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sábado, 28 de novembro de 2020

"Cidadão Kane": um clássico atemporal e inovador na história do cinema (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos maiores clássicos da história do cinema. Em preparação para “Mank”, o novo filme de David Fincher para a Netflix, que vai ser lançado no dia 04 de dezembro, acho que seria mais do que adequado que eu trouxesse a resenha do longa de 1941, cuja produção servirá como pano de fundo para a nova obra de Fincher. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Cidadão Kane”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the greatest classics in the history of cinema. In preparation for “Mank”, David Fincher's new film for Netflix, which will be released on December 4th, I think it would be more than adequate that I finally bring in my review for the 1941 film, as its production will serve as a background for Fincher's new work. So, without further ado, let's talk about “Citizen Kane”. Let's go!)



O filme segue um jornalista, Jerry Thompson (William Alland), o qual parte para fazer várias entrevistas com pessoas que marcaram a ascensão e a queda do magnata da imprensa Charles Foster Kane (Orson Welles), já falecido. Através das entrevistas, Thompson tenta descobrir cada aspecto da vida de Kane que possa levar ao significado de sua última palavra, dita em seu leito de morte: Rosebud.

(The film follows a journalist, Jerry Thompson (William Alland), who sets off to make multiple interviews with people that marked both the rise and fall of press tycoon Charles Foster Kane (Orson Welles), who's already passed. Through the interviews, Thompson tries to find out every aspect of Kane's life that can lead to the meaning of his last word, uttered on his deathbed: Rosebud.)



Eu já tinha visto “Cidadão Kane” uma vez durante a pandemia do COVID-19, mas estava esperando o momento certo para lançar uma resenha especialmente a respeito desse filme. E agora, com o iminente lançamento de “Mank” na Netflix, eu não poderia ter escolhido uma hora melhor. Para quem ainda não sabe, “Mank” contará a história de Herman J. Mankiewicz, co-roteirista de “Cidadão Kane”, que enfrenta vários conflitos com o diretor e protagonista, Orson Welles, durante a produção do filme, no final dos anos 1930 e início dos anos 1940. Então, para me preparar para o lançamento de “Mank”, que já está sendo aclamado como um dos melhores filmes de 2020, acho que revisitar o longa de 1941 será algo bem proveitoso, tanto para mim (que finalmente trarei a resenha da obra-prima de Welles para o blog) quanto para vocês (com o objetivo de vocês não ficarem perdidos ao assistirem o novo filme de David Fincher na Netflix). Então, com isso dito, vamos falar sobre o roteiro. Escrito por Herman J. Mankiewicz e Orson Welles, a estrutura narrativa de “Cidadão Kane” poderia encaixar-se facilmente em uma estrutura de documentário, já que a própria trama gira em torno de entrevistas à respeito do personagem-título. Mas, provavelmente pelo fato de Charles Foster Kane ser um personagem fictício, o diretor Orson Welles faz a sábia escolha de interpretar essas entrevistas por meio de flashbacks. E são nesses flashbacks que se encontra aquilo que faz de “Cidadão Kane” um estudo de personagem absolutamente brilhante: cada um dos entrevistados apresenta um ponto de vista completamente diferente sobre o sujeito da entrevista. E isso se torna evidente quando os roteiristas decidem fazer um contraste entre um programa de notícias produzido logo após a morte de Kane, onde foram destacados os maiores feitos da vida do magnata, colocando-o num pedestal absurdamente alto; e as entrevistas, que oferecem uma quase total desconstrução da personalidade de Kane, explorando tanto os seus momentos de triunfo quanto os seus fracassos. E esse aspecto narrativo de apresentar várias perspectivas sobre algo ou alguém foi verdadeiramente revolucionário para a época, já que na maioria dos filmes de Hollywood nas décadas de 1930 e 1940, os cineastas apostavam mais na simplicidade de entregar tudo o que os espectadores precisam saber para entender a trama sob um único ponto de vista. Em “Cidadão Kane”, Mankiewicz e Welles fazem a brilhante escolha de fazer de seu protagonista um enigma, a qual deixa os espectadores sempre refletindo nas seguintes perguntas e afirmações: “Mas será que tal coisa é verdade?” e “Ué, mas essa parte aqui não estava no programa de notícias no início do filme!”. E esse senso de mistério ao redor da persona de Kane faz do filme de 1941 um exemplo pioneiro do gênero film noir, caracterizado por tramas de detetive bem elaboradas, com um visual inspirado na direção de fotografia do expressionismo alemão. Ele é frequentemente desconstruído, mas sua trajetória ainda consegue causar fascínio no espectador. Pode-se dizer que “Cidadão Kane” foi marcado pelo mistério da última palavra de seu protagonista, e os roteiristas fazem um excelente trabalho em revelar tudo que possa levar à revelação do significado dessa palavra de uma forma bem gradativa e lenta, o que acaba por prender o espectador à trama e ao desenrolar da vida pessoal de Kane, exposta pelos entrevistados. E acho que nem é preciso dizer que o filme de Orson Welles foi uma das maiores influências para os cineastas dos dias de hoje, inclusive para o próprio David Fincher, diretor do vindouro “Mank”, que recebeu comparações com “Cidadão Kane” por explorar a vida de um magnata da mídia através de entrevistas e flashbacks em “A Rede Social”, que conta a história da fundação do Facebook. E o fato de Fincher ter quase que literalmente criado um Charles Foster Kane para o século XXI por meio da sua interpretação de Mark Zuckerberg no filme de 2010 faz dele o diretor perfeito para contar a história dos bastidores desse clássico atemporal.

(I had already watched “Citizen Kane” during the COVID-19 pandemic, but I was waiting for the right moment to write a review especially about this film. And now, with the imminent release of “Mank” on Netflix, I couldn't have chosen a better time. For those who still don't know, “Mank” will tell the story of Herman J. Mankiewicz, co-screenwriter of “Citizen Kane”, who faces several conflicts with director and protagonist Orson Welles during the production of the film, in the late 1930s and early 1940s. So, in preparation for the release of “Mank”, which is already being acclaimed as one of the best films of 2020, I think revisiting the 1941 film would be something really beneficial, for me (as I will finally bring the review of Welles's masterpiece to the blog) and for you (in order for you not to feel lost when watching David Fincher's new film on Netflix). So, with that said, let's talk about the screenplay. Written by Herman J. Mankiewicz and Orson Welles, the narrative structure of “Citizen Kane” could've easily fit into a documentary structure, as the plot itself revolves around interviews regarding the title character. But, probably because of the fact that Charles Foster Kane is a fictional character, director Orson Welles makes the wise choice of portraying said interviews through flashbacks. And it's in those flashbacks that we find out what makes “Citizen Kane” a brilliant character study: each one of the interviewees presents a completely different point of view on the subject of the interview. And that becomes evident when the screenwriters decide to make a contrast between a newsreel produced right after Kane's death, which highlighted the biggest feats of the tycoon's life, putting him on an absurdly high pedestal; and the interviews, which offer an almost complete deconstruction of Kane's personality, exploring his moments of triumph as well as his failures. And this particular narrative aspect of presenting several perspectives on something or someone was truly revolutionary for its time, as in most of Hollywood's films in the 1930s and 40s, filmmakers made their bet on the simplicity of giving up everything the viewer needed to understand the story under one single point of view. In “Citizen Kane”, Mankiewicz and Welles make the brilliant choice of turning its main character into a real puzzle, which will end up leading the viewer thinking about the following questions and affirmations: “But is that thing actually true?” and “What? But this wasn't in that newsreel in the beginning of the movie!”. And this sense of mystery regarding Kane's persona makes the 1941 film an early example of the film noir genre, known by its well-elaborate detective stories, with visuals inspired by German Expressionism cinematography. He is frequently deconstructed, but his trajectory still manages to leave the viewers wonderstruck. It can be said that “Citizen Kane” was marked by the mystery regarding its protagonist's last spoken word, and the screenwriters do an excellent job in slowly and gradually revealing everything that may lead to the meaning of that word, which ends up keeping the viewer engaged in the story and in the unraveling of Kane's personal life, exposed by the interviewees. And I think it goes without saying that Orson Welles's film was highly influential for today's filmmakers, including David Fincher himself, the director of the upcoming “Mank”, who received comparisons with “Citizen Kane” by exploring the life of a media mogul through interviews and flashbacks in “The Social Network”, which tells the story of the foundation of Facebook. And the fact that Fincher actually created a Charles Foster Kane for the 21st century through his portrayal of Mark Zuckerberg in the 2010 film makes him the perfect director to tell the making-of story of this timeless classic.)



