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domingo, 21 de fevereiro de 2021

"Nomadland": um retrato cultural minimalista, fascinante e humano (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para trazer a resenha do maior concorrente da presente temporada de prêmios. Comandado por uma cineasta que tem total controle sobre sua obra e conduzido às alturas por uma das melhores performances de sua protagonista, o filme em questão é um retrato cru, sem filtros e humano sobre luto, perda e solidão. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Nomadland”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to bring the review for the main contender in this current award season. Directed by a filmmaker who has total control over her craft and led to greater heights by one of its protagonist's finest performances, the film I'm about to analyze is a raw, unfiltered and human portrait on grief, loss and loneliness. So, without further ado, let's talk about “Nomadland”. Let's go!)



Baseado no livro de não-ficção de mesmo nome, escrito por Jessica Bruder, o filme acompanha a jornada de Fern (Frances McDormand), uma mulher de 60 anos que, ao perder tudo devido à um colapso econômico ocorrido em uma cidade na zona rural do estado de Nevada, nos EUA, junta todos os seus pertences, entra em uma van e parte para a estrada, onde aprende a viver uma vida fora da sociedade convencional, como uma nômade moderna.

(Based on the non-fiction book of the same name, written by Jessica Bruder, the film follows the journey of Fern (Frances McDormand), a 60-year-old woman who, by losing everything due to an economic collapse that happened in a town on the countryside of the state of Nevada, in the US, gathers all of her belongings, gets in a van and hits the road, where she learns how to live a life outside the conventional society, as a modern-day nomad.)



Acho que nem é preciso dizer que eu estava com expectativas altíssimas para assistir “Nomadland”. O filme mais recente da diretora chinesa Chloé Zhao (que, atualmente, é a cineasta mais premiada em uma única temporada de prêmios, totalizando em mais de 50 prêmios ganhos somente por este filme até o momento, sendo 34 deles de Melhor Direção) chamou minha atenção pela primeira vez ao sair do prestigiado Festival de Veneza, levando o maior prêmio do festival, o Leão de Ouro, para casa. Nos últimos três anos, filmes excelentes levaram o mesmo prêmio e receberam uma quantidade imensa de reconhecimento em suas respectivas temporadas, sendo eles “A Forma da Água”, dirigido por Guillermo del Toro; “Roma”, dirigido por Alfonso Cuarón; e “Coringa”, dirigido por Todd Phillips. Todos os três filmes foram indicados ao Oscar de Melhor Filme, com o longa de del Toro vencendo nessa categoria em 2018. Minha curiosidade aumentou gradativamente ao descobrir que o filme de Zhao também tinha vencido o Prêmio do Público do Festival de Toronto, honra que já foi dada a filmes (indicados ao Oscar de Melhor Filme) como “La La Land”, “Três Anúncios Para um Crime”, “Green Book” (que venceu o Oscar de Melhor Filme), e “Jojo Rabbit”. A partir daí, já tinha me decidido que precisava ver “Nomadland”. Se o filme agradou ao júri do Festival de Veneza, o qual é composto por profissionais do ramo; e ao público (dizendo mais pejorativamente, o “povão”) que atendeu o Festival de Toronto, já tinha quase certeza que seria uma experiência imperdível, e fico muito feliz em dizer que não me decepcionei nem um pouco. Com o roteiro sendo escrito pela própria diretora, Zhao se concentra em explorar as razões do porquê os chamados “nômades” levam esse estilo de vida não convencional. A vibe de road movie que o filme adotou me lembrou bastante de “Na Natureza Selvagem”, que conta a história real de Christopher McCandless, que também levou uma vida em um estilo similar à da protagonista de “Nomadland”, só que com ainda menos recursos. O filme não irá agradar a todos os gostos, mas aqueles dispostos à assistirem ao longa com paciência pelo enxuto tempo de duração de 1 hora e 47 minutos serão muito bem recompensados, pelo fascínio que certamente irão sentir pelo objeto de estudo da diretora. É um filme tão naturalmente dirigido, atuado e contado que parece até mais um documentário do que propriamente um longa fictício. Zhao teve a sabedoria de misturar atores com nômades da vida real, que interpretam versões fictícias deles mesmos, ao ponto de quase não sermos capazes de distinguir um grupo do outro. As sequências onde a personagem da Frances McDormand interage com estes nômades são tão bem conduzidas, que nos dão a impressão de estarmos assistindo a um verdadeiro depoimento dessas pessoas. E através desses “depoimentos”, conseguimos descobrir cada vez mais sobre a protagonista e sobre a razão dela levar aquele estilo de vida. Dentro dessas sequências, repletas de diálogos reflexivos e histórias de vida, reside a verdadeira humanidade da narrativa de “Nomadland”. A roteirista e diretora acerta em cheio ao retratar os nômades como seres humanos não tão diferentes de nós, como pessoas que passaram (e ainda passam) por muitas situações difíceis e que perderam muito. Nesse assunto de perda, o filme acha uma questão interessante para perguntar ao seu público: “O que é um lar?”. Há uma sequência onde uma colega de trabalho da protagonista mostra suas várias tatuagens e entre elas, há uma citação de uma canção do Morrissey, ex-vocalista da banda The Smiths: “Lar, é só uma palavra, ou algo que você carrega dentro de si?”. Essa sequência tem um valor simbólico dentro da trama, porque os vários personagens nômades perderam pessoas e coisas queridas a eles, como os cônjuges, filhos, familiares, empregos. Então, simbolicamente, essas pessoas perderam o “lar” delas. Nesse aspecto, o filme é um estudo sensacional sobre perda, luto, e dificuldade na superação de situações delicadas. Essa dificuldade é perfeitamente exemplificada na incapacidade da protagonista de ficar parada em um lugar e se apegar aos “habitantes” dele. Ela está sempre em movimento, indo de estado a estado, conhecendo e se despedindo de novas pessoas, e repetindo esse ciclo a cada ano. Tudo isso pra ajudá-la a superar as várias perdas que ela sofreu durante um período muito difícil de recessão na história dos EUA. Há um monólogo extraordinário sobre a morte e os efeitos dela em uma pessoa querida, dito por um dos nômades para a protagonista. É algo tão triste e impactante, mas ao mesmo tempo, tão reconfortante e recompensador, quando se para pra pensar. É uma das melhores cenas de um filme de 2020 para mim. O final é extremamente emocionante, especialmente pelo o que ele representa para a protagonista, e quase (ênfase no “quase”) me fez chorar. O filme, como um todo, é uma representação do melhor que o cinema pode oferecer. Um enredo cativante, personagens humanos, uma carga emocional impactante. “Nomadland” é o que Martin Scorsese realmente chamaria de cinema. (Risos) Bravo, Chloé Zhao! Mal posso esperar para ver o que ela preparou para os fãs da Marvel em “Eternos”!

