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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

"Judas e o Messias Negro": um chamado urgente, intenso e impactante à mudança (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar sobre um dos primeiros filmes dessa temporada de premiações a serem lançados somente este ano. Baseado em uma história real sobre injustiça que se comunica muito bem com acontecimentos recentes, o filme em questão é um chamado forte, urgente e impactante à mudança, fortalecido pelas performances dedicadas de seus dois protagonistas. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Judas e o Messias Negro”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the first films in this award season to only be released in early 2021. Based on a true story about injustice that resonates perfectly well with recent events, the film I'm about to analyze is a strong, urgent and impactful call for change, which is strengthened by its two protagonists' commited performances. So, without further ado, let's talk about “Judas and the Black Messiah”. Let's go!)



Chicago, final dos anos 1960. O filme segue William O'Neal (Lakeith Stanfield), um ladrão de carros negro que, ao ser pego pela polícia, é contratado pelo agente do FBI Roy Mitchell (Jesse Plemons) para se infiltrar na filial do Partido dos Panteras Negras do estado de Illinois e derrubar o venerado presidente do grupo, o ativista Fred Hampton (Daniel Kaluuya).

(Chicago, the late 1960s. The film follows William O'Neal (Lakeith Stanfield), a Black petty criminal who, being caught by the police, is hired by FBI agent Roy Mitchell (Jesse Plemons) to infiltrate himself into the state of Illinois's chapter for the Black Panther Party and take down the group's venerated chairman, activist Fred Hampton (Daniel Kaluuya).)



Antes de começar a falar do filme em si, só queria ressaltar a enorme quantidade de ótimos filmes abordando as questões raciais nos EUA nessa temporada de prêmios, e com a grande maioria deles sendo dirigidos por cineastas negros. Inicialmente, tivemos o bom “Destacamento Blood”, de Spike Lee, na Netflix, que mostrava os demônios interiores que ainda assombram os seus protagonistas; depois veio o dinâmico “Os 7 de Chicago”, de Aaron Sorkin, mostrando que, mesmo 50 anos depois dos eventos retratados, pouco mudou desde então; o divertido e cativante “The Forty-Year-Old Version”, escrito e dirigido por sua protagonista, Radha Blank, que dramatiza as lutas de uma dramaturga negra para tornar o seu trabalho 100% autêntico; “A Voz Suprema do Blues”, dirigido pelo dramaturgo George C. Wolfe, que, com um cenário altamente minimalista, consegue nos fazer visualizar as injustiças sofridas pelos personagens através do diálogo; “Soul”, co-dirigido por Kemp Powers, que, mesmo não aproveitando muito de temas raciais, aborda a frustração de seu protagonista negro ao se ver preso em um emprego sem futuro; e, mais recentemente, o sensacional “Uma Noite em Miami”, dirigido por Regina King, que imagina os diálogos compartilhados por quatro das mentes negras mais influenciadoras da época, e as mudanças que estão prestes a ocorrer em suas vidas. Há resenhas de todos esses filmes aqui no blog, e para quem ainda não os viu, vocês não sabem o que estão perdendo. Avançando para o início desse mês, onde um novo e forte concorrente na temporada surge no Festival de Sundance na forma de “Judas e o Messias Negro”, co-escrito e dirigido por Shaka King e produzido por Ryan Coogler, diretor de “Pantera Negra”. Se eu fosse comparar o filme em questão com alguma outra obra anterior abordando os mesmos assuntos, “Judas e o Messias Negro” seria um “Infiltrado na Klan” ao inverso, especialmente quando se diz respeito ao tom. O roteiro, escrito pelo diretor e por Will Berson, faz um ótimo trabalho em ambientar o espectador através de filmagens de arquivo contendo discursos de ativistas negros, antes de cortar para uma reunião do FBI, onde agentes discutiam a ameaça que os Panteras Negras representavam para o governo dos EUA. Só após essa cena é que somos apresentados ao Judas do título, que é excepcionalmente bem desenvolvido. Diferente de “Infiltrado na Klan”, onde a figura a ser investigada aparece pouco em tela, o ativista Fred Hampton é um dos personagens centrais do roteiro, que consegue trabalhar muito bem a imagem que os Panteras Negras tinham dele, que era, realmente, a de uma figura messiânica: humilde, apaixonado em seus discursos, alguém que se importa com os necessitados, disposto a morrer pelo povo, se esforçando para os Panteras Negras se juntarem à outras facções de resistência, formando um só exército com um inimigo em comum. Uma das melhores coisas sobre o roteiro de King e Berson é a exploração e o contraste feitos entre a imagem imaculada de Hampton e a imperfeição de William O'Neal, o Judas titular. Tal contraste é exemplificado perfeitamente em uma cena onde Hampton faz um discurso em uma igreja, onde os Panteras Negras (O'Neal entre eles) estão presentes. Enquanto Hampton não mostra nenhuma mudança no seu tom de voz ou contato visual, exalando uma aura intensa e fervorosa, O'Neal se mostra visivelmente dividido em relação à sua missão, ao avistar o agente que o contratou no meio dos manifestantes. É uma cena brilhante e meticulosamente construída que nos ajuda a simpatizar pelos dois protagonistas. Outro dos melhores aspectos do roteiro, que ajuda “Judas e o Messias Negro” a ser relevante para os tempos atuais, é o tom, que é bastante sério, contando com o auxílio de cenas explícitas de violência policial para que o espectador leia nas entrelinhas o que os roteiristas estão tentando dizer. Há algumas cenas aqui que se comunicam muito bem com o movimento Black Lives Matter, especialmente quando se diz respeito às mortes de Breonna Taylor e George Floyd por policiais no ano passado. É brutal, impactante e explícito às vezes, mas tais cenas cumprem seu propósito ao imediatamente despertarem uma reflexão no espectador. Houveram várias abordagens das questões raciais em filmes nessa temporada de prêmios, algumas melhores do que outras, mas “Judas e o Messias Negro” certamente é a que parece mais urgente. É um filme violento, necessário e intenso que, assim como “Os 7 de Chicago” (por completa coincidência, os dois filmes compartilham a mesma ambientação), mostra que as mesmas coisas que aconteceram há 50 anos ainda acontecem nos dias atuais. E assim como “Uma Noite em Miami”, “Judas e o Messias Negro” é um chamado à mudança, fortalecido pelas performances de seus protagonistas e a relevância de seu roteiro.