Um fato interessante sobre o elenco é que a grande maioria dos atores era estreante no mercado cinematográfico, inclusive o próprio Orson Welles, que também fez sua estreia na direção com “Cidadão Kane”. E todos fazem um excelente trabalho aqui. Welles consegue capturar a essência de ser um magnata que possui influência sobre as pessoas com perfeição. Nas partes onde o protagonista faz algum discurso ou está ao redor de uma multidão de pessoas, ele tem bastante carisma e imponência. Mas são nas cenas onde Kane se encontra sozinho com alguém que as suas vulnerabilidades são expostas ao público. A inveja, a raiva, a ignorância, a incapacidade de verdadeiramente amar alguém. É uma tremenda performance que serviu de influência para vários protagonistas com o mesmo estilo nos filmes dos dias de hoje, como Jordan Belfort, em “O Lobo de Wall Street”. Os entrevistados também entregam ótimas performances: a Dorothy Comingore foi a que mais me convenceu ao mostrar que sua personagem foi realmente afetada pelo relacionamento com o protagonista; o Joseph Cotten expressa muito bem a inveja e a total desconsideração que seu personagem tem com Kane; e o Everett Sloane consegue mostrar o afeto e a consideração entre seu personagem e o protagonista através de uma boa química com Welles. Como coadjuvantes, temos performances competentes de Ray Collins, que é ameaçador; do Erskine Sanford, que é engraçado; e do William Alland, que é o fio condutor entre cada uma das entrevistas.

(An interesting fact about the cast is that the great majority of the actors were making their debut performance in the cinema market, including Orson Welles himself, who also made his directorial debut with “Citizen Kane”. And all of them do an excellent job here. Welles succeeds in perfectly capturing the essence of being someone big who has an influence over people. In the parts where the main character makes a speech or is around a crowd of people, he shows a lot of charisma and grandiosity. But it's in the scenes where Kane finds himself alone with someone that his vulnerabilities are exposed to the audience. Envy, rage, ignorance, the inability of truly loving someone. It's a knockout performance that served as an influence to several protagonists in that same style in today's films, such as Jordan Belfort, in “The Wolf of Wall Street”. The interviewees also deliver great performances: Dorothy Comingore was the one who convinced me the most that her character's life was truly affected by her relationship with the main character; Joseph Cotten expresses the envy and total disconsideration his character has towards Kane very well; and Everett Sloane manages to show the affection and consideration between his character and the protagonist through a good dynamic with Welles. As supporting actors, we have competent performances by Ray Collins, who is threatening; Erskine Sanford, who is funny; and William Alland, who is the conductor for each of the interviews.)



Além das inovações narrativas que “Cidadão Kane” trouxe para o cinema, houveram vários detalhes nos aspectos técnicos que foram considerados à frente de seu tempo. A direção de fotografia do Gregg Toland acentua bastante o tom sombrio e misterioso que um bom film noir precisa ter. Os jogos e dinâmicas feitos com a iluminação, especialmente com respeito à relação entre luz e sombra; com as tomadas mais longas e com a perspectiva de profundidade da câmera foram inovadores para a época, e acabaram por influenciar o visual do gênero. Inclusive, Toland foi considerado um dos maiores revolucionários para a direção de fotografia no cinema em 1941. A montagem do Robert Wise (que, depois, iria ganhar 4 Oscars por seu trabalho na direção e produção de “Amor, Sublime Amor” e “A Noviça Rebelde”) é perfeita, em todos os sentidos. A dissolução ao transitar entre uma entrevista e um flashback é orgânica e serviu de influência para vários filmes posteriores. A percepção de passagem do tempo é estabelecida de forma impecável pela montagem de Wise. A trilha sonora original do Bernard Herrmann (que, posteriormente, iria compor a icônica melodia de “Psicose”, de Alfred Hitchcock) consegue capturar muito bem o tom sombrio da história, ditando a condução de cada uma das entrevistas, fazendo uso de instrumentos mais graves para representar os pontos baixos da vida do protagonista.

(Besides the narrative innovations that “Citizen Kane” brought to cinema, there were several details in the technical aspects that were considered ahead of their time. Gregg Toland's cinematography heavily enhances the ominous, mysterious tone a good film noir needs to have. The tricks and dynamics made with the lighting, especially regarding the relationship between light and shadow; with the longer takes and with the perspective of depth to the camera were innovative for its time, and ended up influencing the visuals for the genre. By the way, Toland was considered one of the biggest revolutionaries for cinematography in 1941. The editing by Robert Wise (who, later, would win 4 Oscars for his work in directing and producing “West Side Story” and “The Sound of Music”) is perfect, in every sense of the word. The dissolution when transitioning between an interview and a flashback is organic and served as influence for several later films. The perception of the passage of time is flawlessly established by Wise's editing. The original score by Bernard Herrmann (who would later compose the iconic melody in Alfred Hitchcock's “Psycho”) manages to capture the story's dark tone very well, dictating the conduction of each interview, making use of lower, bass-like instruments to represent the low points in the protagonist's life.)



Resumindo, “Cidadão Kane” é uma obra-prima. Contando com inovações narrativas e técnicas, e um elenco majoritariamente estreante, o filme de Orson Welles consegue firmar cada vez mais seu lugar como um dos maiores clássicos atemporais da história do cinema, com o passar do tempo. Um filme essencial para os amantes da sétima arte e do jornalismo, e uma das maiores injustiças da história do Oscar.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Citizen Kane” is a masterpiece. Relying on narrative and technical innovations, and a mostly debuting cast, Orson Welles's film manages to reaffirm its place more and more as one of the greatest timeless classics in the history of cinema, as time goes by. An essential viewing for those who love cinema and journalism, and one of the greatest injustices in Oscar history.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

"Era uma Vez um Sonho": um elenco competente limitado por um roteiro repetitivo (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos lançamentos mais recentes no catálogo original da Netflix. Baseado em uma história real, e inicialmente previsto como um dos principais concorrentes na temporada de premiações do ano que vem, o filme em questão coloca um elenco extremamente competente para trabalhar com um roteiro limitado, cíclico, e repetitivo. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Era uma Vez um Sonho”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the most recent releases in Netflix's original programming catalog. Based on a true story, and initally predicted as one of the main contenders at next year's award season, the film I'm about to analyze puts an extremely competent ensemble cast to work with a limited, cyclical and repetitive screenplay. So, without further ado, let's talk about “Hillbilly Elegy”. Let's go!)



O filme conta a história real de J.D. Vance (interpretado por Gabriel Basso como adulto, e por Owen Asztalos como criança), um estudante de Direito na Universidade de Yale que, devido à uma emergência familiar, é forçado a enfrentar os demônios de seu passado, marcado pelas relações conturbadas com a mãe (Amy Adams) e a avó (Glenn Close) em uma cidadezinha no Kentucky, e lidar com as consequências da história turbulenta de sua família no presente.

(The film tells the true story of J.D. Vance (portrayed by Gabriel Basso as an adult, and by Owen Asztalos as a child), a Law student at Yale University who, due to a family emergency, is forced to face the demons of his past, marked by his troubled relationships with his mother (Amy Adams) and his grandmother (Glenn Close) in a small town in Kentucky, and to deal with the consequences of his family's troubled history in the present.)


