palavras o suficiente para expressar o deleite de ver um filme tradicionalmente animado em um mundo quase que completamente dominado pela computação gráfica. Eu altamente recomendo que vocês façam o período-teste de 7 dias da Apple TV+ para assistirem “Wolfwalkers”, porque realmente vale a pena. Vocês podem ler minha resenha aqui: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/12/animacoes-diferentes-wolfwalkers.html

(I've already accepted the enormous probability of “Soul” winning the Oscar for Best Animated Feature, and I won't be disappointed if it does, because, as you can see, it's a terrific film. But, if by some miracle, the Academy decides to award another film, that will most definitely be “Wolfwalkers”. It's such a light, fun, involving and touching film that it could serve as an antidote for 2020. An homage to the Celtic-Irish folkore, Tomm Moore's new film creates an extremely fascinating contained mythology, composed by likeable characters and surprisingly relevant allegories to today's times. It's hard to compare it to “Soul”, as they both work for being the complete opposite of each other: as “Soul” manages to work for being ambitious, honest, realistic and thought-provoking; “Wolfwalkers” works for being simple, filled with escapist fantasy, and symbolically allegorical. There are messages here on women's position in society, on the always turbulent relationship between the UK and Ireland, on the destruction of the environment and on the distortion of religious concepts and qualities for personal and persuasive interests. It's way more dense than it seems, and the themes are presented in a light and simple way to create an impression in the little ones and make the older ones reflect. In the technical aspects, there aren't enough words to describe the delight of watching a traditionally animated film in a world that's almost completely dominated by computer-generated imagery. I highly recommend you to take the Apple TV+ trial period of 7 days to watch “Wolfwalkers”, because it's really worth it. You can read my review on it here: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/12/animacoes-diferentes-wolfwalkers.html)



MENÇÕES HONROSAS:

(HONORABLE MENTIONS:)

  • ESTOU PENSANDO EM ACABAR COM TUDO”, escrito e dirigido por Charlie Kaufman – Disponível na Netflix

    (“I'M THINKING OF ENDING THINGS”, written and directed by Charlie Kaufman – Available on Netflix)

Link da resenha: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/09/estou-pensando-em-acabar-com-tudo-o.html

(Link for the review)



  • O DIABO DE CADA DIA”, dirigido por Antonio Campos – Disponível na Netflix

    (“THE DEVIL ALL THE TIME”, directed by Antonio Campos – Available on Netflix)

Link da resenha: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/09/o-diabo-de-cada-dia-um-dos-melhores.html

(Link for the review)



  • RUN”, dirigido por Aneesh Chaganty

    (“RUN”, directed by Aneesh Chaganty)

Link da resenha: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/11/run-um-suspense-tenso-aterrorizante-e.html

(Link for the review)



  • A VOZ SUPREMA DO BLUES”, dirigido por George C. Wolfe – Disponível na Netflix

    (“MA RAINEY'S BLACK BOTTOM”, directed by George C. Wolfe – Available on Netflix)

Link da resenha: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/12/a-voz-suprema-do-blues-uma-celebracao.html

(Link for the review)



  • TENET”, escrito e dirigido por Christopher Nolan – Disponível para compra digital

    (“TENET”, written and directed by Christopher Nolan – Available on Digital HD and Blu-ray)

Link da resenha: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/11/tenet-um-filme-para-experienciar-nao.html

(Link for the review)



É isso, pessoal! Espero que vocês tenham gostado! Obrigado pela sua atenção durante esse ano inteiro! Até 2021,

João Pedro

(That's it, guys! I hope you liked it! Thank you for your attention during this entire year! See you in 2021,

João Pedro)


sábado, 26 de dezembro de 2020

"Soul": o filme mais ambicioso e reflexivo da Pixar até agora (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos filmes mais esperados desse ano atípico que foi 2020. Contando com uma narrativa original, reflexiva e emocionalmente ressonante, e métodos de animação computadorizada de primeira linha, o filme em questão provavelmente é o mais ambicioso do estúdio que o produziu. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Soul”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to discuss on one of the most anticipated films in this atypical year that was 2020. Relying on an original, thought-provoking and emotionally resonant narrative, and top-notch computer-generated animation methods, the film I'm about to analyze is probably the most ambitious one in its studio's history. So, without further ado, let's talk about “Soul”. Let's go!)



O filme conta a história de Joe Gardner (voz de Jamie Foxx), um professor de música cuja ambição é ser pianista de jazz. Quando ele finalmente recebe uma oportunidade de provar e consolidar o seu talento, Joe sofre um acidente inesperado e sua alma vai parar em um estado pós-vida. Incapaz de aceitar sua iminente morte, Joe tenta escapar de seu destino e acaba por adentrar em um estado pré-vida, habitado por almas que ainda não têm seus corpos. Lá, Joe recebe a missão de ajudar 22 (voz de Tina Fey), uma alma com um olhar pessimista sobre a vida na Terra a encontrar seu propósito.

(The film tells the story of Joe Gardner (voiced by Jamie Foxx), a music teacher whose ambition is to become a jazz pianist. When he finally receives an opportunity to prove and cement his talent, Joe suffers an unexpected accident, and his soul arrives at an afterlife state. Unable to accept his imminent demise, Joe tries to escape his fate, and ends up entering a “before-life” state, inhabited by souls that don't have their bodies yet. There, Joe receives the task of helping 22 (voiced by Tina Fey), a soul with a pessimistic point of view on life on Earth, to find her purpose.)