(Before I start talking about the film itself, I'd like to reinforce the large quantity of great films dealing with racial issues in the US during this award season, and with a great part of them being directed by Black filmmakers. Firstly, we had Spike Lee's good “Da 5 Bloods” on Netflix, which showed the demons that still haunted its protagonists; then, came Aaron Sorkin's dynamic “The Trial of the Chicago 7”, showing that, even 50 years after its depicted events, very little has changed since then; the fun and captivating “The Forty-Year-Old Version”, written and directed by its protagonist, Radha Blank, who dramatizes the struggles that a Black playwright faces to make her work 100% authentic; “Ma Rainey's Black Bottom”, directed by playwright George C. Wolfe, who, by using a limited setting, manages to make us visualize the injustices suffered by the characters through dialogue; “Soul”, co-directed by Kemp Powers, which, even though it doesn't take full advantage of these themes, deals with the frustration its Black protagonist has regarding a dead-end job he's probably stuck in; and, more recently, the sensational “One Night in Miami”, directed by Regina King, which imagines the dialogue shared between four of the most influential Black minds of the time depicted, and the changes that are about to come in their lives. There are reviews for every single one of these films on the blog, and if you haven't watched them yet, you don't know what you're missing on. Fast-forwarding to earlier this month, when a new and strong contender in the season arises in the Sundance Film Festival, in the form of “Judas and the Black Messiah”, co-written and directed by Shaka King and produced by Ryan Coogler, who directed “Black Panther”. If I were to compare this film to any other previous work dealing with the same themes, “Judas and the Black Messiah” would be a reverse “BlacKkKlansman”, especially when it comes to tone. The screenplay, written by the director and Will Berson, does a great job in setting the viewer through archival footage containing speeches by Black activists, before cutting to an FBI meeting, where agents discussed the threat that the Black Panthers represented for the US government. Only after that scene is that we are introduced to our titular Judas, who is exceptionally well-developed. Unlike “BlacKkKlansman”, where its investigated figure appears very little on-screen, activist Fred Hampton is a central character in this screenplay, which manages to work really well with the image the Black Panthers had of him, which was, really, of a messianic figure: humble, passionate in his speeches, someone who cares with those in need, who's willing to die for the people and making efforts for the Black Panthers to join other freedom fighters, forming one single army against one common enemy. One of the best aspects of King and Berson's screenplay is the exploration and contrast it makes between Hampton's immaculate image and the imperfection of William O'Neal, our titular Judas. Such contrast is perfectly exemplified in a scene where Hampton makes a speech in a church, where the Black Panthers (O'Neal among them) are present. While Hampton doesn't make any change regarding the tone of his voice and eye contact, exhaling an intense, passionate aura, O'Neal shows himself visibly divided regarding his tasked mission, when he sees the agent who hired him among the freedom fighters. It's a brilliant, meticulously crafted scene that helps us create sympathy for both protagonists. Another of the screenplay's best aspects, which helps “Judas and the Black Messiah” to become relevant for today, is the tone, which is pretty serious, relying on the aid of explicit scenes of police brutality with the objective of making the viewer read between the lines of what the screenwriters are trying to say. There are some scenes here that communicate really well with the Black Lives Matter movement, especially when it comes to the murders of Breonna Taylor and George Floyd by police officers last year. It is brutal, impactful and explicit at times, but these scenes fulfill their purposes by immediately sparking up a discussion in the viewer. There were several approaches to the racial relations in the US in movies this award season, some better than others, but “Judas and the Black Messiah” is certainly the one that seems more urgent. It's a violent, necessary, intense film that, similar to “The Trial of the Chicago 7”, shows that the same things that happened 50 years ago are still happening today. And similar to “One Night in Miami”, “Judas and the Black Messiah” is a call for change, strengthened by its protagonists' performances and the relevance of its screenplay.)



