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domingo, 28 de fevereiro de 2021

"Minari": uma história universal sobre família, cultura e persistência (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para trazer a resenha de um dos concorrentes principais da presente temporada de premiações! Liderado por ótimas atuações de seu elenco e guiado por um roteiro capaz de alcançar uma vasta gama de espectadores, o filme em questão conta uma história universal sobre família, cultura e persistência em meio às dificuldades que a vida traz. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Minari”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to bring the review of one of the main contenders in this year's award season! Led by great performances from its cast and guided by a screenplay that's able to reach a wide variety of audiences, the film I'm about to analyze tells a universal story on family, culture, and persistence when going through the difficult parts that life brings with it. So, without further ado, let's talk about “Minari”. Let's go!)



EUA, anos 1980. O filme acompanha os Yi, uma família de imigrantes sul-coreanos que se muda da Califórnia para o estado de Arkansas, onde o patriarca, Jacob (Steven Yeun), compra uma fazenda para dar à família um novo começo. Sua esposa, Monica (Han Ye-ri), e os filhos, David (Alan S. Kim) e Anne (Noel Kate Cho), enfrentam dificuldades em se adaptarem a um estilo de vida completamente novo. As coisas ficam ainda mais complicadas com a chegada da avó dos meninos (Youn Yuh-jung), cujos valores tradicionais despertam curiosidade no neto. Enquanto isso, Jacob, dedicando seu corpo e alma à fazenda, coloca suas finanças, seu casamento, e a estabilidade da família em risco.

(USA, the 1980s. The film follows the Yi family, a family of South Korean immigrants who moves from California to the state of Arkansas, where the patriarch, Jacob (Steven Yeun), buys a farm in order to give the family a fresh start. His wife, Monica (Han Ye-ri), and his children, David (Alan S. Kim) and Anne (Noel Kate Cho), face difficulties when adapting to a completely new way of life. Things get even more complicated with the arrival of the kids' grandmother (Youn Yuh-jung), whose traditional values awake a sense of curiosity in her grandson. Meanwhile, Jacob, dedicating his heart and soul to the farm, puts his finances, his marriage, and the family's stability at risk.)



Minha curiosidade pelo novo filme de Lee Isaac Chung foi despertada pela notícia de que ele tinha ganho tanto o Prêmio do Júri quanto o Prêmio do Público de Narrativa Dramática Americana no Festival de Sundance, em janeiro do ano passado. Depois, fiquei sabendo que o filme era distribuído pela A24, distribuidora independente responsável por trazer aos EUA excelentes filmes como “A Bruxa”, “Hereditário”, “Oitava Série”, “O Quarto de Jack” e “Projeto Flórida”, e por produzir séries, como a controversa “Euphoria”, da HBO. Mas nem é preciso dizer que minha curiosidade para assistir “Minari” aumentou gradativamente devido às várias honras recebidas na presente temporada de premiações, totalizando em mais de 40 prêmios por diferentes categorias e na inclusão do longa nas prestigiadas listas dos 10 melhores filmes do ano do American Film Institute e do National Board of Review. Fico muito feliz em dizer que eu gostei bastante de “Minari”. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, funciona em vários aspectos. Um dos principais pontos positivos do texto de Chung é que a proposta tem um alcance universal, no sentido que o enredo é acessível para várias pessoas, de países e idades diferentes. Felizmente, não há nada de inadequado no filme, o que permite que ele possa ser assistido pela família inteira. É um filme que parece muito íntimo para o diretor, como se o enredo fosse meio que uma biografia da família dele, que viveu em uma fazenda no estado do Arkansas. Outro aspecto que ajuda bastante o espectador à se conectar com a história é a presença de múltiplos pontos de vista, pertencentes à pessoas que, essencialmente, passam por muitas dificuldades. Enquanto o filme concentra a maioria do arco narrativo da família no pai, que enfrenta vários obstáculos para manter a fazenda, especialmente quando se diz respeito à água; somos presenteados com pontos de vista igualmente cativantes dos outros membros da família. A esposa claramente apresenta dificuldades em aceitar o novo estilo de vida oferecido pelo marido; os filhos também demoram bastante para se adaptarem ao modo de vida rural do Arkansas, ao contrário da vida mais fácil que a Califórnia lhes ofereceu; e a avó, completamente desconectada do “American way of life”, encontra empecilhos para se aproximar dos seus familiares, ao mesmo tempo que tenta manter os valores tradicionais de sua terra natal. A presença de vários pontos de vista permite que o espectador encontre maneiras de simpatizar com todos os personagens. O roteiro consegue fazer um ótimo trabalho ao unir a família através das dificuldades mencionadas, e a maneira que Chung encontra de dar aos seus personagens uma espécie de resolução para os seus respectivos arcos narrativos é fantástica e cativante. Uma coisa que, particularmente, me agradou bastante foi o retrato que o diretor fez do cristianismo. Em uma época em que vários filmes e séries retratam o cristianismo em tom de deboche, de sátira e de crítica, como cristão, é absolutamente revigorante ver a fé desses personagens sendo abordada de forma honesta, respeitosa e natural. Claro, há algumas partes aqui que servem de alívio cômico devido à uma interpretação mais extrema da religião, mas não chega a ser ofensivo, de maneira alguma. Porém, o roteiro não é completamente isento de falhas. O filme peca em não dedicar tempo o suficiente para o desenvolvimento da Anne, filha do protagonista. Eu senti que todos os outros personagens tiveram arcos extremamente satisfatórios, com uma apresentação, conflito e resolução visíveis, mas algo faltou para que a narrativa particular da Anne tivesse um impacto que a igualasse aos familiares. Eu realmente gostei do tom esperançoso e otimista que Chung dá à história e aos seus personagens, mas não consigo evitar de imaginar que o roteirista poderia ter investido em algo mais dramático, para dar um impacto emocional mais forte à história. Claro, há alguns momentos bem difíceis pelos quais os protagonistas passam, mas há pelo menos uma ou duas oportunidades em que o diretor poderia ter aproveitado das circunstâncias que o roteiro apresentou, para investir mais profundamente nos aspectos emocionais ou até sociopolíticos da história. Fora isso, “Minari” é um filme extremamente divertido, cativante e emocionante que certamente irá encantar toda a família.

(My curiosity towards Lee Isaac Chung's new film was awakened when it took home both the U.S. Dramatic Grand Jury Prize and the U.S. Dramatic Audience Award when it premiered at the Sundance Film Festival, in last year's January. Then, it came to my knowledge that it was distributed by A24, an international film distributor which was responsible for bringing to American audiences excellent films such as “The Witch”, “Hereditary”, “Eighth Grade”, “Room” and “The Florida Project”, while also producing TV shows, such as HBO's controversial “Euphoria”. But I don't even have to say that my curiosity towards watching “Minari” was gradually enhanced due to the many honors it received during this award season, with a total of over 40 awards for different categories and the film's inclusion in the 2020 edition of the prestigious top 10 films lists by the American Film Institute and the National Board of Review. I'm really glad to say that I really enjoyed “Minari”. The screenplay, written by the director himself, works in many aspects. One of the best things about Chung's text is that its proposal has a capacity to reach audiences at an universal level, in a way where the plot is accessible to several people, of different ages and from different countries. Luckily, there's nothing inappropriate about it, which allows it to be watched with the whole family. It's a film that feels very intimate for the director, as if the plot was sort of a biography of his family, who lived in a farm in the state of Arkansas. Another aspect that helps the viewer a lot in connecting with the story is the presence of multiple points of view, which belong to people that, essentially, are going through a lot of stuff. While the film focuses its family's character arc on the father, who faces several obstacles in order to keep the farm, especially when it comes to water; we are gifted with equally captivating points of view from the other family members. The wife clearly shows difficulties in accepting the new lifestyle offered by her husband; the kids also take a huge amount of time in adapting themselves to the rural way of life of Arkansas, unlike the easier life that California had offered them; and the grandmother, who's completely disconnected from the “American way of life”, finds some obstacles when trying to get closer to her family members, at the same time she tries to keep the traditional values of her homeland. The presence of several points of view helps the viewer in seeing the bigger picture and finding ways to sympathize with all of the characters. The script does a great job in uniting the family through the aforementioned difficulties, and the way Chung finds of giving his characters some sort of resolution to their respective narrative arcs is fantastic and captivating. One thing that, particularly, pleased me a lot was the way the director portrayed Christianity. In a time where several films and TV shows approach it with a mocking, satirical, or criticism tone, as a Christian myself, it is absolutely reinvigorating to see these characters' faith being approached and dealt with in a honest, respectful and natural way. Sure, there are some bits here that are built for comic relief due to a more extreme interpretation of religion, but it's not offensive, in any way. However, the script isn't completely fool-proof. It can be flawed by not dedicating enough time for the development of Anne, the protagonist's daughter. I felt that all the other characters had extremely satisfying character arcs, with visible introductions, conflicts and resolutions, but something was missing for Anne's particular narrative to have an impactful equality to that of her family members. I really enjoyed the hopeful, optimistic tone that Chung gives to the story and its characters, but I can't help but imagine the screenwriter could've invested in something a little more dramatic, in order to give the story a stronger emotional impact. Sure, these characters go through some pretty rough moments, but there are at least one or two opportunities that the director could've chosen to make advantage of the screenplay's circumstances, in order to enhance its emotional tone more deeply, or take its sociopolitical message more seriously. Apart from that, “Minari” is an extremely fun, captivating and emotional film that will certainly be enjoyable for the whole family.)