Antes de 2020 (e sua subsequente pandemia) começar, eu já tinha colocado “Soul” como um dos meus filmes mais aguardados deste ano, por uma simples e significativa razão: a direção do Pete Docter. Agora, “Quem é Pete Docter?”, vocês podem perguntar. Resumindo, ele é um gênio. Falando de forma mais abrangente, ele foi o responsável por nos trazer três clássicos modernos de animação no século XXI: “Monstros S.A.”, “Up: Altas Aventuras”, e “Divertida Mente”, com os dois últimos sendo vencedores do Oscar de Melhor Filme de Animação. Suas contribuições para o cânone diverso e absolutamente fantástico da Pixar acabaram por levar à promoção de Docter para a posição de presidente criativo do estúdio. Lembro que, quando “Soul” tinha sido anunciado em um evento da Disney, eu já tinha compartilhado no meu Facebook as seguintes palavras: “Senhoras e senhores, já temos o vencedor do Oscar de Melhor Filme de Animação em 2021”. Mas aí, veio “Wolfwalkers”, animação que eu ainda considero como o melhor filme do ano (cuja resenha você pode ler aqui:). Minhas convicções começaram a ficar divisivas. Mas, agora, tendo visto “Soul”, posso ver a razão do porquê ele tem sido tão bem recebido e considerado um dos melhores filmes do ano. Com isso dito, vamos falar do roteiro. Escrito por Docter, Kemp Powers e Mike Jones, a narrativa de “Soul” toma um caminho diferente, levando em consideração a fórmula de sucesso presente na maioria dos filmes da Pixar. A grande maioria dos filmes do estúdio tem um momento chave para fazer o espectador chorar: em “Up”, temos os primeiros 15 minutos; em “Toy Story 3”, temos a marcante cena final; e em “Viva: A Vida é uma Festa”, temos aquele emocionante dueto. Em “Soul”, pelo menos para mim, não consegui identificar uma cena com tal objetivo. Mas aí, uma perspectiva interessante me ocorreu. E se o filme de Docter não tivesse como seu principal objetivo fazer o seu público desabar de tanto chorar? E se fosse algo mais? A ideia acabou me acertando em cheio. “Soul” veio para fazer o seu público pensar. Mas antes de falar sobre a bagagem temática presente no roteiro, quero dedicar algumas linhas para falar da sua estrutura geral. Com uma duração bem enxuta de 1 hora e 40 minutos, Docter, Powers e Jones não desperdiçam um segundo do tempo do espectador, introduzindo sua ambientação e seus personagens-chave de maneira carismática e atraente, tanto para o público infantil quanto para o adulto. É uma narrativa original, ambiciosa e única, de modo que não consigo identificar nenhum tipo de inspiração. Se fosse pra eu definir “Soul” a partir de uma comparação com outro filme, seria um “Divertida Mente” espiritual, ao invés de psicológico. O enredo se movimenta muito bem, tendo como principal fio condutor a dinâmica entre os dois protagonistas, a qual é cativante e constantemente hilária. Mas o verdadeiro tesouro da narrativa de “Soul” está na sua mensagem, que é apresentada de forma leve e compreensível, para não passar despercebido na mente dos pequenos. É um filme que te convida para refletir sobre ambições, obsessão em seguir sonhos, o propósito da vida de alguém, e o roteiro aborda esses temas em uma perspectiva positivamente contagiante, servindo como o contraste perfeito para esse ano amargo, que (finalmente!) está prestes a acabar. Eu fiquei impressionado com a profundidade temática que os roteiristas foram capazes de alcançar aqui, e fiquei muito feliz com essa surpreendente mudança de algo emocionante para algo mais reflexivo. E tenho certeza que um filme ambicioso, reflexivo, e otimista como “Soul” não vai passar despercebido no Oscar ano que vem. Falando sério mesmo, esse filme poderia até repetir o feito de animações como “Up” e “Toy Story 3” e ser indicado na categoria principal de Melhor Filme, além da indicação garantida em Melhor Filme de Animação. Com essa perspectiva, eu mal posso esperar para a temporada de premiações ano que vem.

(Before 2020 (and its subsequent pandemic) began, I had already placed “Soul” as one of my most anticipated films of this year, for one simple and significant reason: it's directed by Pete Docter. Now, “Who's Pete Docter?”, you may ask. To sum it up, he's a genius. To state it in a longer sentence, he was responsible for giving us three modern classics in 21st century animation: “Monsters, Inc.”, “Up”, and “Inside Out”, with the last two winning the Oscar for Best Animated Feature. His contributions to Pixar's diverse and absolutely fantastic canon ended up leading to Docter's promotion to become the studio's chief creative officer. I remember that, when “Soul” was announced at a Disney event, I'd already shared the following words on my Facebook page: “Ladies and gentlemen, we already have our Oscar winner for Best Animated Feature in 2021”. But then, came “Wolfwalkers”, an animated film that I still consider to be the best film of the year (you can read my review on it here:). My convictions started to become divisive. But now, having watched “Soul”, I can see why it has been so well-received and considered one of the year's best films. With that said, let's talk about the script. Written by Docter, Kemp Powers and Mike Jones, the narrative of “Soul” takes a different path, in comparison to the studio's successful formula, which is present in most of their films. The great majority of Pixar's films has a key moment to make the viewer cry their eyes out: in “Up”, we have its first 15 minutes; in “Toy Story 3”, we have the final scene; and in “Coco”, we have that heart-wrenching duet. In “Soul”, at least for me, I wasn't able to identify a scene with that objective. But then, an interesting perspective came to me. What if Docter's film wasn't here to make its audience bawl their eyes out from crying? What if it was something more? Then, it hit me like a ton of bricks. “Soul” came to make its audience think. But before I talk about the screenplay's thematic resonance, I'd like to dedicate a few lines to talk about its general structure. With a concise running time of 1 hour and 40 minutes, Docter, Powers and Jones don't waste a single second of the viewer's time, introducing its setting and key characters in a charismatic and attractive way, both to children and adults. It's an original, ambitious and unique narrative, in a way where I literally can't identify any kind of inspiration. If I were to define “Soul” from a comparison with any other film, it would be a spiritual “Inside Out”, rather than psychological. The plot moves forward really well, having the dynamics between its two protagonists as its main conductive force. Those dynamics are captivating and constantly hilarious. But the real treasure of the narrative of “Soul” relies on its message, which is presented in a light and comprehensible way, in order to make the little ones understand it as well. It's a film that invites you to reflect on ambitions, obsessions in following dreams, the purpose of one's life, and the screenplay deals with these themes in a positively contagious perspective, serving as the perfect contrast to this bitter year that is (finally!) coming to an end. I was impressed with the thematic depth the screenwriters were able to reach here, and was really happy with this surprising detour from something emotional to something more thought-provoking. And I'm sure that a film as ambitious, thought-provoking, and positive as “Soul” will not go unnoticed at next year's Oscars. For real, this film is totally able to repeat the feat of animated films like “Up” and “Toy Story 3” and end up being nominated for the main category of Best Picture, besides the guaranteed nod in Best Animated Feature. With that in mind, I can't wait for next year's award season.)