Devo dizer que minhas expectativas para o novo filme de Ron Howard não estavam tão altas assim. Primeiramente, porque o diretor não tem tido uma série de sucessos recentemente igual ele teve no passado (enquanto ele já ganhou 2 Oscars por “Uma Mente Brilhante” e dirigiu “Apollo 13” e “O Grinch”, ele também foi responsável por dirigir todos os filmes baseados no personagem Robert Langdon, criado por Dan Brown, os quais não foram bem recebidos pela crítica). Eu acho essa decaída na qualidade do trabalho de um diretor realmente lamentável, assim como sinto pena do Robert Zemeckis, que nos deu clássicos como a trilogia “De Volta para o Futuro”, “Uma Cilada para Roger Rabbit” e “Forrest Gump” no passado, e mais recentemente, dirigiu os medianos “Bem-vindos à Marwen” e o remake de “Convenção das Bruxas”. Segundo, estaria mentindo se dissesse que as críticas extremamente negativas em torno de “Era uma Vez um Sonho” não afetaram as minhas expectativas. Mas mantive a cabeça erguida ao assistir o filme, na esperança de que fosse como “Os Novos Mutantes” (na perspectiva dos críticos odiarem, e o público gostar bem mais). E foi, em parte. Com isso dito, vamos falar sobre o roteiro. Baseado no livro de mesmo nome escrito por J.D. Vance, o roteiro adaptado é assinado pela Vanessa Taylor, que tem em seu currículo créditos como co-roteirista do vencedor de Oscar de Melhor Filme “A Forma da Água” e como roteirista de 3 episódios de “Game of Thrones”. Começando com os pontos positivos, Taylor faz um bom controle entre as duas linhas temporais que servem de ambientação para o filme. As transições são bem orgânicas e não parecem estar fora do lugar, no ponto de vista do espectador. Às vezes, alguns flashbacks ajudam a dar mais profundidade para o que está acontecendo no presente, o que é bom, nos ajudando a ter uma melhor compreensão do lado psicológico dos personagens e a criar empatia com eles. Há alguns momentos que espelham o que está acontecendo no presente com algum evento parecido no passado, o que também é bom. E a história lida com temas pesados como vício, abuso, perda e traumas de uma maneira bem rasa e diluída, o que é tanto um ponto forte quanto um ponto fraco na minha perspectiva: forte, porque a roteirista consegue trabalhar esses temas com sucesso no roteiro, e em um ano como 2020, é até melhor que esses temas não fossem explorados de uma forma mais explícita; mas acaba sendo fraco pela oportunidade perdida de ter ido mais além do que o papel propunha. E o resultado é uma história apenas decente, que lida com temas pesados de forma rasa para entregar uma mensagem superficial sobre redenção. Agora, vamos à temida parte dos pontos negativos. Eu sinceramente achei o filme muito repetitivo, pareceu que o desenvolvimento dos personagens era cíclico, como se eles só tivessem dois estados de espírito: em um momento, eles são dóceis; em outro, eles são revoltados, e isso apareceu como um grande obstáculo para que eu pudesse ter empatia com eles, mesmo com a presença dos flashbacks. Há personagens bem desenvolvidos no enredo, em especial as da Amy Adams e da Glenn Close, que fazem o melhor que elas podem aqui, mas também há personagens muito mal aproveitadas, como as da Haley Bennett e da Freida Pinto, e isso é bem frustrante. E o maior problema é que o roteiro limita os estados emocionais dos personagens, impedindo que eles possam ter um desenvolvimento emocional com mais nuance. Esse filme tinha literalmente tudo para ser um dos principais concorrentes da Netflix ao Oscar no ano que vem, mas, infelizmente, acho que esse não vai ser o caso.

(I must say that my expectations for Ron Howard's new film weren't that high. Firstly, because he hasn't delivered a streak of good films recently, just like in the past (while he already won 2 Oscars for “A Beautiful Mind” and directed “Apollo 13” and “How the Grinch Stole Christmas”, he was also responsible for directing every film based on Dan Brown's Robert Langdon character, all of which were not well-received by critics). I find this decay on a filmmaker's work quality to be really sad, as I also feel pity for Robert Zemeckis, who gave us classics like the “Back to the Future” trilogy, “Who Framed Roger Rabbit” and “Forrest Gump” in the past, and more recently, helmed the mixed bags “Welcome to Marwen” and a remake of “The Witches”. Secondly, I'd be lying if I said that the extremely negative criticism directed towards “Hillbilly Elegy” didn't affect my expectations for it. But I held my head up high when watching it, hoping it would be like “The New Mutants” (in the perspective that critics hated it, and the audience enjoyed it way more). And it was, partially. With that said, let's talk about the screenplay. Based on the book of the same name written by J.D. Vance, the adapted screenplay is written by Vanessa Taylor, who has in her resumé credits as a co-writer in the Best Picture winner “The Shape of Water” and as a writer for 3 episodes of “Game of Thrones”. Starting off with the positive points, Taylor has a nice control over the two timelines that serve as the film's setting. The transitions are really organic and don't seem out of place, in the viewer's point of view. Sometimes, some flashbacks help in giving more depth to something that's happening in the present, which is good, helping us to understand a little bit more of these characters' psychological side and to create empathy for them. There are some moments that mirror something happening in the present with something similar that happened in the past, which is also good. And the story deals with heavy-hitting themes such as addiction, abuse, loss and traumas in a really shallow and diluted way, which can be both a strong and a weak point, in my perspective: strong, because the screenwriter manages to successfully work with these themes in the screenplay, and in a year like 2020, it's even for the best that they don't get dealt with in a more explicit way; but it ends up being a weak choice for its missed opportunity to go beyond what was proposed in paper. And the result is an only decent story, which deals with hard-hitting themes in a shallow way to deliver a superficial message about redemption. Now, let's move onto the feared part of the negative points. I honestly thought the film was too repetitive, it seemed like the character development was pretty cyclical, like they only had two emotional states: in one moment, they're sweet; in the other, they're revolted, and that came as a huge obstacle for me to reach towards some empathy for them, even through the flashbacks. There are well-developed characters in the plot, especially the ones portrayed by Amy Adams and Glenn Close, who do their best with what they've got here, but there were also some very underused characters, like the ones portrayed by Haley Bennett and Freida Pinto, which is really frustrating. And the biggest problem is the script puts a limit to the characters' emotional state, stopping them from having a more nuanced emotional development. This film had literally everything to be one of Netflix's main contenders to the Oscars next year, but unfortunately, I don't know if that'll be the case.)



Agora, vamos à melhor parte do filme: o elenco. Pode-se dizer com certeza que o maior apelo que a Netflix fez para promover “Era uma Vez um Sonho” foi a presença da Amy Adams e da Glenn Close, as quais, como dito anteriormente, fazem o melhor com o que lhes é oferecido no roteiro. Eu gostei bastante do desempenho da Amy Adams. Ela interpreta uma personagem emocionalmente vazia, violenta, problemática, e ela consegue transmitir as angústias dentro dela muito bem. Ela já entregou performances com mais nuances no passado, mas não acho que ela será receberá sua sétima indicação ao tão desejado Oscar dessa vez, apesar de ser uma boa atuação. Porém, o verdadeiro holofote aqui brilha sobre a Glenn Close, que interpreta a única personagem que vai além dos dois estados de espírito citados no parágrafo acima, sendo amorosa, cuidadosa, e ao mesmo tempo, disciplinadora e justa para com o personagem do Owen Asztalos. Se eu fosse arriscar indicar esse filme pra uma categoria no Oscar, indicaria Close para o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante. As cenas onde Adams e Close estão em tela juntas são algumas das melhores do filme. A química entre as duas, as atrizes mais experientes do elenco, é evidente e, ao mesmo tempo, explosiva. Mas o verdadeiro protagonista do filme é o Gabriel Basso, que é interpretado nos flashbacks pelo Owen Asztalos. Basso faz um bom trabalho aqui, apesar de não ter nenhum momento para realmente brilhar, igual em sua performance honesta em “Os Reis do Verão”. E o Owen Asztalos se redime daquele desastre que foi o quarto filme da série “Diário de um Banana” como um ótimo complemento psicológico e emocional para o personagem de Basso, possuindo uma ótima química com tanto Amy Adams quanto Glenn Close. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre a Freida Pinto e a Haley Bennett, cujo potencial é quase que completamente desperdiçado pelo mínimo número de cenas oferecidas a cada uma, o que eu acho realmente lamentável.