O elenco é bem pequeno, pelo fato de girar em torno do núcleo famíliar que protagoniza a história, mas todos aqui fazem um belo trabalho. Eu amei a persistência que o Steven Yeun mostrou ao longo desse filme, em relação à fazenda do personagem dele. É uma performance muito convincente e, principalmente, humana, que mostra que o ator amadureceu bastante desde sua jornada como o Glenn de “The Walking Dead”. Devido ao roteiro, ele faz o máximo para equilibrar a relação dele com a família e o trabalho na fazenda, e essa dificuldade no equilíbrio das prioridades do personagem é mostrada perfeitamente na atuação de Yeun. Eu gostei bastante da atuação da Han Ye-ri. Ao contrário de Yeun, que se mostra completamente otimista e esperançoso em relação à nova vida da família, a personagem de Ye-ri é essencialmente receosa com a possibilidade da fazenda gerar lucro ou não. Como uma mãe, a personagem dela é extremamente preocupada com o bem-estar de seus filhos, especialmente do filho mais novo, que possui problemas de saúde, e a atriz consegue expressar suas emoções de forma natural. Há uma parte perto do final, onde ela e o marido têm uma discussão, que realmente mostra a maravilhosa capacidade emocional da atriz. Eu fiquei impressionado com a naturalidade dos dois atores mirins, que interpretam os filhos dos personagens de Yeun e Ye-ri. A começar pelo Alan S. Kim, que literalmente rouba cada cena em que ele está presente. Ele serve, primeiramente, para atrair o público, mas depois nós, como espectadores, começamos a ver o filme pelos olhos dele, e simplesmente não conseguimos ver de outro jeito. Houveram algumas horas em que eu pensei que ele era o verdadeiro protagonista, de tão firme que a presença dele é. Ele é engraçado e divertido, ao mesmo tempo que protagoniza momentos bem cativantes do longa. Se ele for indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, eu não vou ficar impressionado. Mesmo que o roteiro não tenha completamente favorecido a personagem da Noel Kate Cho, eu gostei bastante da performance dela. Ela, assim como Kim, mostra uma naturalidade para com sua personagem e uma espécie de autoridade em relação ao personagem de Kim, como irmã mais velha. Eu simplesmente amei a performance da Youn Yuh-jung. É dela que vem a grande maioria do alívio cômico e da carga emocional do longa. Ela é muito engraçada, convincente, tradicional e é extremamente cativante ver a dinâmica da personagem dela com o de Kim crescer ao longo da projeção. Se ela não for ao menos indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, não há justiça nesse mundo. Por último, mas não menos importante, temos o Will Patton, que consegue cativar o espectador com seu timing cômico e com a surpreendente humildade de seu personagem.

(The cast is really small, due to the fact that its biggest focus is in a family circle that stars in the story, but everyone does a beautiful job here. I loved the endurance that Steven Yeun showed throughout this film, regarding his character's farm. It's a very convincing and, mainly, human performance, that showed the actor has matured a lot since his journey as Glenn from “The Walking Dead”. Due to the screenplay, he does his best to balance his relationship with his family and his work at the farm, and this difficulty in balancing his character's priorities is perfectly shown in Yeun's performance. I really enjoyed Han Ye-ri's performance. Unlike Yeun, who shows himself really hopeful and optimistic regarding the family's new life, Ye-ri's character is essentially fearful to the possibility that the farm may or may not generate income. As a mother, her character is extremely worried with her children's well-being, especially when it comes to her younger son, who has health issues, and the actress manages to express her emotions in a really natural way. There's a part near the ending, where she and her husband have a discussion, that really showcases her wonderful emotional range. I was impressed with the naturality of the two child actors, who portray the children of Yeun and Ye-ri's characters. Starting off with Alan S. Kim, who literally steals every scene he's in. He serves, at first, to attract the audience, but then we, as viewers, start seeing the film through his eyes, and we simply aren't able to see it any other way. There were a few times when I thought he was the true protagonist of the film, due to how firmly he states his presence. He's funny and adorable, and he's also part of some of the film's most touching moments. If he gets nominated for Best Supporting Actor at the Oscars, I won't be surprised. Even though the screenplay didn't fully work to her character's favor, I really enjoyed Noel Kate Cho's performance. She, just like Kim, shows a natural approach to her character as well as a sense of authority towards Kim's character, as an older sister. I simply loved Youn Yuh-jung's performance. She's the source of the great majority of the film's comic relief and emotional strength. She's really funny, convincing, traditional and it's extremely captivating to see her dynamics with Kim's character grow throughout the film. If she doesn't at least get a nomination for the Oscar for Best Supporting Actress, there isn't any justice in this world. At last, but definitely not least, we have Will Patton, who manages to capture the viewer's heart due to his comic timing and his character's surprising humility.)



Eu gostei de como os aspectos técnicos foram se juntando a partir da ambientação, ao invés dos personagens. A direção de fotografia do Lachlan Milne é muito bem feita. A câmera foca bastante no aspecto rural do lar da família. Há várias capturas de paisagens naturais, tantas que me lembrou bastante da direção de fotografia de “Nomadland”. Mesmo que o filme de Chloé Zhao tenha conseguido capturar tais paisagens com mais crueza, o trabalho de Milne em “Minari” é bem-sucedido ao retratar o tom íntimo e pessoal que a história deve ter no coração do diretor. A direção de arte faz um trabalho maravilhoso em atrair os olhos do espectador para a ambientação. A equipe do design de sets conseguiu construir um lar que parece tão agradável e tão aconchegante, que literalmente me deu vontade de comprar uma fazenda no Arkansas. (Risos) A montagem do Harry Yoon é muito boa. Eu, particularmente, achei que cada cena teve uma duração adequada. Nenhuma delas pareceu esticada demais ou muito curta. Por fim, temos a trilha sonora do pianista estadunidense Emile Mosseri, composta por peças de orquestra solenes e pacíficas, que acabam combinando perfeitamente com a atmosfera isolada e rústica (no bom sentido) da ambientação. Certamente, vale uma indicação ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original.

(I really enjoyed how the technical aspects came together from the setting, rather than from the characters. Lachlan Milne's cinematography is really well-done. The camera focuses a lot in the rural atmosphere in the family's home. There are several captures of natural landscapes, so many of them that it reminded me a lot of the cinematography from “Nomadland”. Even though Chloé Zhao's film had managed to capture these landscapes with more rawness, Milne's work in “Minari” succeeds in portraying the intimate and personal tone the story may have in the director's heart. The art direction does a wonderful job in attracting the viewer's eyes to the setting. The set design team managed to build a home that seems so pleasant and cozy to live in, that it literally made me want to buy a farm in the state of Arkansas. (LOL) Harry Yoon's editing is really good. I, particularly, thought that every scene had an adequate screen time. None of them seemed too stretched out or cut way too short. Finally, we have the original score by American pianist Emile Mosseri, composed by solemn and peaceful orchestral pieces, which end up being a perfect match to the setting's isolated and rustic (in a good way) tone. It certainly is worthy of an Oscar nomination for Best Original Score.)



Resumindo, “Minari” é um filme que é capaz de alcançar uma gama enorme de espectadores, dos mais jovens aos mais experientes. Munido de um roteiro engraçado, cativante e emocionante e fortalecido pelo enorme talento de seu elenco, Lee Isaac Chung cria uma história universal sobre família, cultura, adaptação e persistência que certamente irá encantar todas as gerações de espectadores e consolidar sua presença nessa temporada de premiações!