Eu simplesmente amei como os dois personagens principais foram desenvolvidos ao longo da trama. No início do filme, o Joe é introduzido como uma pessoa que não se encontra realizada em seu trabalho e sempre deseja algo mais grandioso. E quando a 22 é introduzida, ela é apresentada como o completo oposto do Joe: ela parece bem realizada no estado em que ela se encontra, e não tem ambições pra algo maior, no caso, uma vida na Terra. E os roteiristas fazem um excelente trabalho em explorar os dois opostos e achar uma maneira em que os dois consigam ajudar um ao outro. Algo bem parecido com o que aconteceu com a Alegria e a Tristeza em “Divertida Mente”. Como dito anteriormente, o fio condutor da trama é a química entre os dois, e a troca de diálogos entre eles é rápida, afiada e dinâmica. Eles compartilham pontos de vista tocantes e reflexivos sobre a vida, complementados com diálogos e interações hilárias para equilibrar o tom do filme para um público mais jovem. Acho que a 22 é, brincadeiras à parte, uma das melhores personagens que a Disney criou nos últimos anos. Eu fiquei impressionado que os roteiristas não usaram o fato do Joe ser o primeiro protagonista negro da Pixar para criar uma subtrama abordando temas socialmente relevantes. Em parte, eu entendo, porque discutir temas como racismo e desigualdade social não é o objetivo de “Soul”, mas houveram tantos filmes abordando esses temas em 2020 que isso pareceu, pra mim, uma oportunidade perdida do estúdio mostrar sua crescente diversidade. O trabalho de voz aqui é absolutamente sensacional. Nomes como Jamie Foxx, Tina Fey, Questlove, Phylicia Rashad, Daveed Diggs, Richard Ayoade, Angela Bassett, Graham Norton e Alice Braga injetam cor e personalidade em cada um desses personagens com primor.

(I just loved how the two main characters were developed throughout the plot. In the beginning of the film, Joe is introduced as someone who is not satisfied with his current job and is always wishing for something greater. And when 22 is introduced, she is presented as the complete opposite of Joe: she seems quite satisfied with the state she finds herself in, and doesn't have ambitions for something bigger, in this case, a life on Earth. And the screenwriters do an excellent job in exploring these two opposites and finding a way where they can both help each other. Something very much alike what happened with Joy and Sadness in “Inside Out”. As previously stated, the plot's conductive force is the chemistry between the two, and their dialogue exchanges are quick, sharp and dynamic. They share touching and thought-provoking perspectives on life, which are complemented with hilarious interactions and dialogue to balance the film's tone to a younger audience. I think 22 is, no joking, one of the best characters Disney created in recent years. I was impressed that the screenwriters didn't use the fact that Joe is Pixar's first Black protagonist to create a subplot dealing with socially relevant themes. Partly, I understand, as discussing themes such as racism and social inequality isn't the objective of “Soul”, but still, there were so many films that dealt with these themes in 2020 that this seemed, to me, a lost opportunity for the studio to show its ever-growing diversity. The voice work here is absolutely sensational. Talents like Jamie Foxx, Tina Fey, Questlove, Phylicia Rashad, Daveed Diggs, Richard Ayoade, Angela Bassett, Graham Norton and Alice Braga wonderfully inject each one of these characters with a lot of color and personality.)



Com uma narrativa tão ambiciosa, a Pixar tinha que procurar aspectos técnicos dignos de mostrar essa ambição na tela. E fico bem feliz em dizer que “Soul”, visualmente, é o filme mais vibrante, colorido, polido e realista que a Pixar já fez até o momento. O retrato dos personagens humanos é feito com muita honestidade e poucas coisas cartunescas. Os detalhes que o estúdio conseguiu destacar aqui é algo de outro mundo. O suor na testa do Joe ao terminar de tocar, a textura no pêlo dos personagens animais. A direção de arte faz um trabalho extraordinário no contraste entre as duas principais ambientações, quase tornando-as personagens em si: enquanto Nova York é concreta, colorida, vibrante, e cheia de detalhes; o estado pré-vida é abstrato, uniforme, um pouco desbotado e simples, no bom sentido. Não vai me surpreender se o filme for indicado à Melhor Direção de Arte no Oscar. Quando o assunto é filmes da Pixar, uma coisa é quase certeza - a trilha sonora vai ser composta por uma dessas duas lendas: Randy Newman ou Michael Giacchino. Mas Pete Docter e companhia tinham outros planos. E pode-se dizer tranquilamente que foi a escolha certa. A trilha sonora original de “Soul” pode ser dividida em duas partes: as composições musicais de jazz, escritas por Jon Batiste (que, inclusive, foi o modelo por trás do design do protagonista), e a trilha sonora instrumental composta por Trent Reznor e Atticus Ross, os compositores responsáveis pelas marcantes faixas que dominaram filmes como “A Rede Social”, “Garota Exemplar” e, mais recentemente, “Mank”. Enquanto as composições de Batiste se fazem mais presentes nas cenas ambientadas em Nova York, injetando cada vez mais vida à cidade; o trabalho de Reznor e Ross casa perfeitamente com a vibe etérea e abstrata do estado pré-vida. A trilha sonora em si é uma obra-prima à parte, e deve ser uma das principais concorrentes ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original ano que vem.

(With such an ambitious narrative, Pixar had to search for worthy technical aspects to display this ambition onscreen. And I'm really glad to say that “Soul”, visually, is the most vibrant, colorful, polished and realistic film Pixar has ever made so far. The portrayal of the human characters is done with a lot of honesty and few cartoonish aspects. The details the studio managed to highlight here are something otherworldly. The sweat on Joe's forehead as he finishes playing, the texture on the fur of its animal characters. The art direction does an extraordinary job in contrasting its two main settings, almost making them characters by themselves: while New York is concrete, colorful, vibrant, and filled with details; the “Great Before” is abstract, uniform, a bit faded and simple, in a good way. I won't be surprised if this ends up being nominated for Best Production Design at the Oscars. When it comes to Pixar films, one thing is almost certain – the score will be composed by one of these two legends: Randy Newman or Michael Giacchino. But Pete Docter and co. had other plans. And I can safely say that they made the right bet. The original score for “Soul” can be divided into two parts: the jazz musical compositions, written by Jon Batiste (who, FYI, was the model behind the protagonist's design), and the instrumental score composed by Trent Reznor and Atticus Ross, those responsable for the remarkable tracks that dominated films like “The Social Network”, “Gone Girl” and, more recently, “Mank”. While Batiste's compositions are more present in the New York-set scenes, injecting more and more life to the city; Reznor and Ross's work is a perfect match to the ethereal and abstract vibe of the “Great Before”. The score itself is a masterpiece on its own, and should be one of the main contenders to the Oscar for Best Original Score next year.)