(Now, let's move onto the best part of the film: its cast. It can be certainly said that the biggest appeal that Netflix did to promote “Hillbilly Elegy” was the presence of Amy Adams and Glenn Close, who, as previously said, do their best with what the script offers them. I really liked Amy Adams's performance. She plays an emotionally drained, violent and troubled character, and she's able to transmit the anguish inside her really well. She's already delivered more nuanced performances in the past, but I don't think she'll get her seventh nomination for her desired Oscar this time, although she does a pretty good job. But the true spotlight here shines upon Glenn Close, who plays the only character who goes beyond the two emotional states mentioned in the paragraph above, being loving, careful, and at the same time, disciplinatory and fair with Owen Asztalos's character. If I were to risk nominating this film for any category in the Oscars, I'd nominate Close for Best Supporting Actress. The scenes in where Adams and Close are together onscreen are some of the film's best. The chemistry between the two, the most experienced actors in the cast, is evident and, at the same time, explosive. But the film's actual main character is Gabriel Basso, who is portrayed in the flashbacks by Owen Asztalos. Basso does a really good job here, although he doesn't have a moment to really shine, as he did in his honest performance in “The Kings of Summer”. And Owen Asztalos redeems himself from that disaster known as the fourth film in the “Diary of a Wimpy Kid” series as a great psychological and emotional complement to Basso's character, sharing some great chemistry with both Amy Adams and Glenn Close. Unfortunately, the same can't be said about Freida Pinto and Haley Bennett, as their potential is almost completely wasted by the small number of scenes offered to each actress, which is just regrettable.)



Os aspectos técnicos são bem aproveitados aqui. A fotografia da Maryse Alberti não aposta em algo grandioso, mas compensa pelo íntimo, pelo lado pessoal que o seu trabalho tenta refletir, o que é muito bom. A montagem do James D. Wilcox foi muito bem executada, especialmente nas partes de transição entre as duas linhas temporais do roteiro, as quais são previsíveis, porém eficientes. Gostei bastante do fato dele não ter prolongado as cenas mais pesadas, o que, num ano como esse, é um ponto superpositivo. A montagem também ajudou o filme a não ficar arrastado, resultando em um tempo de duração aceitável de 1h55min. Gostei muito do tom natural e cru que a direção de arte deu ao filme. Há muita natureza, muita iluminação natural, o que acabou por dar uma certa humanidade à narrativa. Há um excelente trabalho de maquiagem aqui, especialmente nas personagens de Adams e Close, que, graças aos profissionais responsáveis, ficaram extremamente parecidas com as pessoas reais que elas interpretam. E você literalmente não erra no departamento musical se tiver Hans Zimmer na trilha sonora instrumental.

(The technical aspects are put to good use here. Maryse Alberti's cinematography doesn't bet on being great, but it compensates for the intimate and personal side that her work tries to reflect, which is really good. James D. Wilcox's editing was really well-executed, especially in the transition parts between the screenplay's two timelines, which are predictable, yet efficient. I really appreciated how he didn't make the more heavy-hitting scenes longer, which, in a year like this one, is one hell of a positive point. The editing also helped the film not to drag itself on, resulting in an acceptable running time of 1 hour and 55 minutes. I really liked the natural, raw tone that the art direction gave to the film. There's a lot of nature, a lot of natural lighting, which ended up giving the narrative a certain humanity. There's an excellent work in makeup here, especially on Adams's and Close's characters, who, thanks to the professionals responsible, turned out to look extremely similar to the real-life people they were playing. And you literally can't go wrong in the musical department if you've got Hans Zimmer composing the score.)



Resumindo, “Era uma Vez um Sonho” não é um desastre total, mas também não é perfeito. Orientado por um roteiro limitado, repetitivo e cíclico, o novo longa dirigido por Ron Howard encontra sua redenção em um elenco extremamente competente e aspectos técnicos muito bem aproveitados, com destaque para as performances de Amy Adams e Glenn Close e o extraordinário trabalho de maquiagem.

Nota: 8,0 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Hillbilly Elegy” isn't a total disaster, but it isn't perfect either. Guided by a limited, repetitive and cyclical screenplay, Ron Howard's new feature-length film finds its redemption in an extremely competent cast and a great use of its technical aspects, with special highlights to the performances by Amy Adams and Glenn Close and the extraordinary makeup work.

I give it an 8,0 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


sábado, 21 de novembro de 2020

"Run": um suspense tenso, aterrorizante e constantemente surpreendente (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos lançamentos mais recentes nas plataformas de streaming dos EUA. Inicialmente previsto para uma estreia nas telonas, o filme em questão é o retorno triunfal do diretor de um dos suspenses mais originais e inventivos dos últimos tempos, e serve de vitrine para o trabalho excelente de suas duas protagonistas. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Run”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the most recent releases on American streaming platforms. Initially intended to be released in theaters, the film I'm about to discuss is the triumphant return from the director of one of the most original and inventive thrillers in recent years, and serves as a showcase for the excellent work by its two main actresses. So, without further ado, let's talk about “Run”. Let's go!)



O filme acompanha Chloe (Kiera Allen), uma adolescente cadeirante que vive com a mãe solteira e super-protetora (Sarah Paulson) numa cidade pacata dos EUA. Estudando em casa e sonhando em, finalmente, entrar em uma faculdade, Chloe vê sua vida virar de cabeça para baixo ao fazer descobertas chocantes que levam-a a acreditar que sua mãe não é quem parece ser.

(The film follows Chloe (Kiera Allen), a teenage wheelchair user who lives with her single, overprotective mother (Sarah Paulson) in a quiet American town. Being homeschooled and dreaming of, finally, getting into college, Chloe sees her life turn upside down when she makes shocking discoveries that lead her to believe her mother is not who she seems to be.)



Sabe aquelas vezes onde você não põe expectativa nenhuma em um filme, e quando você assiste, acaba se impressionando com o resultado final? Pois é, esse foi o meu caso com “Run”. Não tinha dado muita atenção aos trailers na época em que eles lançaram, e só fui me interessar pela sua premissa nesta semana, ao descobrir que a imprensa (em geral) inundou o filme de elogios. Mas quando vi quem eram os responsáveis por “Run”, entendi porque tinha sido muito bem recebido pela crítica. O filme é dirigido e co-escrito pelo Aneesh Chaganty, que em 2018, nos presenteou com sua estreia na direção: o inventivo suspense “Buscando”, o qual conta uma história convencional de uma maneira não tão convencional, e o conceito funcionou perfeitamente. “Run” só veio para provar a versatilidade de Chaganty em criar suspenses muito bem construídos e desenvolvidos, tanto de formas convencionais quanto não-convencionais. Em parceria com o co-roteirista Sev Ohanian (que também colaborou na trama de seu filme anterior), o diretor elabora uma história aterrorizante, tensa e surpreendente, em sua progressão narrativa. Não é uma história propriamente original, no sentido mais claro da palavra, mas as voltas que o roteiro dá aqui e ali dão a ela mais uma percepção de ar fresco do que o sentimento de nos fazer pensar que estamos vendo mais do mesmo. Se fosse para comparar “Run” com qualquer outro filme, seria uma mistura entre “Louca Obsessão” (tanto que várias cenas remetem à atmosfera que o diretor Rob Reiner criou para a adaptação da obra homônima de Stephen King) e “Coraline e o Mundo Secreto”, mas essa comparação só fará sentido depois de assisti-lo. Mas voltando à originalidade do roteiro, grande parte desse ar fresco se dá pelo desenvolvimento das duas protagonistas, interpretadas pela Kiera Allen e pela Sarah Paulson. Já de cara, dá pra ver que elas têm um senso de co-dependência uma com a outra, como mãe e filha. A mãe prepara todas as refeições e remédios da filha, enquanto a filha retribui com os resultados de seus estudos. Mas aí, o caldo vai engrossando de forma bem lenta e surpreendente. E isso é uma das melhores coisas sobre o roteiro: ele não entrega todas as suas surpresas em uma única cena. Elas vão se revelando de forma bem gradativa, e quanto mais o número de guinadas, mais o queixo do espectador desce até o chão. Eu gostei bastante da maneira que o roteiro acha de construir tensão, a ponto de se tornar insuportavelmente enervante. Seja por através de um pequeno detalhe no fundo da tela, ou pela dinâmica dos jogos de câmera usados aqui, tensão é a principal força condutora da narrativa de “Run”. E eu fiquei bem impressionado de como Chaganty e Ohanian conseguiram juntar vários momentos de roer as unhas em um curto, mas extremamente bem aproveitado tempo de duração de 1 hora e 30 minutos. É um roteiro que faz uma progressão narrativa constantemente crescente, até os 5-10 minutos finais, onde achei que faltava uma conclusão mais “redonda”. Pensei que todos os eventos ocorridos levariam à algo que, infelizmente, não se concretizou. Mas no geral, “Run” consolida ainda mais o talento de Aneesh Chaganty e Sev Ohanian em criar suspenses originais surpreendentes e com alto nível de tensão.