Nota: 9,5 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Minari” is a film that's able to reach a wide range of viewers, from age eight to eighty. Armed with a funny, captivating, emotionally charged screenplay, and strengthened by its cast's enormous talent, Lee Isaac Chung creates an universal story on family, culture, adaptation and endurance that will certainly be enjoyed by every generation of moviegoers and firmly consolidate its presence in this award season!

I give it a 9,5 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


domingo, 21 de fevereiro de 2021

"Nomadland": um retrato cultural minimalista, fascinante e humano (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para trazer a resenha do maior concorrente da presente temporada de prêmios. Comandado por uma cineasta que tem total controle sobre sua obra e conduzido às alturas por uma das melhores performances de sua protagonista, o filme em questão é um retrato cru, sem filtros e humano sobre luto, perda e solidão. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Nomadland”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to bring the review for the main contender in this current award season. Directed by a filmmaker who has total control over her craft and led to greater heights by one of its protagonist's finest performances, the film I'm about to analyze is a raw, unfiltered and human portrait on grief, loss and loneliness. So, without further ado, let's talk about “Nomadland”. Let's go!)



Baseado no livro de não-ficção de mesmo nome, escrito por Jessica Bruder, o filme acompanha a jornada de Fern (Frances McDormand), uma mulher de 60 anos que, ao perder tudo devido à um colapso econômico ocorrido em uma cidade na zona rural do estado de Nevada, nos EUA, junta todos os seus pertences, entra em uma van e parte para a estrada, onde aprende a viver uma vida fora da sociedade convencional, como uma nômade moderna.

(Based on the non-fiction book of the same name, written by Jessica Bruder, the film follows the journey of Fern (Frances McDormand), a 60-year-old woman who, by losing everything due to an economic collapse that happened in a town on the countryside of the state of Nevada, in the US, gathers all of her belongings, gets in a van and hits the road, where she learns how to live a life outside the conventional society, as a modern-day nomad.)



Acho que nem é preciso dizer que eu estava com expectativas altíssimas para assistir “Nomadland”. O filme mais recente da diretora chinesa Chloé Zhao (que, atualmente, é a cineasta mais premiada em uma única temporada de prêmios, totalizando em mais de 50 prêmios ganhos somente por este filme até o momento, sendo 34 deles de Melhor Direção) chamou minha atenção pela primeira vez ao sair do prestigiado Festival de Veneza, levando o maior prêmio do festival, o Leão de Ouro, para casa. Nos últimos três anos, filmes excelentes levaram o mesmo prêmio e receberam uma quantidade imensa de reconhecimento em suas respectivas temporadas, sendo eles “A Forma da Água”, dirigido por Guillermo del Toro; “Roma”, dirigido por Alfonso Cuarón; e “Coringa”, dirigido por Todd Phillips. Todos os três filmes foram indicados ao Oscar de Melhor Filme, com o longa de del Toro vencendo nessa categoria em 2018. Minha curiosidade aumentou gradativamente ao descobrir que o filme de Zhao também tinha vencido o Prêmio do Público do Festival de Toronto, honra que já foi dada a filmes (indicados ao Oscar de Melhor Filme) como “La La Land”, “Três Anúncios Para um Crime”, “Green Book” (que venceu o Oscar de Melhor Filme), e “Jojo Rabbit”. A partir daí, já tinha me decidido que precisava ver “Nomadland”. Se o filme agradou ao júri do Festival de Veneza, o qual é composto por profissionais do ramo; e ao público (dizendo mais pejorativamente, o “povão”) que atendeu o Festival de Toronto, já tinha quase certeza que seria uma experiência imperdível, e fico muito feliz em dizer que não me decepcionei nem um pouco. Com o roteiro sendo escrito pela própria diretora, Zhao se concentra em explorar as razões do porquê os chamados “nômades” levam esse estilo de vida não convencional. A vibe de road movie que o filme adotou me lembrou bastante de “Na Natureza Selvagem”, que conta a história real de Christopher McCandless, que também levou uma vida em um estilo similar à da protagonista de “Nomadland”, só que com ainda menos recursos. O filme não irá agradar a todos os gostos, mas aqueles dispostos à assistirem ao longa com paciência pelo enxuto tempo de duração de 1 hora e 47 minutos serão muito bem recompensados, pelo fascínio que certamente irão sentir pelo objeto de estudo da diretora. É um filme tão naturalmente dirigido, atuado e contado que parece até mais um documentário do que propriamente um longa fictício. Zhao teve a sabedoria de misturar atores com nômades da vida real, que interpretam versões fictícias deles mesmos, ao ponto de quase não sermos capazes de distinguir um grupo do outro. As sequências onde a personagem da Frances McDormand interage com estes nômades são tão bem conduzidas, que nos dão a impressão de estarmos assistindo a um verdadeiro depoimento dessas pessoas. E através desses “depoimentos”, conseguimos descobrir cada vez mais sobre a protagonista e sobre a razão dela levar aquele estilo de vida. Dentro dessas sequências, repletas de diálogos reflexivos e histórias de vida, reside a verdadeira humanidade da narrativa de “Nomadland”. A roteirista e diretora acerta em cheio ao retratar os nômades como seres humanos não tão diferentes de nós, como pessoas que passaram (e ainda passam) por muitas situações difíceis e que perderam muito. Nesse assunto de perda, o filme acha uma questão interessante para perguntar ao seu público: “O que é um lar?”. Há uma sequência onde uma colega de trabalho da protagonista mostra suas várias tatuagens e entre elas, há uma citação de uma canção do Morrissey, ex-vocalista da banda The Smiths: “Lar, é só uma palavra, ou algo que você carrega dentro de si?”. Essa sequência tem um valor simbólico dentro da trama, porque os vários personagens nômades perderam pessoas e coisas queridas a eles, como os cônjuges, filhos, familiares, empregos. Então, simbolicamente, essas pessoas perderam o “lar” delas. Nesse aspecto, o filme é um estudo sensacional sobre perda, luto, e dificuldade na superação de situações delicadas. Essa dificuldade é perfeitamente exemplificada na incapacidade da protagonista de ficar parada em um lugar e se apegar aos “habitantes” dele. Ela está sempre em movimento, indo de estado a estado, conhecendo e se despedindo de novas pessoas, e repetindo esse ciclo a cada ano. Tudo isso pra ajudá-la a superar as várias perdas que ela sofreu durante um período muito difícil de recessão na história dos EUA. Há um monólogo extraordinário sobre a morte e os efeitos dela em uma pessoa querida, dito por um dos nômades para a protagonista. É algo tão triste e impactante, mas ao mesmo tempo, tão reconfortante e recompensador, quando se para pra pensar. É uma das melhores cenas de um filme de 2020 para mim. O final é extremamente emocionante, especialmente pelo o que ele representa para a protagonista, e quase (ênfase no “quase”) me fez chorar. O filme, como um todo, é uma representação do melhor que o cinema pode oferecer. Um enredo cativante, personagens humanos, uma carga emocional impactante. “Nomadland” é o que Martin Scorsese realmente chamaria de cinema. (Risos) Bravo, Chloé Zhao! Mal posso esperar para ver o que ela preparou para os fãs da Marvel em “Eternos”!