Antes de começar a falar do elenco, posso só ressaltar o fato de que três atores que contracenaram juntos no filme “Corra!”, de Jordan Peele (Daniel Kaluuya, Lakeith Stanfield e Lil Rel Howery), estão juntos novamente aqui? Eu sei que pode ser uma coisa meio boba, mas eu adoro quando atores que já contracenaram em filmes se reencontram em filmes futuros, especialmente quando esses atores são alguns dos melhores dessa geração. Temos aqui a melhor atuação do Daniel Kaluuya desde sua performance indicada ao Oscar no filme de Peele. O ator britânico conseguiu incorporar Fred Hampton com perfeita precisão. (Inclusive, ele foi aprovado pela própria família Hampton para o papel.) Ele é apaixonado, fervoroso, e compartilha de todas as características messiânicas citadas no parágrafo anterior, colaborando para que o espectador se invista emocionalmente em seu personagem. Não sei se a performance de Kaluuya encaixaria como Ator ou Ator Coadjuvante (já que ele e Stanfield compartilham quase o mesmo tempo de tela), mas ela vai receber muito reconhecimento. Depois de um desempenho brilhante em “Sorry to Bother You” e na série “Atlanta”, este parece ser o papel definitivo na carreira do Lakeith Stanfield. Assim como nós nos simpatizamos por Fred Hampton pelas suas atitudes em relação aos necessitados, nós criamos simpatia pelo personagem de Stanfield por ele ser essencialmente humano. Na cena descrita no parágrafo anterior, o ator consegue transmitir (e gritar) tantas palavras só com o olhar. É uma atuação com muita nuance e bem mais expressiva do que comunicativa, e é por isso que as figuras de O'Neal e Hampton fazem um perfeito contraste. Temos uma boa performance do Jesse Plemons, que mesmo depois de “Breaking Bad”, consegue evocar aquela aura ameaçadora através da sua presença. A personagem da Dominique Fishback é a maior âncora emocional para o personagem de Kaluuya, e há uma cena em particular onde ela recita um poema para Hampton que é muito boa. Eu realmente gostaria de ter visto mais da Dominique Thorne, ela interpreta uma Pantera Negra altamente intimidante, e é uma das melhores personagens coadjuvantes da trama. Pra finalizar, temos algumas pontas agradáveis de Martin Sheen e Lil Rel Howery.