Resumindo, “Soul” é o melhor filme da Pixar desde “Divertida Mente”. Ambicioso, original e reflexivo, o novo filme de Pete Docter é uma ode positivamente contagiante às boas partes da vida, por mais insignificantes que pareçam ser. É um filme que chegou no momento certo, entregando sua mensagem otimista para que os espectadores terminem 2020 com a cabeça erguida e um sorriso no rosto.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Soul” is Pixar's best film since “Inside Out”. Ambitious, original and thought-provoking, Pete Docter's new film is a positively contagious love letter to the good parts of life, as meaningless as they may seem. It's a film that arrived at the right moment, delivering its optimistic message for the viewers to cap off 2020 with their heads held high and a smile on their faces.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

"His Dark Materials" - 2a Temporada: uma expansão surpreendentemente contida (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre a segunda temporada de uma das melhores séries que eu já vi nos últimos anos! Abordando o segundo livro da trilogia em que a série é baseada, a temporada em questão consegue expandir seu universo fictício, e ao mesmo tempo, ter uma história bem mais centrada do que a anterior, resultando em muita ação e um desempenho incrível de seu talentoso elenco. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre a segunda temporada de “His Dark Materials”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about the second season of one of the best TV shows I've watched in recent years! Adapting the second book in the trilogy it is based on, the season I'm about to analyze manages to expand its fictional universe, and at the same time, have a much more centered story than its predecessor, resulting in loads of action and an amazing job from its talented cast. So, without further ado, let's talk about the second season of “His Dark Materials”. Let's go!)



Baseado em “A Faca Sutil”, segundo livro da trilogia Fronteiras do Universo, escrita por Philip Pullman, a trama acompanha Lyra (Dafne Keen), que, após o abalo emocional sofrido no final da primeira temporada, cruza caminhos com Will Parry (Amir Wilson), um garoto à procura de seu pai desaparecido, em um mundo paralelo. Juntos, Lyra e Will deverão viajar por entre os mundos para cumprirem seus objetivos. Enquanto isso, o aeróstata Lee Scoresby (Lin-Manuel Miranda) recruta um misterioso xamã (Andrew Scott) para se juntar às feiticeiras em uma iminente guerra contra o temido Magisterium, influenciado pela manipuladora Sra. Coulter (Ruth Wilson).

(Based on “The Subtle Knife”, the second novel in the His Dark Materials trilogy, written by Philip Pullman, the plot follows Lyra (Dafne Keen), who, after an emotional rollercoaster in the season 1 finale, crosses paths with Will Parry (Amir Wilson), a boy looking for his missing father, in a parallel world. Together, Lyra and Will must travel inbetween worlds in order to fulfill their goals. Meanwhile, aeronaut Lee Scoresby (Lin-Manuel Miranda) recruits a mysterious shaman (Andrew Scott) to join the witches in an imminent war against the feared Magisterium, influenced by the manipulative Mrs. Coulter (Ruth Wilson).)



Antes de começar a falar de como o material fonte foi adaptado para a TV, eu gostaria de dedicar algumas linhas para discorrer sobre o desenrolar da trama da trilogia Fronteiras do Universo. O primeiro livro, “A Bússola de Ouro” (que já foi adaptado na primeira temporada dessa série, cuja resenha você pode ler aqui: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2019/12/his-dark-materials-uma-adaptacao.html), é uma introdução ao universo fictício da história. Vários dos personagens-chave são encontrados pela primeira vez, e há uma boa exploração da mitologia que será aprofundada nos livros seguintes. O segundo livro, “A Faca Sutil”, que é a base para a temporada em análise, é uma expansão do universo, apresentando dois dos personagens mais importantes para o restante da trama, e ao mesmo tempo, uma história bem mais centrada do que seu antecessor. Não é muito descritivo, é bem mais realista, e explora poucos pontos de vista simultâneos, colaborando para uma leitura bem mais contida. E o terceiro livro, “A Luneta Âmbar”, que será adaptado na já confirmada terceira e última temporada da série, é de longe, o mais ambicioso da trilogia, sendo mais longo do que os dois primeiros combinados. A complexidade presente ao longo da trama em geral atinge seu pico nesse último capítulo, explorando vários pontos de vista, e é bem dependente da mitologia crescente e absolutamente fascinante criada por Philip Pullman. Com isso dito, vamos falar sobre o roteiro da segunda temporada de “His Dark Materials”. Uma das melhores coisas que essa nova leva de episódios fez em relação à primeira é o aumento na equipe de roteiristas. Enquanto a primeira temporada foi inteiramente escrita pelo Jack Thorne, a segunda contou com o auxílio de Francesca Gardiner, Sarah Quintrell, Namsi Khan e Lydia Adetunji, que ajudaram muito a apresentar outras perspectivas sobre esses personagens, permitindo que nós, como espectadores, possamos vê-los sob uma diferente lente. Como dito anteriormente, é uma história bem mais contida do que a primeira temporada, podendo ser dividida em três histórias simultâneas que vão se destrinchando em suas próprias linhas narrativas: 1) a trama envolvendo a Lyra e o Will; 2) Lee Scoresby e as feiticeiras; 3) Sra. Coulter e o Magisterium. A partir dessas três bases, novos personagens vão dando as caras, contribuindo para o surgimento de novas subnarrativas, acopladas à essas dinâmicas já existentes. Tem um ritmo bem mais frenético, se comparado com a leva anterior de episódios, contendo muito mais ação, como acontece no material fonte. Outra coisa que gostei bastante foi a ousadia ao adaptar “A Faca Sutil”. É uma temporada mais violenta e arriscada, e transforma a linha entre entretenimento familiar e uma veia mais adulta em algo bem mais tênue. É também um conjunto de capítulos bem mais tematicamente carregado. Além da onipresente fantasia no cerne da história, há comentários bem relevantes sobre a nossa cultura consumista, sobre saúde mental, e é claro, as críticas cada vez mais evidentes ao caráter repressivo de algumas das instituições religiosas predominantes, o que foi um ponto de partida para o autor dos livros elaborar a trama da trilogia como um todo. Tendo lido os livros, posso dizer que foi uma excelente adaptação, especialmente pelo fato de ter tomado certas liberdades narrativas que (mesmo que mudando algumas partes que funcionaram de forma mais eficiente no livro) permitiram que a série andasse com os próprios pés, ao invés de ser uma mera tradução dos acontecimentos no material fonte. E depois desse último episódio (que inclusive tem cena pós-créditos!), mal posso esperar para ver como a conclusão épica dessa adorada trilogia será adaptada para as telinhas.