(I think I don't even have to say that I was extremely excited to watch “Nomadland”. The most recent film by Chinese director Chloé Zhao (who, currently, is the most-awarded filmmaker in a single award season, with a total of over 50 awards won only for this film to this point, 34 of them being for Best Director) had first caught my attention when it left the prestigious Venice Film Festival, taking home the festival's most important award, the Golden Lion. In the last three years, excellent films won the same award and received an enormous amount of recognition in their respective award seasons, those being Guillermo del Toro's “The Shape of Water”; Alfonso Cuarón's “Roma” and Todd Phillips's “Joker”. All three films were Best Picture nominees at their respective Oscar ceremonies, with del Toro's film winning such award in 2018. My curiosity towards it reached greater heights when I discovered Zhao's film had won the People's Choice Award in the Toronto International Film Festival, an honor that was given to (Best Picture-nominated) films like “La La Land”, “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, “Green Book” (which was a Best Picture winner) and “Jojo Rabbit”. From that point, I'd already decided that I had to watch “Nomadland”. If it pleased the jury of the Venice Film Festival, which is composed by professionals in the field; and the general audience of the Toronto Film Festival, I was almost 100% sure that it was going to be an unmissable experience, and I am extremely glad to say that I was not disappointed in it, not even for a single second. With its screenplay written by the director herself, Zhao focuses in exploring the reasons why the so-called “nomads” come to lead their unusual lifestyle. The road movie vibe the film adopted reminded me a lot of “Into the Wild”, which tells the true story of Christopher McCandless, who led his life in a similar path to the one taken by the protagonist of “Nomadland”, only with even fewer resources. It won't be to everyone's taste, but those willing to patiently sit through its concise running time of 1 hour and 47 minutes will be very much rewarded, by the fascination they'll certainly feel towards the director's object of study. It's a film so naturally directed, performed and told that it kind of feels like more of a documentary than a proper work of fiction. Zhao was wise in mixing actors with real-life nomads, who portray fictional versions of themselves, to the point where it's almost impossible for us to tell one group from the other. The sequences where Frances McDormand's character interacts with such nomads are so well conducted, that they give us the impression of watching a true statement by these people. And through these “statements”, we manage to find out more about the protagonist and the reason why she decided to live that way. Inside these sequences, filled with thought-provoking dialogue and life stories, resides the true humanity in the narrative of “Nomadland”. The writer and director hits all the right targets by portraying the nomads as human beings not that different from ourselves, as people who went (and are still going) through several tough situations and who have lost a lot of things. In this aspect of loss, the film finds an interesting question to ask to its audience: “What is a home?”. There's a sequence where a colleague of the protagonist shows her many tattoos and among them, there is a quote from a song by Morrissey, the former lead singer for The Smiths: “Home, is it just a word, or is it something you carry within you?”. This sequence has a symbolic value in the plot, as its many nomad characters have lost people or things dear to them, like their spouses, children, relatives, employment. So, symbolically, these people have lost their “home”. In that point of view, the film is a sensational study on loss, grief, and the difficulties in overcoming delicate situations. Such difficulty is perfectly exemplified by the protagonist's incapacity of standing still in one place and get attached to its “inhabitants”. She is always on the move, going from state to state, meeting and saying goodbye to new people, and repeating that cycle every year. All that to help her overcome the many losses she has suffered during a difficult period of recession in US economy. There is an extraordinary monologue about death and its effects on a dear person, told to the protagonist by one of the nomads. It's something so sad and impactful, and at the same time, so comforting and rewarding, when you stop and think about it. It's one of the best scenes in a 2020 film for me. The ending is extremely emotional, especially for what it represents to the protagonist, and almost (focus on the “almost”) made me cry. The film, as a whole, is a representation of the best things that cinema has to offer. A captivating story, human characters, an impactful emotional weight. “Nomadland” is what Martin Scorsese would truly call cinema (LOL). Bravo, Chloé Zhao! I can't wait for what she has in store for Marvel fans in the upcoming “Eternals”!)



Meu pai me disse uma coisa ao filme terminar e eu só tenho que concordar. A Frances McDormand tem uma presença de tela extraordinariamente forte. Quando ela entra nos enquadramentos da câmera, ela literalmente domina cada cena onde ela está presente. Foi por isso que ela venceu 2 Oscars por “Fargo” e “Três Anúncios para um Crime”, e está a poucos passos de ganhar sua terceira estatueta por “Nomadland”. Aqui ela consegue misturar muito bem a doçura e a compaixão compartilhadas por seus colegas nômades com a dureza e frieza de alguém que passou por uma situação muito difícil. Não irei me surpreender se descobrir que a diretora só decidiu colocar ela no meio dos nômades da vida real, e falou pra ela aprender a viver como eles viviam enquanto ela filmava tudo. É uma performance autêntica a esse nível. Junto com McDormand, o único ator profissional do elenco é o David Strathairn, que interpreta muito bem uma figura que compartilha das mesmas razões para adotar a esse estilo de vida, mas que é diferente da protagonista em todos os outros aspectos. Eu achei bem interessante como os atores que não são nômades têm nomes bem parecidos com os dos seus personagens, no sentido que a Frances McDormand virou “Fern” e o David Strathairn virou “Dave”. Eu amei a atuação dos nômades, porque nem parecia que eles estavam atuando. Todos eles têm uma ótima química com McDormand. A Linda May é a colega de trabalho e uma das mentoras de Fern ao aprender o modo de vida nômade; a Swankie entra em cena como uma âncora emocional surpreendentemente forte, cuja história causa um impacto na protagonista, e o Bob Wells, que literalmente tem um canal no YouTube sobre como viver em uma van e realmente organiza encontros de nômades, exatamente na cidade onde o filme os ambienta. Ele é o responsável pelo monólogo citado no parágrafo anterior, e ele o transmite com muita naturalidade.

(My dad told me something when we finished watching the film and I can't help but agree with him. Frances McDormand has an extraordinarily strong screen presence. When she enters the framing of the camera, she literally dominates every scene she's in. That's why she won 2 Oscars for her work in “Fargo” and “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, and is really close to win her third award for “Nomadland”. Here, she manages to blend really well the warmth and compassion she shares with her fellow nomads with the hardness and coldness of someone who went through a particularly difficult situation. I won't be surprised if I find out that the director just decided to place her in the middle of real-life nomads, and told her to learn how they lived while she filmed the whole thing. Her performance reaches that level of authenticity. Alongside McDormand, the only professional actor in the cast is David Strathairn, who portrays really well a figure who shares the same reasons why they adopted this lifestyle, but who is also different from the protagonist in every other aspect. I thought it was really interesting that the names of the non-nomad actors are very similar to their characters' names, in the way that Frances McDormand turned into “Fern” and David Strathairn turned into “Dave”. I loved the nomads' performances, especially because it didn't even seem they were acting. They all have a great chemistry with McDormand. Linda May plays Fern's co-worker and one of her mentors in learning the nomad way of life; Swankie enters the scene as a surprisingly strong emotional anchor, whose story causes an impact on the protagonist, and Bob Wells, who literally has a YouTube channel on how to live in a van and actually organized nomad gatherings, in the exact same town as the movie sets them. He's the responsible for the monologue mentioned in the previous paragraph, and he transmits it with great naturality.)



Assim como o roteiro e as performances, os aspectos técnicos são guiados pela diretora de um modo extremamente natural e minimalista. A direção de fotografia do Joshua James Richards aposta na captura de paisagens naturais estonteantes. Vários pores do sol, alvoreceres e cenários crus e sem filtro são retratados com pureza, dando ênfase à natureza e à estrada, que são algumas das partes mais importantes e características do modo de vida nômade, de acordo com o filme. Há um tom intencional de amadorismo no trabalho de Richards, onde a câmera balança às vezes ao acompanhar a protagonista em algumas cenas, injetando mais uma dose de naturalidade que seria onipresente em um documentário. Não há muito a dizer pela direção de arte, exceto que ela segue o mesmo plano minimalista dos outros aspectos do filme. A montagem, feita pela própria diretora (Chloé Zhao, mais conhecida como “ameaça tripla”), pode falhar em alguns momentos. Tiveram algumas cenas onde eu achei os cortes meio abruptos, e que a diretora poderia ter prolongado a cena um pouco mais e vice-versa, mas isso, de modo algum, manchou a minha incrível experiência com o filme. A trilha sonora original do pianista clássico italiano Ludovico Einaudi é linda. Nas cenas mais contemplativas de “Nomadland”, as quais geralmente são montagens de pequenos momentos na jornada da protagonista, a trilha de Einaudi brilha com peças e arranjos minimalistas de piano e violino, que acrescentam à beleza, melancolia e poesia da narrativa de Zhao. O trabalho dele está justamente empatado com o do Trent Reznor, Atticus Ross e Jon Batiste para a trilha sonora de “Soul” pra mim, a qual também depende muito do piano.

(Just like with the screenplay and performances, the technical aspects are guided by the director in an extremely natural and minimalist way. Joshua James Richards's cinematography bets on capturing astonishing natural landscapes. Several sunsets, sunrises and raw, unfiltered scenarios are portrayed with purity, emphasizing on nature and on the road, which are some of the most important and characteristic parts in the nomad lifestyle, according to the film. There's an intentional tone of amateurism in Richards's work, where the camera sometimes shakes when following the protagonist in some scenes, injecting yet another dose of naturality that would be ever so present in a documentary. There's not much to be said about the art direction, except that it follows the same minimalist plan as its other aspects. The editing, done by the director herself (Chloé Zhao, also known as a “triple threat”), can fail at some moments. There are some scenes that I found the cuts to be a little abrupt, and that the director could've stretched out the scene for a little longer and vice versa, but that didn't stain my amazing experience with the film, in any way. The original score by Italian classical pianist Ludovico Einaudi is stunning. In the more contemplative scenes in “Nomadland”, which generally are montages of small moments in the protagonist's journey, Einaudi's score shines with pieces and arrangements for piano and violin, which add to the beauty, melancholy and poetry of Zhao's narrative. His work is justly tied with that of Trent Reznor, Atticus Ross and Jon Batiste for the score of “Soul”, to me, which also relies heavily on the piano.)