(You know those times where you have absolutely no expectation whatsoever for a film, and then you end up positively impressed with the final result? Yeah, that was my case with “Run”. I hadn't given the trailers that much attention when they were released, and I only got interested in its premise this week, after discovering that the press (generally) flooded it with compliments and acclaim. But when I researched about it and found out who wrote and directed “Run”, I understood why it was being so well-received by critics. The film was directed and co-written by Aneesh Chaganty, who in 2018, gifted us with his directorial debut: the inventive thriller “Searching”, which tells a conventional story in a rather unconventional way, and its concept fit perfectly. “Run” only came to prove Chaganty's versatility in crafting well-built and developed thrillers, told in either conventional or unconventional ways. Partnering up with co-writer Sev Ohanian (who also collaborated for his previous film's story), the director elaborates a terrifying, tense and surprising story, in its narrative progression. It's not a properly original plot, in the clearest sense of the word, but the twists and turns made by the screenplay give it more of a fresh air feeling than the feeling of making us think we're seeing more of the same. If I were to compare “Run” with any other film, it would be a mix between “Misery” (as several scenes throw back to the atmosphere director Rob Reiner injected into his adaptation of Stephen King's novel of the same name) and “Coraline”, but this comparison will only make sense after you finish watching it. But coming back to the screenplay's originality, a large part of this freshness happens because of the development of its two main characters, portrayed by Kiera Allen and Sarah Paulson. In the first scene they share, you can notice they have a sense of co-dependence with each other, as mother and daughter. The mother prepares all of her daughter's meals and medicine, and the daughter gives that back with the results of her studies. But then, the plot thickens in a slow and surprising way. And that's one of the best things about the screenplay: it doesn't deliver all of its surprises in one single scene. They reveal themselves one by one, and the more the plot twists it uncovers, more the viewer's jaw lowers itself. I really liked the way the script builds tension, to the point it becomes unbearably unnerving. Either through a small detail in the back of the screen, or by the dynamics of the camera movements used here, tension is the main conductive force of “Run”'s narrative. And I got really impressed on how Chaganty and Ohanian managed to gather several nail-biting moments in a short, yet well-calculated running time of 1 hour and 30 minutes. It's a script that has a constantly growing narrative progression, until the final 5-10 minutes, where I thought it lacked a more well-rounded conclusion. I thought all the events shown onscreen would lead to something that, unfortunately, did not come true. But generally, “Run” consolidates even more the talents of both Aneesh Chaganty and Sev Ohanian in creating original, surprising thrillers filled with tension.)



Não há muito o que falar do elenco, pelo fato de ter apenas 4 atores no filme inteiro. Mas o reconhecimento precisa ser dado para as duas protagonistas, Kiera Allen e Sarah Paulson. A começar pela estreante Kiera Allen, que é cadeirante na vida real. Só por esse fato, a atuação dela merece um holofote em particular, porque ela não finge que está enfrentando as dificuldades que alguém com capacidades motoras reduzidas teria, ela realmente as enfrenta. E é preciso parabenizar o diretor por dar a oportunidade para uma atriz cadeirante ser ela mesma no papel. E ela faz um ótimo trabalho aqui. Allen consegue transitar entre emoções opostas de modo crível e humano. Ela consegue transmitir estados de espírito como medo, desespero, paranoia e, ao mesmo tempo, uma sagacidade impressionante. A personagem dela provavelmente é uma das mais inteligentes que eu já vi em um filme de suspense, se não for a mais inteligente. E então, chegamos à Sarah Paulson, que não é estranha ao gênero, graças aos seus papéis nas temporadas de “American Horror Story” e, mais recentemente, em “Ratched”. E ao pregar os olhos nela, eu pensei: “ela daria uma boa Annie Wilkes (a antagonista de “Louca Obsessão”)”. A atriz faz um trabalho excelente em balancear a doçura na figura materna de sua personagem e a crescente desconfiança em relação às descobertas da filha. Eu fiquei bastante impressionado em como só 2 atrizes conseguiram carregar o filme nas costas. Realmente surpreendente.

(There's not a lot to talk about in the cast, as it is entirely composed by only 4 actors. But we have to give recognition to the two main actresses, Kiera Allen and Sarah Paulson. Starting off with newcomer Kiera Allen, who is a wheelchair user in real life. Just for that fact alone, her performance deserves a particular spotlight, as she doesn't fake the difficulties a person with reduced motor capabilities would face, she actually faces them. And we have to congratulate the director for giving the opportunity to a wheelchair user who's also an actress to feel more comfortable in her role. And she does a marvelous job here. Allen manages to travel through opposite emotions in a believable and human way. She manages to transmit moods like fear, despair, paranoia and, at the same time, an impressive amount of wit. Her character is likely one of the smartest I've ever seen in a thriller film, if not the smartest. And then, we come to Sarah Paulson, who isn't a stranger to the genre, thanks to her roles in the seasons of “American Horror Story” and, more recently, in “Ratched”. And just by looking at her, I thought: “she would make a fantastic Annie Wilkes (the antagonist of “Misery”)”. She does an outstanding job in balancing the sweetness in her character's maternal figure and the ever-growing disbelief regarding her daughter's discoveries. I was very impressed on how only 2 actresses were able to carry this film on their back. Really surprising.)



Se comparado com o filme anterior de Chaganty, “Run” não é tão inovador em seus aspectos técnicos, mas faz um uso inventivo dos recursos presentes para aumentar a tensão sugerida pelo roteiro. A direção de fotografia da Hillary Fyffe Spera é bem dinâmica, sempre em fluido movimento durante as cenas com mais ação. Eu dou um destaque especial sobre o quão bem ela consegue capturar os pontos de vista dos personagens, e talvez até o que eles não conseguem ver. Um trabalho extremamente competente. A montagem do Nick Johnson e do Will Merrick é boa, eles sabem exatamente onde cortar e onde prolongar para uma tensão mais eficiente. Só não gostei do fato de que, em mais de uma ocasião, a tela ficou escura por tempo o suficiente para ser notável. Para mim, esses cortes com tela preta precisam ser imperceptíveis para ninguém botar defeito, e, infelizmente, isso aconteceu mais de uma vez em “Run”. Mas isso não afetou minha ótima experiência com o filme, de modo algum. A trilha sonora original do Torin Borrowdale me lembrou bastante do trabalho do Michael Abels em “Nós”, do Jordan Peele, onde foram usados violinos para tornar a atmosfera do filme cada vez mais enervante, e Borrowdale repetiu essa fórmula com sucesso em seu trabalho.

(If compared to Chaganty's previous film, “Run” isn't as innovative in its technical aspects, but it does make an inventive use of the present resources to enhance the tension suggested by the screenplay. Hillary Fyffe Spera's cinematography is really dynamic, always in fluid motion during the scenes with a little bit of more action to them. I'd like to give a special highlight on how well she manages to capture the characters' point of view, and maybe even what they aren't able to see. An extremely competent work. Nick Johnson and Will Merrick's editing is good, they know exactly where to cut and where to make things a little longer for a more efficient amount of tension. I just didn't like the fact that, in more than one occasion, the screen went dark long enough to be noticeable. For me, these dark screen cuts need to be imperceptible so that no one is able to call them out, and, unfortunately, that happened more than once in “Run”. But that didn't affect my great experience with the film, in any way. Torin Borrowdale's original score reminded me a lot of Michael Abels's work in Jordan Peele's “Us”, where violins were used to make the film's atmosphere more and more unnerving, and Borrowdale successfully repeated that formula in his work.)



Resumindo, “Run” foi uma das maiores surpresas do ano, para mim. Tendo como base um roteiro aterrorizante, tenso e constantemente surpreendente, o diretor Aneesh Chaganty e o roteirista Sev Ohanian não reinventam a roda, mas adicionam ingredientes extras à fórmula para fazer do filme uma verdadeira vitrine para o excelente desempenho das duas protagonistas.