(Before I start talking about the cast, can I just reinforce the fact that three actors that shared the screen in Jordan Peele's “Get Out” (Daniel Kaluuya, Lakeith Stanfield and Lil Rel Howery), are together again here? I know it can be a little bit silly, but I just love when actors that already shared the screen reunite in future films, especially when such actors are some of our generation's best. We have here Daniel Kaluuya's finest performance since his Oscar-nominated role in Peele's film. The British actor managed to embody Fred Hampton with perfect precision. (He even got the Hampton family's seal of approval to play the role.) He's passionate, fervorous and shares all the messianic features previously mentioned, collaborating for the viewer to invest in his character emotionally. I don't know if Kaluuya's performance would fit into the Actor or Supporting Actor category (as he and Stanfield share almost the same amount of screen time), but it will get plenty of recognition. After a brilliant job in “Sorry to Bother You” and in the TV show “Atlanta”, this might be the definitive role in Lakeith Stanfield's career. Just like we sympathize with Hampton because of his attitudes regarding those in need, we create sympathy for Stanfield's character because he's essentially human. In the scene described in the previous paragraph, he manages to transmit (and scream) so many words with only his eyes. It's a very nuanced performance that focuses more on expression than communication, and that's why the figures of O'Neal and Hampton make a perfect contrasting match. We have a good performance by Jesse Plemons, who even after “Breaking Bad”, manages to retain that threatening aura he can conjure from his presence. Dominique Fishback's character is the biggest emotional anchor for Kaluuya's, and there's a particular scene where she recites a poem to Hampton that is wonderful. I really wanted to see more of Dominique Thorne, she plays a highly intimidating Black Panther, and is one of the most interesting supporting characters in the plot. To cap it off, we have very pleasant brief performances by Martin Sheen and Lil Rel Howery.)



Os aspectos técnicos de “Judas e o Messias Negro” são muito operantes e eficientes, porém não são perfeitos. A direção de fotografia do Sean Bobbitt é frenética; a montagem do Kristan Sprague não chega no mesmo tom dinâmico de “Os 7 de Chicago” e em algumas cenas, a tela fica preta por tempo demais. Mas para servir de contraste, a montagem nas cenas de discurso de Hampton compartilha do tom comunicativo do roteiro, o que é muito bom. A trilha sonora original do Mark Isham e do Craig Harris me lembrou bastante do trabalho do Ludwig Goransson em “Pantera Negra”, com o uso de tambores tribais, remetendo à uma aura africana, eu gostei muito. A equipe de direção de arte consegue recriar a época retratada com perfeição, mas um dos verdadeiros destaques está no departamento de maquiagem e penteado, que literalmente transformou Kaluuya e Stanfield em réplicas extremamente fiéis aos seus personagens da vida real. É um trabalho maravilhoso que só reafirma o selo de aprovação da família Hampton em relação ao elenco.

(The technical aspects of “Judas and the Black Messiah” are really efficient, but they're not perfect. Sean Bobbitt's cinematography is frenetic; Kristan Sprague's editing doesn't reach the same dynamic heights as the work displayed in “The Trial of the Chicago 7” and in some scenes, the screen goes black for too long. But to serve as a contrast, the editing in the scenes where Hampton makes a speech shares the same comunicational tone of the screenplay, which is really good. Mark Isham and Craig Harris' original score reminded me a lot of Ludwig Goransson's work for “Black Panther”, with the use of tribal drums, aiming at an African aura, I really liked it. The production design team manage to recreate the setting with perfection, but one of the true highlights relies on the make up and hairstyling department, which literally transformed Kaluuya and Stanfield into extremely faithful replicas to their real-life counterparts. It's a marvelous job that only reaffirms the Hamptons' seal of approval regarding the cast.)



Resumindo, “Judas e o Messias Negro” é um triunfo. Contando com performances dedicadas de seus protagonistas, o diretor Shaka King consegue construir um chamado à mudança urgente, intenso, e reflexivo em forma de filme, comprovando a atemporalidade e a relevância dos temas abordados no roteiro para os dias atuais.

Nota: 9,5 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Judas and the Black Messiah” is a triumph. Relying on committed performances by its protagonists, director Shaka King manages to build an urgent, intense and thought-provoking call for change in film form, proving how timeless and relevant the themes dealt with in the screenplay are for today.

I give it a 9,5 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


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