Resumindo, “Nomadland” é uma obra-prima minimalista. Retratando seus objetos de estudo com respeito, honestidade e humanidade, Chloé Zhao analisa, através de sua protagonista (a qual é interpretada de forma impecável por Frances McDormand), temas importantes e relevantes como perda, luto e a dificuldade de superar momentos difíceis, com o auxílio de aspectos técnicos que complementam sua proposta. Vou me lembrar desse filme por um bom tempo.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Nomadland” is a minimalist masterpiece. Portraying her objects of study with respect, honesty and humanity, Chloé Zhao analyzes, through her protagonist (who is flawlessly portrayed by Frances McDormand), important and relevant themes such as loss, grief and the difficulty of overcoming tough times, aided by technical aspects that complement her proposal. I'm going to remember this film for quite a while.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Animações Diferentes - "Ethel & Ernest": uma história real extraordinária sobre pessoas normais (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para trazer a próxima parte da nossa postagem especial sobre animações diferentes! Na resenha de hoje, irei falar sobre uma pérola escondida recém-lançada no catálogo da Netflix, baseada em uma graphic novel abordando fatos reais. Armado com um enredo emocionalmente potente e personagens altamente carismáticos, o filme em questão conta uma história extraordinária sobre pessoas normais. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Ethel & Ernest”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to bring to you the next part in our special post on different works of animation! In today's review, I'll be discussing on a hidden pearl in your Prime Video catalog, which is based on a graphic novel dealing with true events. Armed with an emotionally potent plot and highly likeable characters, the film I'm about to analyze tells an extraordinary story about ordinary people. So, without further ado, let's talk about “Ethel & Ernest”. Let's go!)



Baseado na graphic novel homônima escrita por Raymond Briggs, o filme segue a história real do relacionamento entre seus pais, Ethel (voz original de Brenda Blethyn) e Ernest (voz original de Jim Broadbent), que floresceu no final dos anos 1920 e perdurou até suas mortes. Juntos, Ethel e Ernest passam pelos mesmos rituais que todo casal da época (compram uma casa, pensam em ter filhos), ao mesmo tempo que presenciam alguns dos eventos mais importantes do século XX, como a chegada da televisão no Reino Unido, a chegada do homem à Lua e a Segunda Guerra Mundial.

(Based on the graphic novel of the same name written by Raymond Briggs, the film follows the true story of the relationship between his parents, Ethel (voiced by Brenda Blethyn) and Ernest (voiced by Jim Broadbent), which blossomed in the late 1920s and endured until their eventual demises. Together, Ethel and Ernest go through the same rituals as every couple did at the time (they buy a house, think about having children), at the same time they witness some of the most important events of the 20th century, such as the arrival of television in the UK, the Moon landing of 1969 and World War II.)



Eu já tinha visto “Ethel & Ernest” quando foi originalmente lançado em 2016, mas não trouxe a resenha aqui pela incapacidade de revelar aonde assistir ao filme. Agora que está disponível em um serviço de streaming acessível para muitos (Netflix), achei adequado trazer a resenha após reassistir ao filme, que completa 5 anos de lançamento este ano, ontem. Lembro muito pouco da primeira vez que assisti, exceto pelas ressalvas de ter sido baseado em fatos reais e abordar a Segunda Guerra Mundial em seu enredo. Agora, com o filme mais fresco na minha cabeça, posso dizer tranquilamente que é uma das melhores, mais lindas e emocionantes animações que eu já vi na vida. O roteiro, escrito pelo diretor Roger Mainwood, começa de uma forma incomum, mas simbólica. O filme abre com uma sequência live-action do autor da graphic novel que serviu de base para a adaptação, Raymond Briggs, fazendo um esboço de seus pais de acordo com o traço usado no material fonte. Essa pequena sequência, que à primeira vista pode parecer desconectada do restante do enredo, é armada de uma simbologia tão forte que pode até fazer o espectador derramar algumas lágrimas ao final da projeção, por causa do que acontece no decorrer da trama. A partir daí, somos levados para a Londres dos anos 1920, onde o relacionamento entre os dois protagonistas (que é o fio condutor do enredo) começa de uma maneira inegavelmente cativante. Ela, trabalhando como criada para uma senhora rica, balança o espanador na direção dele, que passava de bicicleta pela casa onde ela trabalhava, a caminho de seu próprio emprego. É uma sequência adoravelmente divertida que imediatamente faz o espectador torcer para que os dois acabem juntos. Uma das melhores coisas sobre o roteiro de “Ethel & Ernest” é a mudança gradual e quase imperceptível de tom. O filme começa como um verdadeiro conto de fadas, onde os protagonistas vivem aparentemente felizes em uma vida agradável com seu filho recém-nascido em Londres. Mas aí, através de notícias de rádio, tanto os protagonistas quanto o espectador aprendem que eventos inesperados estão por vir, o que nos leva a ficarmos apreensivos pelos personagens, os quais, até este ponto da história, já devem ter formado laços emocionais bem fortes para com o espectador. O aspecto mais brilhante do enredo é a enorme dose de realismo injetada no relacionamento entre os dois protagonistas e nos eventos dramatizados na tela. Eu simplesmente amei como a dinâmica entre a Ethel e o Ernest é explorada, no fato de que eles enfrentam dificuldades do dia a dia (como lidar com um castigo dado ao filho), assim como enfrentam circunstâncias maiores (como ter que enviar o filho para morar longe para mantê-lo seguro dos bombardeios alemães) e ainda ficam juntos. Eu achei o arco de personagem deles como casal muito parecido com o do Carl e da Ellie naqueles primeiros minutos inesquecíveis de “Up: Altas Aventuras”, mas, diferente do filme da Pixar, “Ethel & Ernest” seria como se aquela icônica sequência de 10-15 minutos fosse estendida em um longa enxuto e intrinsecamente detalhado de 1 hora e 30 minutos. É um relacionamento tão puro e tão realista que é capaz de fazer o mais durão dos espectadores desabar de tanto chorar. No aspecto de abordar a Segunda Guerra Mundial, não é um filme que tem muita ação, justamente porque ele não se concentra nela, mas sim no resultado dela; para aonde a devastação da guerra, entre outras circunstâncias, vai levar os dois protagonistas. O resultado das circunstâncias, sejam elas cotidianas ou de força maior, é a principal fonte de carga emocional do roteiro. Nós nos sentimos tão ligados a esses personagens desde o início da trama que, como espectadores, não podemos fazer nada senão compartilhar dos mesmos sentimentos que estão passando por eles em certos momentos, como quando eles são forçados a enviar o filho deles pra morar em um lugar longe dos pais; ou quando eles literalmente dormem em um bunker em forma de gaiola para evitar que os bombardeios os atinjam. Os eventos dramatizados na tela ganham ainda mais força pelo fato de, novamente reafirmo, serem incrivelmente realistas, fazendo o espectador pensar: “Caramba, isso aconteceu de verdade!”. É algo tão firmado na realidade, que acaba por nos cativar e nos deixar admirados com a evolução do relacionamento entre essas duas pessoas aparentemente normais que viveram vidas extraordinárias. Recomendo que preparem os lencinhos, porque até meu pai derramou algumas lágrimas, e ele raramente chora em filmes, então já deixo essa dica aqui. (Risos)