Nota: 9,5 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Run” was one of the year's biggest surprises, for me. Relying on a terrifying, tense and constantly surprising screenplay, director Aneesh Chaganty and screenwriter Sev Ohanian don't reinvent the wheel, but they add extra ingredients to the plot's formula to make the film a real showcase for the excellent performances by its two main actresses.

I give it a 9,5 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

"Spontaneous": uma tragicomédia original, inventiva e reflexiva (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos lançamentos mais recentes em plataformas de VOD (video on-demand) nos EUA. Sendo uma comédia dramática adolescente de humor negro afiadíssima, a obra em questão faz um excelente uso de sua premissa exageradamente absurda para falar de assuntos reais, reflexivos e relevantes. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Spontaneous”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the most recent releases on VOD (video on-demand) platforms in the US. As a razor-sharp teen black comedy-drama, the film I'm about to analyze makes an excellent use of its exaggeratedly absurd premise to talk about real, thought-provoking, relevant themes. So, without further ado, let's talk about “Spontaneous”. Let's go!)



Baseado no romance de mesmo nome escrito por Aaron Starmer, o filme é ambientado na cidade de Covington, no estado da Geórgia, e acompanha Mara (Katherine Langford), uma adolescente revoltada que vê sua cidade-natal virar de cabeça para baixo quando estudantes do terceiro ano começam a literalmente explodir, do nada. Nesse cenário, Mara encontra conforto em Dylan (Charlie Plummer), e os dois, na perspectiva de que o amanhã não seja uma total certeza, começam a viver suas vidas ao máximo.

(Based on the novel of the same name written by Aaron Starmer, the film is set in the city of Covington, Georgia, and follows Mara (Katherine Langford), a rebellious teenager who sees her hometown turn upside down when 12th grade students start to literally explode, out of nowhere. In that scenario, Mara finds comfort in Dylan (Charlie Plummer), and the two of them, in a perspective where tomorrow isn't totally certain, start to live their lives to the max.)



Eu realmente não tinha ouvido falar desse filme até o algoritmo do YouTube magicamente me levar à um vídeo dos primeiros 5 minutos de “Spontaneous”. Confesso que não vi a prévia por completo, mas as presenças da Katherine Langford (que me impressionou bastante na primeira temporada de “13 Reasons Why”, a qual foi a única que eu vi, porque pareceu ser a única que realmente importava) e do Charlie Plummer (que interpretou um dos melhores papéis de adolescentes na minissérie “Looking for Alaska”, cuja resenha você pode ler aqui no blog) já me chamaram a atenção. Aí, como resultado da minha curiosidade, fui pesquisar um pouco sobre a obra. E acabei descobrindo que era escrita e dirigida pelo Brian Duffield, que escreveu o roteiro do primeiro “A Babá”, da Netflix, e da ótima comédia pós-apocalíptica “Love and Monsters”, lançada este ano. E óbvio, soube da absurda premissa de adolescentes explodindo do nada. Pronto, o filme me comprou. O baixei e assisti ontem, com a expectativa de ser bastante divertido e bom pra passar o tempo, como as obras anteriores de Duffield. E eu estava certo, parcialmente. Acontece que “Spontaneous” não é sua comédia adolescente de sempre, no estilo “Para Todos os Garotos que Já Amei”. É ácida, pervertida, e consegue retratar sem nenhum filtro como é ser um adolescente no século XXI. É um filme muito engraçado, especialmente para o seu público-alvo. Os personagens são extremamente carismáticos, de modo que o espectador consegue até se relacionar com as situações que eles passam, de tão humanos que são. Através da narração da protagonista, somos completamente imersos no universo fictício de “Spontaneous”, e sempre atualizados quando algo novo e inesperado acontece. Nós vemos tudo pelo ponto de vista dela, e isso acaba por dar cor para o filme, dar uma personalidade diferenciada para ele. E isso, pelo menos pra mim, me prendeu bastante. São usados aqui vários recursos cômicos eficientes, como algumas quebras da quarta parede (quando o personagem se endereça ao espectador), sequências de sonho hilárias, diálogos afiadíssimos, e acima de tudo, atuais... Há muito material no enxuto tempo de duração de 1 hora e 40 minutos para fazer o espectador dar boas risadas. Mas fazer você rir não é o principal objetivo de “Spontaneous”. O que eu realmente não esperava sobre o filme era o uso dessa premissa absurda e fantasiosa para falar de temas reflexivos e reais. O roteiro consegue balancear de forma surpreendente o senso de humor ácido e assuntos como luto, perda, a percepção da própria mortalidade e a fugacidade do tempo, e os dois extremos acabam casando perfeitamente no resultado final. Outra coisa que eu gostei bastante no roteiro é a total ambiguidade em respeito a quem ou o quê está causando as explosões espontâneas dos adolescentes, o que pode abrir as portas para as mais variadas interpretações sobre o conceito do filme. Resumindo, em seu melhor trabalho, Brian Duffield pega uma premissa absurda e a transforma em uma tragicomédia original, hilária e reflexiva com um peso emocional surpreendentemente grande. Mal posso esperar pelo futuro brilhante desse diretor e roteirista.

(I really didn't hear anything on this film until the YouTube algorithm magically sent me to a video with the first 5 minutes of “Spontaneous”. I confess I didn't see the preview as a whole, but the presences of Katherine Langford (who caused quite an impression on me in the first season of “13 Reasons Why”, which was the only season I watched, as it seemed like the only one that actually mattered) and Charlie Plummer (who played one of the best teenager roles in the miniseries “Looking for Alaska”, you can read my review on it here on the blog) already captured my attention. Then, as a result of my curiosity, I researched a little bit about it. And I ended up finding out it was written and directed by Brian Duffield, who wrote the screenplay for the first film in the Netflix franchise “The Babysitter”, and for the great post-apocalyptic comedy “Love and Monsters”, which was released this year. And obviously, I heard about its absurd premise of teenagers blowing up out of nowhere. There, I was sold. I downloaded it and watched it yesterday, with the expectations of it being a lot of fun and good to pass the time, as many of Duffield's previous work. And I was right, partially. It happens that “Spontaneous” isn't your go-to teen comedy film, like “To All the Boys I've Loved Before”. It's acid, perverted, and manages to show an unfiltered look on how it is to be a teenager in the 21st century. It's a really funny flick, especially for its target audience. The characters are extremely charismatic, to the point where the viewer can actually relate to them, because of their human nature. Through the protagonist's voice-over narration, we are completely immersed into the fictional universe of “Spontaneous”, and always updated when something new or unexpected happens. We see everything through her point of view, and that ends up giving the film more color, a unique personality to it. And that, at least for me, got me hooked into it. Several resources are efficiently used for comic effect here, like some fourth wall breaks (when the character addresses the viewer), hilarious dream sequences, razor-sharp and, above all, current dialogue... There's plenty of material in this calculated running time of 1 hour and 40 minutes to give the viewer some good laughs. But making you laugh isn't the main objective of “Spontaneous”. What I really wasn't expecting it to do is taking this absurd, fantasy-ish premise to talk about real and thought-provoking themes. The screenplay can balance its acid sense of humor and subjects like grief, loss, the perception of one's own mortality and the fast nature of time surprisingly well, and these two extremes end up being a perfect match in the final results. Another thing I quite enjoyed in the screenplay is the total ambiguity towards who or what is causing the teenagers' spontaneous explosions, which can open the door to several interpretations of the film's concept. To sum it up, in his best work, Brian Duffield takes an absurd premise and transforms it into an original, hilarious and thought-provoking tragicomedy that has a surprisingly large emotional weight. I can't wait for this writer-director's bright, promising future.)



Claro, uma premissa original como essa precisa do elenco certo. E “Spontaneous” acertou em cheio na escalação de seus atores. A começar pela Katherine Langford, que interpreta aqui o completo oposto de sua personagem em “13 Reasons Why”. Ela é revoltada, sarcástica, rebelde, muito engraçada, e sua performance fica ainda melhor contracenando com o Charlie Plummer, que também está ótimo. Quando os dois estão em tela, nós somos capazes de ver a química instantânea que seus personagens têm, e sentimos que eles são realmente perfeitos um para o outro. A relação deles chega a esse nível de credibilidade, e é preciso reconhecer o desempenho desses atores. Em um papel mais secundário, temos a Hayley Law, conhecida por seu papel em “Riverdale”. Ela está muito bem aqui, servindo como uma âncora emocional para a personagem de Langford. No elenco adulto, temos performances bem competentes de Yvonne Orji, Piper Perabo e Rob Huebel, mas quem rouba a cena é a Chelah Horsdal, que está presente em uma das sequências mais emocionalmente carregadas do longa, trocando alguns dos diálogos mais importantes e emocionantes do roteiro.