(Before I start talking about how the source material was adapted into TV, I'd like to dedicate a few lines to discuss the unraveling of the plot of the His Dark Materials trilogy. The first novel, “The Golden Compass/Northern Lights” (which was already adapted into the first season of this show, you can read my review on that season here: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2019/12/his-dark-materials-uma-adaptacao.html), is an introduction to the story's fictional universe. Several key characters are discovered there for the first time, and there's a good exploration of its mythology, which will be dealt with in a deeper way in the subsequent books. The second novel, “The Subtle Knife”, which is the basis for the analyzed season in this review, is an expansion of its universe, introducing two of the most important characters for the rest of the plot, and at the same time, it's a much more centered story than its predecessor. It's not as descriptive, it's much more realistic, and explores very few simultaneous points of view, collaborating for a pretty contained read. And the third book, “The Amber Spyglass”, which will be adapted in the show's already confirmed third and final season, is, by far, the most ambitious one in the pack, being thicker than the first two combined. The complexity throughout the general plot hits its peak in this final chapter, exploring multiple points of view, and it's really dependent on the growing and absolutely fascinating mythology created by Philip Pullman. With that out of our way, let's talk about the script for season 2 of “His Dark Materials”. One of the best things this batch of episodes did in comparison to the first one is the increase of writers credited in the screenplays. While the first season as a whole was written solely by Jack Thorne, this time around, he relied on the help of Francesca Gardiner, Sarah Quintrell, Namsi Khan and Lydia Adetunji, who really helped presenting alternative perspectives on these characters, allowing us, as viewers, to see them under a different lens. As previously stated, this is a much more contained story than last season, managing to be divided into 3 simultaneous storylines which will be branching out into their own, personal narrative plotlines: 1) the plot involving Lyra and Will; 2) Lee Scoresby and the witches; 3) Mrs. Coulter and the Magisterium. From those three bases, new characters show up, contributing for the origin of new storylines, attached to these already existent dynamics. It has a much more frenetic pace, if compared to the previous set of episodes, containing much more action, as it happens with the source material. Another thing I really enjoyed was the show's boldness in adapting “The Subtle Knife”. It's a riskier, more violent season, and it turns the line between family entertainment and a more mature show into something really blurry. It is also a much more thematically charged batch of episodes. Besides the omnipresent fantasy in the story's core, there are really relevant commentaries on our culture of consumerism, on mental health, and of course, the much more evident criticism to the repressive character of some of the predominant religious institutions, which was a starting point for the author of the books to elaborate the plot of the trilogy as a whole. Having read the books, I can say it was an excellent adaptation, especially for the fact that it took certain narrative liberties that (even though they changed some things that worked more effectively in the books) allowed the show to walk on its own feet, rather than just being a word-for-word translation of what happened in the source material. And after this final episode (which has a post-credits scene, by the way!), I can't wait to see how the epic conclusion of this beloved trilogy will be adapted to the small screen.)



Assim como a própria trama da segunda temporada é mais reduzida, o elenco também é reduzido, se comparado com a primeira leva de episódios. O fio condutor da trilogia de livros como um todo é a dinâmica entre os dois protagonistas, a Lyra e o Will. O mesmo acontece na série. A química entre a Dafne Keen e o Amir Wilson é evidente e sempre crescente. Individualmente, Keen faz um ótimo trabalho em expressar o abalo emocional sofrido pela sua personagem no final da primeira temporada; enquanto Wilson é capaz de expressar muita coisa somente com os olhos. Só pelo olhar dele, dá pra ver o esforço e o sofrimento que o personagem dele passou até agora. A personagem mais interessante da série continua sendo a Sra. Coulter, interpretada de forma magistral pela Ruth Wilson. Enquanto na primeira temporada, ela foi retratada através de uma lente selvagem e animalesca, aqui a atriz consegue equilibrar de forma fantástica a selvageria que a marcou na temporada anterior e um autocontrole fascinante, que colabora muito com o caráter manipulativo da personagem. Eu gostei bastante do desempenho do Lin-Manuel Miranda, que partiu de um alívio cômico para um personagem muito mais sério nessa segunda temporada. Há uma cena em particular que ele compartilha com a personagem da Ruth Wilson que serviu de prova pra mim sobre o quanto Miranda era perfeito para o papel. O ator tem uma dinâmica cativante com o personagem do Andrew Scott, que está misteriosamente fascinante aqui. É um daqueles personagens que você morre de vontade de saber mais sobre. Também retornando, temos o Ariyon Bakare, que assume um papel mais secundário nessa segunda temporada; o Will Keen, que está constantemente ameaçador como uma das figuras principais do Magisterium; e a Ruta Gedmintas, que exala uma aura deliciosamente misteriosa como a Rainha Serafina Pekkala. Como novos membros de elenco, temos a incrível Simone Kirby como uma das principais personagens da trilogia em geral. Eu amei o papel central que ela teve nessa temporada. Como a rainha Ruta Skadi, temos a excelente Jade Anouka. Temos breves, mas eficientes performances da Bella Ramsey e da Ella Schrey-Yeats, cujas personagens tiveram pouca importância no livro, mas foram aprofundadas de forma surpreendente aqui. Há uma pontinha bem legal e significativa do Terence Stamp na metade da temporada. E como esperado, o trabalho de voz para os daemons é sensacional, composto pelas vozes de Kit Connor, Cristela Alonzo, David Suchet, Sope Dirisu e Phoebe Waller-Bridge.