(I had already seen “Ethel & Ernest” when it was originally released in 2016, but I didn't bring the review to the blog due to the incapacity of telling you where to watch it. Now that it's available on a streaming service that's accessible to many people, I thought it was adequate to bring its review to you after rewatching the film, which celebrates 5 years of its original release this year, yesterday. I remember very little of the first time I watched it, except for some facts such as it being based on a true story and being set on WWII. Now, with the plot feeling fresher in my head, I can safely state that it is one of the best, most beautiful and most emotional pieces of animation I've ever seen in my life. The screenplay, written by director Roger Mainwood, starts off in an unusual but symbolic way. The film opens with a live-action sequence narrated by the author of the graphic novel that inspired it, Raymond Briggs, as he draws a sketch of his parents according to his art in the source material. This small sequence, which at first may seem disconnected from the rest of the plot, is armed with such a strong symbology that it will probably make the viewer shed a tear or two, because of what happens throughout the story. From that point, we are transported to 1920s London, where the relationship between the two main characters (which is the conductive force of the plot) starts off in an undeniably captivating way. She, working as a maid in a house inhabited by a rich lady, waves her cloth at him, who was passing by the house by bicycle, on the way to his own job. It is an adorably fun sequence that immediately makes the viewer root for them to be together. One of the best things about the screenplay for “Ethel & Ernest” is the gradual and almost imperceptible change of tone. It starts off as a real fairy tale, where the protagonists apparently live happily in a pleasant life with their newly-born son in London. But then, through radio news, both the protagonists and the viewer learn that unexpected events are about to come, which leads us to feel aprehensive for these characters, who by that point, have already formed really strong bonds with the viewer. The most brilliant aspect in the plot is the enormous dose of realism injected into the relationship between the two main characters, and into the events depicted onscreen. I simply loved on how the dynamics between Ethel and Ernest is explored, in which they find themselves facing day-to-day difficulties (such as dealing with a punishment for their son's behavior) as well as bigger circumstances (such as being forced to send their son away in order for him to be safe from bombings) and still stick together. I found their character development as a couple to be very similar to Carl and Ellie's in those unforgettable first minutes of “Up”, but, unlike Pixar's film, “Ethel & Ernest” would be life if that 10-15 minute sequence was expanded into a concise and exquisitely detailed feature-length film with a running time of 1 hour and 30 minutes. It's such a pure and realistic relationship, that it'll likely make the toughest of viewers drown in their tears. In the aspect of dealing with WWII, it doesn't have that much action to it, exactly because the action itself isn't its focus, but rather the outcome of it; to where the devastation of war, amongst other circumstances, the two main characters will go. The outcome of these circumstances, whether they're part of an everyday life or a bigger force, is the main source of the film's emotional strength. We feel so connected to these characters from the start that, as viewers, we can't help but share the same feelings going through them at certain points, like when they are forced to send their son away from his parents; or when they literally sleep in a bunker shaped like a cage in order to prevent the bombings from getting to them. The events depicted onscreen gain even more force by, I again reaffirm, being incredibly realistic, making the viewer think “Oh, my God. This actually happened!”. It's something so grounded to reality, that ends up captivating us and making us feel admired by the evolution of this relationship between ordinary people that lived extraordinary lives. I recommend you keep the tissue box close, because even my father shed a couple of tears, and he usually doesn't cry at movies, so I'll leave that tip there for you. (LOL))



O elenco de personagens principais do filme é reduzido aos personagens-título e ao filho deles, mas são personagens muito humanos e muito bem desenvolvidos. O visível contraste entre as personalidades da Ethel e do Ernest é uma das principais fontes para a evolução do relacionamento entre eles. Se a alegria fosse uma personificação, o Ernest chegaria bem perto de se tornar essa personificação. Ele tem uma atitude tão positiva e otimista em relação às circunstâncias que chega até a ser contagiante, mas há algumas partes onde ele se vê mais vulnerável, e o espectador não consegue deixar de se emocionar com ele, por causa da simpatia criada pelo personagem ao longo da trama. Já a Ethel, mesmo antes de ser mãe, já se mostrava preocupada com tudo. Ao descobrir que Ernest comprou uma casa, ela já ficava se perguntando “Meu Deus, como é que a gente vai pagar essa casa?”. Mas essa preocupação não parece estereotipada e forçada, de modo algum. São sentimentos extremamente humanos que certamente passariam por todos nós se estivéssemos enfrentando as mesmas situações. Uma das melhores coisas sobre o desenvolvimento dos personagens é como o roteiro usa as diferentes gerações para simbolizar a passagem de tempo, no caso, envolvendo os pais e o filho. Enquanto Ethel e Ernest se mantêm fiéis aos valores e hábitos cultivados desde o casamento, o filho deles, Raymond, é mostrado como um seguidor das “modas” da época, vestindo roupas de hippie no início dos anos 1970, e com uma aparência incrivelmente similar à dos Beatles no final da carreira da banda. O relacionamento entre os três após o período de faculdade do filho é uma das principais formas usadas pelo roteiro para atingir nas emoções do espectador. É uma seção cativante e emocionalmente muito forte que certamente causará um impacto em muitos espectadores.

(The film's roster of main characters is reduced to the title characters and their son, but they are very human and very well-developed characters. The visible contrast between Ethel and Ernest's personalities is one of the main sources for the evolution of their relationship. If joy was a person, Ernest would be really close into becoming its personification. He has such a positive and optimistic attitude regarding the circumstances that it becomes contagious, but there are a few parts where he sees himself as more vulnerable, and the viewer can't help but feel for him, because of the sympathy created for the character throughout the plot. Now Ethel, even before she became a mother, showed herself as worried about everything. When finding out that Ernest had bought a house, she was already thinking: “Good God, how are we going to pay for this house?”. But that concern doesn't come out as stereotyped or forced, not at all. They are extremely human feelings that would certainly go through our heads if we were going through the same situations. One of the best things about the character development is how the screenplay uses different generations to deal with the passage of time, in this case, regarding the son and his parents. While Ethel and Ernest keep themselves faithful to the values and habits they've become accostumed to since their marriage, their son, Raymond, shows himself as a follower of the trends of each time, wearing hippie clothing in the early 1970s, and looking astonishingly similar to the Beatles in the end of their career. The relationship between the three of them after the son's college period is one of the screenplay's main ways to tug at the viewer's emotional strings. It's a captivating and really emotionally strong section that will surely cause an impact on many viewers.)



Eu já falei aqui o quanto eu amo animações feitas tradicionalmente, ou seja, desenhadas a mão, especialmente nas resenhas de “Ernest e Célestine”, “A Grande Raposa Má” e “Wolfwalkers”, e “Ethel & Ernest” entra com sucesso nessa lista. Eu amei como Londres e os personagens foram desenhados, como se fossem tirados diretamente de ilustrações de livros infantis. Os personagens têm rostos surpreendentemente rosados, o que dá uma sensação de aconchego para o espectador. As cenas de guerra são muito bem animadas, como se os animadores estivessem fazendo o trabalho por cima de filmagens de arquivo. É incrível como a iluminação vai lentamente se oscilando de acordo com o tom de cada cena. Há algumas partes onde a diferença entre a animação tradicional predominante e a pouca quantidade de CGI usada é visível. Fico me perguntando o porquê deles terem usado CGI, pra começo de conversa. Dava pra tranquilamente animar essas partes tradicionalmente, para até realçar o tom rebuscado e antiquado (no bom sentido) das ambientações, mas não atrapalhou minha experiência. A trilha sonora original do Carl Davis é perfeita, em todos os sentidos. Ela consegue capturar todos os sentimentos presentes na vida dos dois protagonistas: tanto a delicadeza e a doçura de alguns momentos, quanto a angústia e a tensão de outros. É um trabalho que me lembrou bastante da trilha do Alexandre Desplat para “A Forma da Água”, no sentido que Davis conseguiu capturar muito bem essa vibe de ser um “conto de fadas” realista nas faixas de “Ethel & Ernest”. Inclusive, há uma versão instrumental de “We'll Meet Again”, canção tocada no final aterrador de “Dr. Fantástico”, que encaixa super bem no contexto onde ela é colocada.

(I've already spoken out on how I adore traditionally-made, or hand-drawn works of animation, especially on my reviews for “Ernest and Célestine”, “The Big Bad Fox” and “Wolfwalkers”, and “Ethel & Ernest” successfully makes itself worthy of being included on that list. I loved how London and the characters were designed, as if they were directly pulled out of a children's book illustration. The characters have surprisingly rosy faces, which gives a sense of coziness to the viewer. The war scenes are really well-animated, as if the animators were doing their job on top of archival footage. There are some parts in which the difference between the predominant traditional animation and the small amount of CGI used is visible. I keep wondering why did they use CGI, in the first place. They could've easily animated those parts traditionally, to even reinforce the vintage, old-fashioned (in a good way) tone of the settings, but it didn't spoil my experience. Carl Davis's original score is perfect, in every way. It manages to capture all the feelings in the two protagonists' lives: both the delicateness and sweetness of some moments, and the anguish and tension in other ones. It reminded me a lot of Alexandre Desplat's score for “The Shape of Water”, in the way that Davis managed to perfectly capture that realistic “fairy tale” vibe in the tracks of “Ethel & Ernest”. By the way, there's an instrumental version of “We'll Meet Again”, a song that's present in the shattering final scene of “Dr. Strangelove”, that matches really well with the context in which it is put.)