(Sure, a premise this original needs the right cast. And “Spontaneous” hit the jackpot while casting its actors. Starting off with Katherine Langford, who plays the complete opposite of her character in “13 Reasons Why” here. She's rebellious, sarcastic, very funny, and her performance gets even better when onscreen with Charlie Plummer, who is also great. When the two of them are onscreen, we are able to see the instant chemistry their characters share, and we feel that they actually are perfect for each other. Their relationship reaches that level of credibility, and the development of these actors must be recognized. In a more secondary role, we have Hayley Law, known for her role in “Riverdale”. She's really good here, serving as an emotional anchor to Langford's character. In the adult cast, we have really competent performances by Yvonne Orji, Piper Perabo and Rob Huebel, but the scene-stealer here is Chelah Horsdal, who's a key part in one of the most emotionally charged sequences in the film, exchanging some of the screenplay's most important and emotional pieces of dialogue.)



Os aspectos técnicos seguiram um rumo bastante interessante, no meu ponto de vista. A direção de fotografia do Aaron Morton e a montagem do Steve Edwards, em conjunto, fizeram a decisão sábia de não mostrar as explosões espontâneas explicitamente, porque isso poderia dar um sabor gratuito a esse artifício. No lugar, tomadas em offscreen (ou seja, fora da tela) são usadas para esses fenômenos, fazendo uso de cortes muito bem calculados para um maior efeito no espectador. A trilha sonora é exatamente o que eu esperaria de uma playlist de uma adolescente revoltada vivendo no século XXI. Todos os sentimentos que passam pela cabeça desses personagens são, de algum modo, expressas através das músicas presentes na trilha sonora. A montagem também ajuda bastante a estabelecer uma continuidade em relação aos eventos do filme, o que por consequência, nos ajuda a ter um melhor acompanhamento de sua linha temporal.

(The technical aspects followed a very interesting path, in my point of view. Aaron Morton's cinematography and Steve Edwards's editing, in unison, made the wise decision of not showing the spontaneous explosions in an explicit manner, as it could give that device a sort of gratuitous bad taste. Instead, offscreen takes are used for these phenomena, making use of very well calculated cuts for an enhanced effect on the viewer. The soundtrack was exactly what I would expect from a playlist by an angsty teenager living in the 21st century. Every feeling that goes through these characters' heads are, somehow, expressed through the songs in the soundtrack. The editing is also a helping hand in establishing a continuity regarding the film's events, which consequently, helps us following its timeline a little better and clearer.)



Resumindo, “Spontaneous” foi uma das maiores surpresas do ano, pra mim. Munido de uma premissa absurda, um elenco perfeitamente escalado, e um uso criativo e diferenciado de seus aspectos técnicos, o diretor estreante e roteirista Brian Duffield consegue fazer de seu primeiro filme algo hilário e comovente, com os dois extremos em perfeito equilíbrio.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Spontaneous” was one of the year's biggest surprises, for me. Armed with an absurd premise, a perfectly cast group of actors, and a creative, different use of its technical aspects, screenwriter Brian Duffield (in his directorial debut) makes his first feature film something hilarious and moving, with these two extremes in a perfect balance.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Animações Diferentes - "Primal": um feito belo, brutal e extraordinário para a animação adulta (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para trazer a próxima parte da nossa postagem especial sobre obras de animação diferenciadas. Criada por uma das vozes mais criativas no mercado atualmente, a obra em questão consegue balancear perfeitamente a brutalidade e a beleza presentes em seu universo fictício, sendo um tremendo feito para a animação adulta. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Primal”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to bring the next part in our special post on different works of animation. Created by one of the most creative voices on the market currently, the work I'm about to analyze manages to perfectly balance the omnipresent brutality and beauty in its fictional universe, being a tremendous feat for adult animation. So, without further ado, let's talk about “Primal”. Let's go!)



Ambientado em um mundo pré-histórico, a série gira em torno de um homem das cavernas que, devido à circunstâncias trágicas, encontra uma parceria improvável com um Tiranossauro Rex, o qual passou por situações similares. Juntos, eles lutarão pela sobrevivência em meio à um mundo brutal, repleto de animais ferozes e ameaças desconhecidas, o que vai aproximando os dois no processo.

(Set in a prehistorical world, the series revolves around a caveman who, due to tragic circumstances, finds an unlikely partnership with a Tyranossaurus Rex, who went through similar situations. Together, they will fight for survival in a brutal world, filled with fearsome animals and unknown threats, which slowly brings the two closer in the process.)



Ouvi falar de “Primal” pela primeira vez ao descobrir que uma compilação de seus primeiros quatro episódios estava na reta final para ser indicada ao Oscar de Melhor Filme de Animação, o que acabou não se concretizando. Pesquisei um pouco mais sobre a série, e vi que ela tinha sido criada pelo Genndy Tartakovsky. Agora, vocês me perguntam: “Quem diabos é Genndy Tartakovsky?”. Ele não é ninguém mais, ninguém menos do que a pessoa que criou as aclamadas séries “O Laboratório de Dexter” e “Samurai Jack” para o canal de TV Cartoon Network, além de ser o diretor dos três primeiros filmes da franquia de sucesso “Hotel Transilvânia”. Não gastei tempo vendo trailers, e já baixei os cinco primeiros episódios, lançados no ano passado. (O restante da temporada terminou de ser exibida nos EUA no início do mês.) E eu estaria mentindo se dissesse que “Primal” não é um dos melhores exemplos de obras de animação direcionadas para o público adulto. Provavelmente motivado pelo sucesso da última temporada de “Samurai Jack”, elogiada pelo tom mais maduro e pela violência constante presente nos episódios, Tartakovsky deixou a imaginação correr solta na sua mais nova obra, que contém cenas extremamente violentas, as quais deixariam Quentin Tarantino com uma inveja santa. Mas tais sequências, por mais sangrentas que pareçam ser, possuem um propósito. Elas não são gratuitas, pelo contrário, elas estão lá para mostrar as dificuldades e os obstáculos que os protagonistas precisam ultrapassar para sobreviverem. A violência está na espinha dorsal da premissa de “Primal”, e tenho certeza que a obra não teria surtido o mesmo efeito se ela não fosse usada. Os roteiros da série, escritos por Tartakovsky e sua equipe, conseguem fazer com que seus 10 episódios de aproximadamente 30 minutos cada funcionem muito bem como aventuras solo, já que não é estabelecida muita continuidade entre elas, salvo algumas exceções na reta final de cada leva de 5 capítulos. Mas é inegável que “Primal” certamente se torna algo mais significativo ao ser levado em conta como um conjunto de eventos conectados. É bem interessante como as quebras de expectativa são usadas durante os episódios. É possível dizer que eles começam com um evento relativamente pacífico, que oferece tempo para que o espectador se delicie com a beleza do mundo mostrado na tela. E aí, algo inesperadamente violento acontece, mostrando a outra face desse mesmo mundo. E a série consegue equilibrar perfeitamente esses momentos mais contemplativos com as partes violentas. Posso até chegar a comparar o universo fictício de “Primal” com o de “The Last of Us”: a violência e a brutalidade são os instrumentos da empresa para vender a obra e chamar a atenção do público-alvo, mas debaixo dessa superfície, há algo bem mais profundo e belo a ser apreciado, que por completa coincidência, é a mesma coisa nos dois casos: estudos sobre a natureza humana, perda, evolução, confiança e afeição. E, assim como o aclamado videogame, “Primal” consegue manter os seus pés fincados na realidade, mesmo experimentando com os mais variados gêneros, da fantasia até o terror. Mal posso esperar pelo que Tartakovsky tem planejado para a já confirmada segunda temporada.