(As the season 2 plot itself is a bit reduced, so is the cast, if compared to the first batch of episodes. The conductive force of the book trilogy as a whole is the dynamics between the two main characters, Lyra and Will. The same happens in the TV series. The chemistry between Dafne Keen and Amir Wilson is evident and always growing. Individually, Keen does a great job in expressing the emotional breakdown her character suffered in the season 1 finale; while Wilson is able to tell an enormous amount of information only with his eyes. Just by the look on his eyes, you're able to see how much his character has gone through to this point. The most interesting character in the series is still Mrs. Coulter, masterfully portrayed by Ruth Wilson. While in the first season, she was presented through a wild, feral-like lens, this time around, she manages to balance that wildness that marked her and a fascinating self-control, which collaborates a lot with the character's manipulative personality. I really liked Lin-Manuel Miranda's performance, as he went from being a comic relief to a really serious character in this second season. There's a particular scene he shares with Ruth Wilson's character that served to me as proof that he was a perfect fit for this role. He has a captivating dynamic with Andrew Scott's character, who is mysteriously fascinating here. He's one of those characters that you're dying to know more about. Also returning, we have Ariyon Bakare, who's in a more secondary role this time around; Will Keen, who is constantly threatening as one of the main bigwigs in the Magisterium; and Ruta Gedmintas, who exhales a deliciously mysterious aura as Queen Serafina Pekkala. As new cast members, we have the amazing Simone Kirby as one of the main characters of the trilogy as a whole. I loved her central role in this season. As Queen Ruta Skadi, we have the excellent Jade Anouka. We have brief, but effective performances by Bella Ramsey and Ella Schrey-Yeats, whose characters didn't matter that much in the book, but were dealt with a surprising amount of depth here. There's a really cool and significant guest appearance by Terence Stamp halfway through the season. And, as expected, the voice work for the daemons is nothing but sensational, with performances by Kit Connor, Cristela Alonzo, David Suchet, Sope Dirisu and Phoebe Waller-Bridge.)



Tecnicamente, é uma série muito bem feita. A direção de fotografia é maravilhosa, especialmente durante as cenas de ação e tensão. A direção de arte fez exatamente o que eu pensei que faria ao ler o livro. A tradução dos cenários, dos personagens, dos eventos e da própria Faca Sutil ficaram extremamente fiéis ao material fonte. Os episódios foram muito bem montados, resultando em 7 episódios “maratonáveis” de 45-50 minutos cada. A trilha sonora instrumental do Lorne Balfe vai ficando cada vez mais épica, e bem presente nas cenas principais da temporada. E por fim, temos os efeitos especiais, que ficaram bem mais polidos, se comparado com a temporada anterior. Temos mais daemons em cenas com mais pessoas, formas diferentes de daemons, o modo de funcionamento da Faca Sutil, e várias outras coisas, as quais não irei mencionar aqui, para não entrar em território de spoiler.

(Technically, it's a really well-done show. The cinematography is wonderful, especially during the action and tension scenes. The art direction did exactly what I thought it would do when reading the book. The translation of the settings, the characters, the events and the Subtle Knife itself were extremely faithful to the source material. The episodes were very well-edited, resulting in 7 “binge-watchable” episodes clocking in about 45-50 minutes each. Lorne Balfe's instrumental score gets more and more epic as the season goes by, and is really present in the season's main scenes. And finally, we have the special effects, which got way more polished, if compared to the previous season. We have more daemons in scenes with more people, different shapes of daemons, how the Subtle Knife works, and several other things, of which will not be spoken here, in order to stay out of spoiler territory.)



Resumindo, a segunda temporada de “His Dark Materials” é mais um triunfo da BBC e da HBO. Expandindo o seu universo fictício de uma maneira surpreendentemente contida, a adaptação do segundo livro da adorada trilogia de Philip Pullman encontra seus maiores pontos fortes nas liberdades narrativas tomadas no processo de adaptação do material fonte, e no enorme talento de seu crescente elenco. Mal posso esperar pela terceira e última temporada!

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, the second season of “His Dark Materials” is another triumph by the BBC and HBO. Expanding its fictional universe in a surprisingly contained way, the adaptation of the second book in Philip Pullman's beloved trilogy finds its biggest strengths in the narrative liberties taken in the process of adapting the source material, and in its ever-growing cast's enormous talent. I can't wait for its third and final season!

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


sábado, 19 de dezembro de 2020

"A Voz Suprema do Blues": uma celebração da cultura negra nos EUA (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para trazer a resenha do mais recente lançamento no catálogo original da Netflix. Um estudo sobre as relações raciais nos EUA, o filme em questão é uma verdadeira celebração da cultura negra, e um tributo à uma estrela que parou de brilhar cedo demais. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “A Voz Suprema do Blues”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to bring the review of the most recent release in Netflix's original catalog. A study on racial relations in the United States, the film I'm about to analyze is a true celebration of Black culture, and a tribute to a star that stopped shining way too soon. So, without further ado, let's talk about “Ma Rainey's Black Bottom”. Let's go!)



Baseado na peça “Ma Rainey's Black Bottom”, escrita por August Wilson, o filme relata uma fatídica sessão de gravações entre Ma Rainey (Viola Davis), considerada a “Mãe do Blues”, e sua banda, cujo trompetista, Levee (Chadwick Boseman), possui inúmeras ambições para começar uma carreira solo, no ano de 1927 em Chicago. Envoltos pelas difíceis relações raciais da época, Ma Rainey e sua banda refletem sobre as condições nas quais os negros vivem, e a exploração sofrida por eles pelas mãos de produtores brancos. Tais reflexões acabam por despertar uma tensão, colocando o futuro da banda em risco.

(Based on the play of the same name, written by August Wilson, the film follows a fateful recording session between Ma Rainey (Viola Davis), who's considered the “Mother of Blues”, and her band, whose trumpeter, Levee (Chadwick Boseman), has numerous ambitions in starting a solo career, in the year of 1927 in Chicago. Surrounded by the tough racial relations of that time, Ma Rainey and her band reflect on the conditions that colored people find themselves in, and the exploitation they suffer from the hands of white producers. These discussions end up giving birth to some tension, putting the band's future in jeopardy.)