Resumindo, “Ethel & Ernest” é uma verdadeira biografia em forma de filme. Armado com uma história cativante, emocionalmente potente e realista; personagens essencialmente humanos e métodos de animação encantadores e aconchegantes, o filme acerta em cheio ao retratar a vida extraordinária de seus protagonistas normais com respeito, fidelidade e carinho.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Ethel & Ernest” is a true biography in movie form. Armed with a captivating, emotionally resonant and realistic story; essentially human characters and enchanting and heart-warming animation methods, the film hits the jackpot by portraying its ordinary protagonists' extraordinary lives with respect, faithfulness and care.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

"Judas e o Messias Negro": um chamado urgente, intenso e impactante à mudança (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos primeiros filmes dessa temporada de premiações a serem lançados somente este ano. Baseado em uma história real sobre injustiça que se comunica muito bem com acontecimentos recentes, o filme em questão é um chamado forte, urgente e impactante à mudança, fortalecido pelas performances dedicadas de seus dois protagonistas. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Judas e o Messias Negro”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the first films in this award season to only be released in early 2021. Based on a true story about injustice that resonates perfectly well with recent events, the film I'm about to analyze is a strong, urgent and impactful call for change, which is strengthened by its two protagonists' commited performances. So, without further ado, let's talk about “Judas and the Black Messiah”. Let's go!)



Chicago, final dos anos 1960. O filme segue William O'Neal (Lakeith Stanfield), um ladrão de carros negro que, ao ser pego pela polícia, é contratado pelo agente do FBI Roy Mitchell (Jesse Plemons) para se infiltrar na filial do Partido dos Panteras Negras do estado de Illinois e derrubar o venerado presidente do grupo, o ativista Fred Hampton (Daniel Kaluuya).

(Chicago, the late 1960s. The film follows William O'Neal (Lakeith Stanfield), a Black petty criminal who, being caught by the police, is hired by FBI agent Roy Mitchell (Jesse Plemons) to infiltrate himself into the state of Illinois's chapter for the Black Panther Party and take down the group's venerated chairman, activist Fred Hampton (Daniel Kaluuya).)



Antes de começar a falar do filme em si, só queria ressaltar a enorme quantidade de ótimos filmes abordando as questões raciais nos EUA nessa temporada de prêmios, e com a grande maioria deles sendo dirigidos por cineastas negros. Inicialmente, tivemos o bom “Destacamento Blood”, de Spike Lee, na Netflix, que mostrava os demônios interiores que ainda assombram os seus protagonistas; depois veio o dinâmico “Os 7 de Chicago”, de Aaron Sorkin, mostrando que, mesmo 50 anos depois dos eventos retratados, pouco mudou desde então; o divertido e cativante “The Forty-Year-Old Version”, escrito e dirigido por sua protagonista, Radha Blank, que dramatiza as lutas de uma dramaturga negra para tornar o seu trabalho 100% autêntico; “A Voz Suprema do Blues”, dirigido pelo dramaturgo George C. Wolfe, que, com um cenário altamente minimalista, consegue nos fazer visualizar as injustiças sofridas pelos personagens através do diálogo; “Soul”, co-dirigido por Kemp Powers, que, mesmo não aproveitando muito de temas raciais, aborda a frustração de seu protagonista negro ao se ver preso em um emprego sem futuro; e, mais recentemente, o sensacional “Uma Noite em Miami”, dirigido por Regina King, que imagina os diálogos compartilhados por quatro das mentes negras mais influenciadoras da época, e as mudanças que estão prestes a ocorrer em suas vidas. Há resenhas de todos esses filmes aqui no blog, e para quem ainda não os viu, vocês não sabem o que estão perdendo. Avançando para o início desse mês, onde um novo e forte concorrente na temporada surge no Festival de Sundance na forma de “Judas e o Messias Negro”, co-escrito e dirigido por Shaka King e produzido por Ryan Coogler, diretor de “Pantera Negra”. Se eu fosse comparar o filme em questão com alguma outra obra anterior abordando os mesmos assuntos, “Judas e o Messias Negro” seria um “Infiltrado na Klan” ao inverso, especialmente quando se diz respeito ao tom. O roteiro, escrito pelo diretor e por Will Berson, faz um ótimo trabalho em ambientar o espectador através de filmagens de arquivo contendo discursos de ativistas negros, antes de cortar para uma reunião do FBI, onde agentes discutiam a ameaça que os Panteras Negras representavam para o governo dos EUA. Só após essa cena é que somos apresentados ao Judas do título, que é excepcionalmente bem desenvolvido. Diferente de “Infiltrado na Klan”, onde a figura a ser investigada aparece pouco em tela, o ativista Fred Hampton é um dos personagens centrais do roteiro, que consegue trabalhar muito bem a imagem que os Panteras Negras tinham dele, que era, realmente, a de uma figura messiânica: humilde, apaixonado em seus discursos, alguém que se importa com os necessitados, disposto a morrer pelo povo, se esforçando para os Panteras Negras se juntarem à outras facções de resistência, formando um só exército com um inimigo em comum. Uma das melhores coisas sobre o roteiro de King e Berson é a exploração e o contraste feitos entre a imagem imaculada de Hampton e a imperfeição de William O'Neal, o Judas titular. Tal contraste é exemplificado perfeitamente em uma cena onde Hampton faz um discurso em uma igreja, onde os Panteras Negras (O'Neal entre eles) estão presentes. Enquanto Hampton não mostra nenhuma mudança no seu tom de voz ou contato visual, exalando uma aura intensa e fervorosa, O'Neal se mostra visivelmente dividido em relação à sua missão, ao avistar o agente que o contratou no meio dos manifestantes. É uma cena brilhante e meticulosamente construída que nos ajuda a simpatizar pelos dois protagonistas. Outro dos melhores aspectos do roteiro, que ajuda “Judas e o Messias Negro” a ser relevante para os tempos atuais, é o tom, que é bastante sério, contando com o auxílio de cenas explícitas de violência policial para que o espectador leia nas entrelinhas o que os roteiristas estão tentando dizer. Há algumas cenas aqui que se comunicam muito bem com o movimento Black Lives Matter, especialmente quando se diz respeito às mortes de Breonna Taylor e George Floyd por policiais no ano passado. É brutal, impactante e explícito às vezes, mas tais cenas cumprem seu propósito ao imediatamente despertarem uma reflexão no espectador. Houveram várias abordagens das questões raciais em filmes nessa temporada de prêmios, algumas melhores do que outras, mas “Judas e o Messias Negro” certamente é a que parece mais urgente. É um filme violento, necessário e intenso que, assim como “Os 7 de Chicago” (por completa coincidência, os dois filmes compartilham a mesma ambientação), mostra que as mesmas coisas que aconteceram há 50 anos ainda acontecem nos dias atuais. E assim como “Uma Noite em Miami”, “Judas e o Messias Negro” é um chamado à mudança, fortalecido pelas performances de seus protagonistas e a relevância de seu roteiro.