(I first heard about “Primal” when finding out that a compilation of its first four episodes was on its way to being nominated for the Oscar for Best Animated Feature, which ended up not happening. I researched a little bit more about it, and read that it was created by Genndy Tartakovsky. Now, you may ask: “Who the hell is Genndy Tartakovsky?”. He's nothing more, nothing less than the person who created the acclaimed TV shows “Dexter's Laboratory” and “Samurai Jack” for Cartoon Network, and directed the first three films in the highly successful “Hotel Transylvania” franchise. I didn't waste my time watching trailers, and downloaded its first 5 episodes, which were released last year. (The rest of the season finished its run in the US earlier this month.) And I would be lying if I said that “Primal” isn't one of the finest examples of works of animations specifically directed towards an adult audience. Probably motivated by the success of Samurai Jack's final season, which was praised by its more mature tone and violence, Tartakovsky let his imagination run free in his latest work, which contains extremely violent scenes. Scenes so violent, they would make Quentin Tarantino jealous. But these sequences, as bloody and gory as they may seem, have a purpose. They aren't gratuitous, on the contrary, they're there to show the difficulties and obstacles the protagonists need to overcome in order for them to survive. Violence is in the DNA of “Primal”, and I'm sure that it wouldn't cause the same effect on the viewer if it ended up unused. The series' screenplays, written by Tartakovsky and his staff, manage to make its 10 30-minute episodes work really well as solo adventures, as not much continuity is established between them, except for a few cases in the final episodes in each 5-episode run. But it's undeniable that “Primal” becomes something much more significant when dealt with as a collection of interconnected events. It's quite interesting how the screenplays play with the viewer's expectations in the episodes. It can be said that all of them start with a relatively peaceful event, which offers the viewer time to immerse themselves into the fictional universe's beauty, shown onscreen. And then, something unexpectedly violent happens, showing the universe's other face. And the show manages to balance these contemplative moments with the violent scenes really well. I can even compare the fictional universe of “Primal” with that of “The Last of Us”: the violence and the brutality are what the company uses to sell the work and get the target audience's attention, but under that surface, there's something far deeper and more beautiful to be appreciated, which by a complete coincidence, is the same thing on both cases: studies on human nature, loss, evolution, trust, and affection. And, as it happens with the acclaimed videogame, “Primal” manages to keep its feet on the ground, even when playing with a wide variety of genres, from fantasy to full-on horror. I can't wait for what Tartakovsky has in store for its already confirmed second season.)



Há um detalhe bem interessante no desenvolvimento dos protagonistas de “Primal”: em muitos filmes e séries, pode-se dizer que os personagens se desenvolvem mais profundamente através do diálogo. Mas Genndy Tartakovsky faz a jogada genial de excluir completamente o diálogo de sua nova obra, fazendo das ações dos personagens principais a principal fonte para o desenvolvimento deles. Voltando à minha comparação anterior com o videogame “The Last of Us”, o foco principal da história de “Primal” é a relação entre os dois protagonistas. E a série faz um ótimo trabalho em evoluir gradativamente essa relação, de uma forma bem lenta, um passo de cada vez. E adivinhem qual é uma das principais formas que os roteiristas usam para aprimorar essa improvável conexão? Isso mesmo, a violência. Cabeças rolando, corpos se partindo ao meio com uma dentada, animais virando espetinhos de lança, tripas voando pra tudo quanto é lado. A violência é basicamente a língua que os dois compartilham, e é através dela que eles criam um senso de dependência em relação ao outro. Mas novamente, os momentos mais calmos e contemplativos também trazem benefícios para a relação deles. Tem um episódio em particular que só fica violento perto do final, e nós, como espectadores, nem nos importamos, porque o que é nos mostrado na tela nos cativa e nos motiva a continuar assistindo para ver aonde aquilo vai dar. Claro, pra não ficar sombrio demais, há alguns momentos mais leves, que rendem boas risadas e também colaboram para uma maior aproximação entre o espectador e os protagonistas.

(There's a very interesting detail when it comes to how “Primal” develops its main characters: in many films and TV shows, it can be said that characters reach a deeper development through dialogue. But Genndy Tartakovsky makes the genius move of completely removing dialogue from his latest work, turning the main characters' actions into the main source for their development. Returning to my previous comparison with “The Last of Us”, the main focus of “Primal”'s narrative is the relationship between the two protagonists. And the show does a great job in gradually evolving that relationship, in a really slow, one-step-at-a-time way. And guess what's one of the main ways the screenwriters use to improve on this unlikely connection? That's right, violence. Heads rolling, bodies splitting in half with one move of jaws, animals turning into spear shish-kebabs, guts flying here, there and everywhere. Violence is basically the language they both share, and it's through it that they create a sense of dependence with each other. But once again, the more calm and contemplative moments also bring lots of benefits to their relationship. There's a particular episode that only gets violent near the end, and we, as viewers, don't even care, because what's shown to us onscreen manages to captivate and motivate us to keep watching to see where that's heading. Of course, there are some lighter moments that result in a few good laughs and collaborate for a bigger approximation between the viewer and the main characters, so it doesn't get too dark.)



Agora, vamos a um dos principais triunfos da série: os aspectos técnicos. Se alguém me dizer que só através do CGI é possível obter uma gama de detalhes, eu já vou ter duas cartas na manga: os filmes do Studio Ghibli e “Primal”. Acho que nem dá pra exprimir em palavras o quão bonita, vibrante, e vistosa essa animação tradicional é. A natureza do universo fictício é especialmente ressaltada aqui: as árvores, as paisagens, os ecossistemas, é tudo extraordinariamente bem feito, parecendo uma pintura de aquarela. As expressões dos personagens são muito realistas, especialmente as do homem das cavernas, cujo corpo é repleto de detalhes. Detalhes que vão do suor que cai da testa dele até pequenos defeitos nas unhas de suas enormes mãos. O design dos “vilões” (mais conhecidos como “criaturas” que os personagens enfrentam em cada episódio) é surpreendentemente assustador. Chega até a dar um frio na espinha. As cenas de ação são muito bem animadas. São frenéticas, realistas, e como dito anteriormente, extremamente e gloriosamente violentas. E um detalhe legal é que elas ficam cada vez mais absurdas e chocantes no decorrer dos 10 episódios. A montagem de cada episódio é muito precisa, sabendo exatamente onde cortar e onde prolongar mais um pouco. A trilha sonora do Tyler Bates e da Joanne Higginbottom combina perfeitamente com a vibe da premissa, com tambores primitivos durante as cenas mais tensas e sons de ambiente nas cenas mais contemplativas. Resumindo, tecnicamente, “Primal” é uma tremenda obra-prima.

(Now, let's move onto one of the show's biggest triumphs: the technical aspects. If someone tells me you can only reach details through CGI, I'll already have two counterproposals: the Studio Ghibli films and “Primal”. I don't think I can even put into words how beautiful, vibrant, and luscious this traditional animation is. The nature of the fictional universe is especially reinforced here: the trees, the landscapes, the ecosystems, it's all extraordinarily well-done, almost like a watercolor painting. The characters' expressions are really realistic, especially the ones from the caveman, whose body is filled with details. Details that go from the sweat dripping from his forehead to tiny nicks in his enormous fingernails. The design of the “villains” (more known as the “creatures” the characters face off in each episode) is surprisingly creepy. It's even spine-chilling. The action scenes are really well animated. They are fast-paced, realistic, and as previously stated, extremely and gloriously violent. And a nice detail is they get more absurd and shocking as the show's 10 episodes move forward. The editing in each episode is really precise, knowing exactly when to cut and when to make things a little bit longer. Tyler Bates and Joanne Higginbottom's score perfectly fits the plot's vibe, with primitive percussion in the more tense scenes and ambient sounds in the more contemplative scenes. In a nutshell, technically, “Primal” is a flat-out masterpiece.)



Resumindo, “Primal” é um feito extraordinário para a animação direcionada ao público adulto. Mesmo sem diálogos, Genndy Tartakovsky e sua equipe incrivelmente talentosa conseguem contar uma história ao mesmo tempo brutal e tocante, com personagens multidimensionais, cenas de ação de tirar o fôlego, e um método de animação tradicional irretocavelmente detalhado.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Primal” is an extraordinary feat for adult-oriented animation. Even without dialogue, Genndy Tartakovsky and his incredibly talented team manage to tell a story that's both brutal and moving, with multilayered characters, breathtaking action scenes, and a flawlessly detailed method of traditional animation.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)