Antes de começar a falar do roteiro em si, acho melhor dedicar algumas linhas para falar da mente brilhante por trás da peça que serviu de base para “A Voz Suprema do Blues”: August Wilson. Chamado de “o poeta teatral da América negra”, Wilson ficou conhecido nos EUA por relatar, nos palcos, o estilo de vida da comunidade afro-americana no século XX. Ficou especialmente conhecido por uma série de dez peças conhecida como “O Ciclo de Pittsburgh”, a qual é composta por obras como “Fences” (vencedora do prêmio Pulitzer de Drama, que foi adaptada em um filme vencedor do Oscar dirigido por Denzel Washington, “Um Limite entre Nós”), “The Piano Lesson” (que também foi vencedora do Pulitzer), e “Ma Rainey's Black Bottom”, que acabou por servir de base para a obra em questão. Com isso dito, vamos falar sobre o roteiro. Escrito por Ruben Santiago-Hudson, dramaturgo conhecido por dirigir uma das peças mais famosas de Wilson, o roteiro de “A Voz Suprema do Blues” consegue fazer o mesmo que “Um Limite entre Nós” fez com sucesso em 2016, que é estabelecer uma trama extremamente contida. Enquanto o filme de Denzel Washington reduziu suas ações e cenas para uma casa, a obra em questão também tem sua ambientação reduzida, concentrando toda a ação dentro de um estúdio de gravações. Isso acaba por manter a veia teatral das peças que serviram de base para as adaptações cinematográficas e, por consequência, honrar o legado que August Wilson deixou para o mundo. Assim como vários filmes baseados em peças, “A Voz Suprema do Blues” é totalmente guiado pelo diálogo. Gosto muito de comparar filmes baseados em peças com “Deus da Carnificina”, baseado na obra de Yasmina Reza, onde uma discussão aparentemente amistosa leva à um completo caos em menos de duas horas, e a arma principal para o desenvolvimento da trama também é o diálogo. E uma das melhores coisas sobre o roteiro de Santiago-Hudson é o constante equilíbrio entre as cenas internas, as quais são repletas de diálogos entre os personagens, e as cenas externas, que não possuem nenhuma fala, mas contêm o mesmo poder simbólico que algum diálogo teria. Isso se mostra de forma evidente na cena inicial do filme, que retrata um show da protagonista com sua banda. E daquele momento, já é possível ver as discordâncias entre Ma Rainey e seu trompetista, Levee, as quais serão predominantes pelo sucinto tempo de duração de 1 hora e 34 minutos do longa. Outro ótimo exemplo seria uma cena em que alguns membros da banda de Rainey vão à um mercado, onde atraem o olhar imediato de todas as pessoas presentes, todas brancas. O olhar direcionado aos personagens negros fala no mesmo volume que algum diálogo falaria. São cenas pequenas, mas tão eficientes quanto as sequências internas. É também preciso ressaltar a qualidade dos diálogos criados por Wilson. As afirmações e histórias que os personagens contam são impactantes, e elas possuem a capacidade de fazer o espectador visualizar os acontecimentos narrados sem realmente mostrá-los em tela, e alguns desses relatos são de cortar o coração, de tão verdadeiros que são. Através dessas histórias, é possível ver a raiva e o desgosto crescendo nos rostos dos personagens, e essas pequenas reações conseguem retratar a injustiça social tão bem quanto as cenas de violência policial no excelente “Os 7 de Chicago” (cuja resenha você pode ler aqui: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/10/os-7-de-chicago-usando-o-passado-para.html). E por fim, temos as cenas musicais do longa, as quais são um verdadeiro deleite de se ver. Durante essas sequências, é possível sentir a liberdade que os músicos de blues sentem ao fazer o que eles fazem de melhor, ao se expressarem e contarem suas histórias através da música. São cenas que realmente celebram as contribuições da cultura negra à presente diversidade cultural nos EUA. Resumindo, o roteiro de “A Voz Suprema do Blues” aproveita sua ambientação limitada ao máximo, fazendo uso de diálogos impactantes e cenas não-verbais para retratar as relações sociais da época.

(Before I start talking about the film itself, I'd like to dedicate some lines to talk about the brilliant mind behind the play which “Ma Rainey's Black Bottom” was based on: August Wilson. Regarded as “the theater poet of Black America”, Wilson gained fame in the US by portraying, on stage, the African-American community lifestyle in the 20th century. He was best-known for a series of ten plays known as “The Pittsburgh Cycle”, which is composed by works such as “Fences” (a Pulitzer Prize-winning drama play, which was adapted in an Oscar-winning eponymous film directed by Denzel Washington), “The Piano Lesson” (which also was a Pulitzer Prize winner), and “Ma Rainey's Black Bottom”, which ended up being the inspiration behind the film being analyzed in this review. With that out of our way, let's talk about the screenplay. Written by Ruben Santiago-Hudson, a playwright known for directing one of Wilson's most famous plays, the script for “Ma Rainey's Black Bottom” does exactly what “Fences” successfully did in 2016, which is establishing an extremely contained story. While Denzel Washington's film reduced its actions and scenes to one single house, this film also reduces its setting, focusing all the action inside a recording studio. This ends up keeping the theatrical vein of the work that was adapted into film, and consequently, that decision honors the legacy that August Wilson left to the world. As in many films based on theatre plays, “Ma Rainey's Black Bottom” is fully guided by dialogue. I really enjoy comparing play-based films with “Carnage”, based on Yasmina Reza's work, titled “God of Carnage”, where an apparently friendly conversation turns into real chaos in less than 2 hours, and the main weapon for the story to develop is also its dialogue. And one of the best things about Santiago-Hudson's screenplay is that it constantly balances its interior scenes, which are filled with dialogue, and the exterior ones, which don't have any of it, and still manage to contain the same symbolic power that lines would have had. This is shown evidently in the film's opening scene, which portrays a concert from the main character and her band. And from that moment, it's already possible to see the disagreements between Ma Rainey and her trumpeter, Levee, which will be predominant throughout the film's succint running time of 1 hour and 34 minutes. Another great example would be a scene in which some members of Rainey's band go to a nearby supermarket, where they attract the immediate glance of everyone in there, all of them being white people. The glance directed towards the black characters speaks at the same volume that a string of dialogue would. They are small scenes, but they're just as effective as the interior sequences. The quality of Wilson's dialogue also must be reinforced. The statements and stories that the characters tell are impactful, and they have the capacity of making the viewer visualize what's being narrated without actually showing it onscreen, and some of these stories are really heartbreaking, because of the truth behind them. Through these stories, we are able to see the anger and distaste growing on the characters' faces, and these little reactions manage to portray social injustice as well as the police brutality scenes in the excellent “The Trial of the Chicago 7” (you can read my review on it here: http://nocinemacomjoaopedro.blogspot.com/2020/10/os-7-de-chicago-usando-o-passado-para.html). And at last, we have the musical scenes, which are a real delight to behold. During these sequences, it's possible to see the freedom that blues musicians feel when doing what they do best, when they are expressing themselves and telling their stories through music. These are scenes that truly celebrate the contributions of Black culture to the current cultural diversity in the US. To sum it up, the screenplay for “Ma Rainey's Black Bottom” makes the most of its limited setting, making use of impactful dialogue and non-verbal scenes to portray the social relations of the time it's set in.)