(Before I start talking about the film itself, I'd like to reinforce the large quantity of great films dealing with racial issues in the US during this award season, and with a great part of them being directed by Black filmmakers. Firstly, we had Spike Lee's good “Da 5 Bloods” on Netflix, which showed the demons that still haunted its protagonists; then, came Aaron Sorkin's dynamic “The Trial of the Chicago 7”, showing that, even 50 years after its depicted events, very little has changed since then; the fun and captivating “The Forty-Year-Old Version”, written and directed by its protagonist, Radha Blank, who dramatizes the struggles that a Black playwright faces to make her work 100% authentic; “Ma Rainey's Black Bottom”, directed by playwright George C. Wolfe, who, by using a limited setting, manages to make us visualize the injustices suffered by the characters through dialogue; “Soul”, co-directed by Kemp Powers, which, even though it doesn't take full advantage of these themes, deals with the frustration its Black protagonist has regarding a dead-end job he's probably stuck in; and, more recently, the sensational “One Night in Miami”, directed by Regina King, which imagines the dialogue shared between four of the most influential Black minds of the time depicted, and the changes that are about to come in their lives. There are reviews for every single one of these films on the blog, and if you haven't watched them yet, you don't know what you're missing on. Fast-forwarding to earlier this month, when a new and strong contender in the season arises in the Sundance Film Festival, in the form of “Judas and the Black Messiah”, co-written and directed by Shaka King and produced by Ryan Coogler, who directed “Black Panther”. If I were to compare this film to any other previous work dealing with the same themes, “Judas and the Black Messiah” would be a reverse “BlacKkKlansman”, especially when it comes to tone. The screenplay, written by the director and Will Berson, does a great job in setting the viewer through archival footage containing speeches by Black activists, before cutting to an FBI meeting, where agents discussed the threat that the Black Panthers represented for the US government. Only after that scene is that we are introduced to our titular Judas, who is exceptionally well-developed. Unlike “BlacKkKlansman”, where its investigated figure appears very little on-screen, activist Fred Hampton is a central character in this screenplay, which manages to work really well with the image the Black Panthers had of him, which was, really, of a messianic figure: humble, passionate in his speeches, someone who cares with those in need, who's willing to die for the people and making efforts for the Black Panthers to join other freedom fighters, forming one single army against one common enemy. One of the best aspects of King and Berson's screenplay is the exploration and contrast it makes between Hampton's immaculate image and the imperfection of William O'Neal, our titular Judas. Such contrast is perfectly exemplified in a scene where Hampton makes a speech in a church, where the Black Panthers (O'Neal among them) are present. While Hampton doesn't make any change regarding the tone of his voice and eye contact, exhaling an intense, passionate aura, O'Neal shows himself visibly divided regarding his tasked mission, when he sees the agent who hired him among the freedom fighters. It's a brilliant, meticulously crafted scene that helps us create sympathy for both protagonists. Another of the screenplay's best aspects, which helps “Judas and the Black Messiah” to become relevant for today, is the tone, which is pretty serious, relying on the aid of explicit scenes of police brutality with the objective of making the viewer read between the lines of what the screenwriters are trying to say. There are some scenes here that communicate really well with the Black Lives Matter movement, especially when it comes to the murders of Breonna Taylor and George Floyd by police officers last year. It is brutal, impactful and explicit at times, but these scenes fulfill their purposes by immediately sparking up a discussion in the viewer. There were several approaches to the racial relations in the US in movies this award season, some better than others, but “Judas and the Black Messiah” is certainly the one that seems more urgent. It's a violent, necessary, intense film that, similar to “The Trial of the Chicago 7”, shows that the same things that happened 50 years ago are still happening today. And similar to “One Night in Miami”, “Judas and the Black Messiah” is a call for change, strengthened by its protagonists' performances and the relevance of its screenplay.)



Antes de começar a falar do elenco, posso só ressaltar o fato de que três atores que contracenaram juntos no filme “Corra!”, de Jordan Peele (Daniel Kaluuya, Lakeith Stanfield e Lil Rel Howery), estão juntos novamente aqui? Eu sei que pode ser uma coisa meio boba, mas eu adoro quando atores que já contracenaram em filmes se reencontram em filmes futuros, especialmente quando esses atores são alguns dos melhores dessa geração. Temos aqui a melhor atuação do Daniel Kaluuya desde sua performance indicada ao Oscar no filme de Peele. O ator britânico conseguiu incorporar Fred Hampton com perfeita precisão. (Inclusive, ele foi aprovado pela própria família Hampton para o papel.) Ele é apaixonado, fervoroso, e compartilha de todas as características messiânicas citadas no parágrafo anterior, colaborando para que o espectador se invista emocionalmente em seu personagem. Não sei se a performance de Kaluuya encaixaria como Ator ou Ator Coadjuvante (já que ele e Stanfield compartilham quase o mesmo tempo de tela), mas ela vai receber muito reconhecimento. Depois de um desempenho brilhante em “Sorry to Bother You” e na série “Atlanta”, este parece ser o papel definitivo na carreira do Lakeith Stanfield. Assim como nós nos simpatizamos por Fred Hampton pelas suas atitudes em relação aos necessitados, nós criamos simpatia pelo personagem de Stanfield por ele ser essencialmente humano. Na cena descrita no parágrafo anterior, o ator consegue transmitir (e gritar) tantas palavras só com o olhar. É uma atuação com muita nuance e bem mais expressiva do que comunicativa, e é por isso que as figuras de O'Neal e Hampton fazem um perfeito contraste. Temos uma boa performance do Jesse Plemons, que mesmo depois de “Breaking Bad”, consegue evocar aquela aura ameaçadora através da sua presença. A personagem da Dominique Fishback é a maior âncora emocional para o personagem de Kaluuya, e há uma cena em particular onde ela recita um poema para Hampton que é muito boa. Eu realmente gostaria de ter visto mais da Dominique Thorne, ela interpreta uma Pantera Negra altamente intimidante, e é uma das melhores personagens coadjuvantes da trama. Pra finalizar, temos algumas pontas agradáveis de Martin Sheen e Lil Rel Howery.

(Before I start talking about the cast, can I just reinforce the fact that three actors that shared the screen in Jordan Peele's “Get Out” (Daniel Kaluuya, Lakeith Stanfield and Lil Rel Howery), are together again here? I know it can be a little bit silly, but I just love when actors that already shared the screen reunite in future films, especially when such actors are some of our generation's best. We have here Daniel Kaluuya's finest performance since his Oscar-nominated role in Peele's film. The British actor managed to embody Fred Hampton with perfect precision. (He even got the Hampton family's seal of approval to play the role.) He's passionate, fervorous and shares all the messianic features previously mentioned, collaborating for the viewer to invest in his character emotionally. I don't know if Kaluuya's performance would fit into the Actor or Supporting Actor category (as he and Stanfield share almost the same amount of screen time), but it will get plenty of recognition. After a brilliant job in “Sorry to Bother You” and in the TV show “Atlanta”, this might be the definitive role in Lakeith Stanfield's career. Just like we sympathize with Hampton because of his attitudes regarding those in need, we create sympathy for Stanfield's character because he's essentially human. In the scene described in the previous paragraph, he manages to transmit (and scream) so many words with only his eyes. It's a very nuanced performance that focuses more on expression than communication, and that's why the figures of O'Neal and Hampton make a perfect contrasting match. We have a good performance by Jesse Plemons, who even after “Breaking Bad”, manages to retain that threatening aura he can conjure from his presence. Dominique Fishback's character is the biggest emotional anchor for Kaluuya's, and there's a particular scene where she recites a poem to Hampton that is wonderful. I really wanted to see more of Dominique Thorne, she plays a highly intimidating Black Panther, and is one of the most interesting supporting characters in the plot. To cap it off, we have very pleasant brief performances by Martin Sheen and Lil Rel Howery.)



Os aspectos técnicos de “Judas e o Messias Negro” são muito operantes e eficientes, porém não são perfeitos. A direção de fotografia do Sean Bobbitt é frenética; a montagem do Kristan Sprague não chega no mesmo tom dinâmico de “Os 7 de Chicago” e em algumas cenas, a tela fica preta por tempo demais. Mas para servir de contraste, a montagem nas cenas de discurso de Hampton compartilha do tom comunicativo do roteiro, o que é muito bom. A trilha sonora original do Mark Isham e do Craig Harris me lembrou bastante do trabalho do Ludwig Goransson em “Pantera Negra”, com o uso de tambores tribais, remetendo à uma aura africana, eu gostei muito. A equipe de direção de arte consegue recriar a época retratada com perfeição, mas um dos verdadeiros destaques está no departamento de maquiagem e penteado, que literalmente transformou Kaluuya e Stanfield em réplicas extremamente fiéis aos seus personagens da vida real. É um trabalho maravilhoso que só reafirma o selo de aprovação da família Hampton em relação ao elenco.

(The technical aspects of “Judas and the Black Messiah” are really efficient, but they're not perfect. Sean Bobbitt's cinematography is frenetic; Kristan Sprague's editing doesn't reach the same dynamic heights as the work displayed in “The Trial of the Chicago 7” and in some scenes, the screen goes black for too long. But to serve as a contrast, the editing in the scenes where Hampton makes a speech shares the same comunicational tone of the screenplay, which is really good. Mark Isham and Craig Harris' original score reminded me a lot of Ludwig Goransson's work for “Black Panther”, with the use of tribal drums, aiming at an African aura, I really liked it. The production design team manage to recreate the setting with perfection, but one of the true highlights relies on the make up and hairstyling department, which literally transformed Kaluuya and Stanfield into extremely faithful replicas to their real-life counterparts. It's a marvelous job that only reaffirms the Hamptons' seal of approval regarding the cast.)



Resumindo, “Judas e o Messias Negro” é um triunfo. Contando com performances dedicadas de seus protagonistas, o diretor Shaka King consegue construir um chamado à mudança urgente, intenso, e reflexivo em forma de filme, comprovando a atemporalidade e a relevância dos temas abordados no roteiro para os dias atuais.

Nota: 9,5 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Judas and the Black Messiah” is a triumph. Relying on committed performances by its protagonists, director Shaka King manages to build an urgent, intense and thought-provoking call for change in film form, proving how timeless and relevant the themes dealt with in the screenplay are for today.

I give it a 9,5 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)