Um dos aspectos que realmente impulsionou a divulgação de “A Voz Suprema do Blues” para o público geral foi a inesperada morte de Chadwick Boseman, que faleceu durante o processo de pós-produção, fazendo dessa a sua última performance em um filme. E Boseman realmente entrega uma tremenda performance aqui. Mas antes, vamos falar da Viola Davis. É o segundo papel que ela interpreta em um filme baseado em uma peça de August Wilson, desde sua atuação vencedora do Oscar em “Um Limite entre Nós”. E mesmo tendo muito pouco tempo em tela, se comparado com os outros personagens, a presença de Davis é sentida em cada minuto do filme, até quando ela mesma não está presente na cena. Há uma cena onde ela reflete sobre a exploração de artistas negros por produtores brancos que é assustadoramente verdadeira, e provavelmente será a responsável por indicá-la ao Oscar. A última performance do Chadwick Boseman é definitivamente a melhor dele, para mim. Com o filme sendo filmado em 2019, época em que Boseman já estava sob tratamento de quimioterapia por causa do câncer de cólon que lentamente o enfraquecia, o ator demonstra uma grande quantidade de carisma, energia, e personalidade aqui. Há dois monólogos em particular que poderão firmemente servir de base para uma indicação (e talvez, vitória) póstuma ao Oscar. A raiva que ele extravasa, o ódio que ele tem dentro de si. O personagem dele definitivamente foi o que mais sofreu com a injustiça social no filme. Como os outros membros da banda, temos performances competentes de Colman Domingo, Glynn Turman e Michael Potts, cujos personagens trocam diálogos impactantes com o personagem de Boseman. Em papéis mais coadjuvantes, temos a Taylour Paige, que serve como mais uma razão para as discordâncias entre os personagens de Davis e Boseman, e Dusan Brown, que rende um necessário alívio cômico à trama. E por fim, temos o Jeremy Shamos, interpretando o gerente de Rainey, e o Jonny Coyne, interpretando o dono do estúdio em que o filme é ambientado. Todos os atores conseguem lidar com os diálogos criados por August Wilson com muita naturalidade, o que é muito bom.

(One of the aspects that really propelled the promotion of “Ma Rainey's Black Bottom” for the general audience was the unexpected death of Chadwick Boseman, who passed away during the post-production process, making this his final performance in a film. And Boseman really delivers a knockout performance here. But before, let's talk about Viola Davis. This is her second role in a film based on an August Wilson play, after her Oscar-winning turn in “Fences”. And even though she has very little screen time, if compared to other characters, Davis's presence is felt in every minute in the film, even when she's not onscreen. There's a scene where she reflects on the exploitation of Black artists by white produces that is hauntingly true, and most likely will be responsible for an Oscar nomination. Chadwick Boseman's final performance is definitely his best, in my opinion. With the movie's filming taking place in 2019, a time where he was already under chemotherapy treatment over the colon cancer that slowly weakened him, the actor shows an enormous quantity of charisma, energy and personality here. There are two particular monologues that can firmly serve as base for a posthumous nomination (and maybe, win) to an Oscar. The anger he lets out, the hatred he has inside himself. He definitely portrays the character that suffered the greatest amount of social injustice in the film. As the other band members, we have competent performances by Colman Domingo, Glynn Turman and Michael Potts, whose characters share some impactful dialogue with Boseman's character. In more supporting roles, we have Taylour Paige, who portrays another reason for the characters of Davis and Boseman to disagree on, and Dusan Brown, who provides a necessary comic relief. And at last, we have Jeremy Shamos, playing Rainey's manager, and Jonny Coyne, playing the owner of the recording studio the film's set in. All the actors manage to deal with August Wilson's dialogue in an extremely natural way, which is really good.)



Assim como várias obras de época, “A Voz Suprema do Blues” tem aspectos técnicos impecáveis. Como o filme só possui uma ambientação, isso permite que a câmera do Tobias A. Schliessler viaje de forma mais fluida entre os vários cômodos do estúdio, ao invés de abruptamente cortar para outra cena. São movimentos muito mais orgânicos, o que é muito bom. A montagem do Andrew Mondshein é bem eficiente. Inclusive, em uma cena em particular, a edição é crucial para que a sequência cumpra seu propósito na trama. A direção de arte fez um trabalho fenomenal de recriação da época retratada, especialmente nos departamentos de design de produção, figurino, e maquiagem. É exatamente o que um espectador iria esperar de um filme ambientado na década de 1920. A trilha sonora do Branford Marsalis faz muito bem em fazer uso de instrumentos típicos da época retratada para compor a sonoridade do filme. Ao contrário do que aconteceu com a brilhante trilha sonora de “Mank”, a trilha de Marsalis dá uma remasterização revigorante às canções de Rainey, ao mesmo tempo que cria faixas instrumentais igualmente impactantes.

(As it happens with many period films, “Ma Rainey's Black Bottom” has flawless technical aspects. As the film has only one setting, it allows Tobias A. Schliessler's camera to travel more fluidly between the studio's many rooms, rather than just abruptly cut to other scene. They are much more organic movements, which is really good. Andrew Mondshein's editing is quite efficient. By the way, in one particular scene, the editing is vital for the sequence to fulfill its purpose in the plot. The art direction does a phenomenal job in recreating the time it is set in, especially in the set design, costume design, and makeup departments. It's exactly what a general viewer would expect of a film set in the 1920s. Branford Marsalis's score succeeds in using typical instruments from the time portrayed to compose the film's sonority. On the contrary of what happened to the brilliant score of “Mank”, Marsalis's score gives an invigorating remaster to Rainey's traditional songs, at the same time it creates equally impactful instrumental tracks.)



Resumindo, “A Voz Suprema do Blues” fecha um excelente ano para filmes originais da Netflix com chave de ouro. Contando com um roteiro conciso, diálogos impactantes, atuações naturais e competentes, e aspectos técnicos que conseguem recriar a época retratada com sucesso, o filme de George C. Wolfe é uma verdadeira celebração à cultura negra e um tocante tributo à uma estrela que parou de brilhar cedo demais.

Nota: 9,5 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Ma Rainey's Black Bottom” caps off an excellent year for Netflix original films with a bang. Relying on a succint screenplay, impactful dialogue, natural and competent performances, and technical aspects that successfully recreate its setting, George C. Wolfe's film is a true celebration of Black culture and a touching tribute to a star that stopped shining too soon.

I give it a 9,5 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)