(I think I don't even have to say that I was extremely excited to watch “Nomadland”. The most recent film by Chinese director Chloé Zhao (who, currently, is the most-awarded filmmaker in a single award season, with a total of over 50 awards won only for this film to this point, 34 of them being for Best Director) had first caught my attention when it left the prestigious Venice Film Festival, taking home the festival's most important award, the Golden Lion. In the last three years, excellent films won the same award and received an enormous amount of recognition in their respective award seasons, those being Guillermo del Toro's “The Shape of Water”; Alfonso Cuarón's “Roma” and Todd Phillips's “Joker”. All three films were Best Picture nominees at their respective Oscar ceremonies, with del Toro's film winning such award in 2018. My curiosity towards it reached greater heights when I discovered Zhao's film had won the People's Choice Award in the Toronto International Film Festival, an honor that was given to (Best Picture-nominated) films like “La La Land”, “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, “Green Book” (which was a Best Picture winner) and “Jojo Rabbit”. From that point, I'd already decided that I had to watch “Nomadland”. If it pleased the jury of the Venice Film Festival, which is composed by professionals in the field; and the general audience of the Toronto Film Festival, I was almost 100% sure that it was going to be an unmissable experience, and I am extremely glad to say that I was not disappointed in it, not even for a single second. With its screenplay written by the director herself, Zhao focuses in exploring the reasons why the so-called “nomads” come to lead their unusual lifestyle. The road movie vibe the film adopted reminded me a lot of “Into the Wild”, which tells the true story of Christopher McCandless, who led his life in a similar path to the one taken by the protagonist of “Nomadland”, only with even fewer resources. It won't be to everyone's taste, but those willing to patiently sit through its concise running time of 1 hour and 47 minutes will be very much rewarded, by the fascination they'll certainly feel towards the director's object of study. It's a film so naturally directed, performed and told that it kind of feels like more of a documentary than a proper work of fiction. Zhao was wise in mixing actors with real-life nomads, who portray fictional versions of themselves, to the point where it's almost impossible for us to tell one group from the other. The sequences where Frances McDormand's character interacts with such nomads are so well conducted, that they give us the impression of watching a true statement by these people. And through these “statements”, we manage to find out more about the protagonist and the reason why she decided to live that way. Inside these sequences, filled with thought-provoking dialogue and life stories, resides the true humanity in the narrative of “Nomadland”. The writer and director hits all the right targets by portraying the nomads as human beings not that different from ourselves, as people who went (and are still going) through several tough situations and who have lost a lot of things. In this aspect of loss, the film finds an interesting question to ask to its audience: “What is a home?”. There's a sequence where a colleague of the protagonist shows her many tattoos and among them, there is a quote from a song by Morrissey, the former lead singer for The Smiths: “Home, is it just a word, or is it something you carry within you?”. This sequence has a symbolic value in the plot, as its many nomad characters have lost people or things dear to them, like their spouses, children, relatives, employment. So, symbolically, these people have lost their “home”. In that point of view, the film is a sensational study on loss, grief, and the difficulties in overcoming delicate situations. Such difficulty is perfectly exemplified by the protagonist's incapacity of standing still in one place and get attached to its “inhabitants”. She is always on the move, going from state to state, meeting and saying goodbye to new people, and repeating that cycle every year. All that to help her overcome the many losses she has suffered during a difficult period of recession in US economy. There is an extraordinary monologue about death and its effects on a dear person, told to the protagonist by one of the nomads. It's something so sad and impactful, and at the same time, so comforting and rewarding, when you stop and think about it. It's one of the best scenes in a 2020 film for me. The ending is extremely emotional, especially for what it represents to the protagonist, and almost (focus on the “almost”) made me cry. The film, as a whole, is a representation of the best things that cinema has to offer. A captivating story, human characters, an impactful emotional weight. “Nomadland” is what Martin Scorsese would truly call cinema (LOL). Bravo, Chloé Zhao! I can't wait for what she has in store for Marvel fans in the upcoming “Eternals”!)



Meu pai me disse uma coisa ao filme terminar e eu só tenho que concordar. A Frances McDormand tem uma presença de tela extraordinariamente forte. Quando ela entra nos enquadramentos da câmera, ela literalmente domina cada cena onde ela está presente. Foi por isso que ela venceu 2 Oscars por “Fargo” e “Três Anúncios para um Crime”, e está a poucos passos de ganhar sua terceira estatueta por “Nomadland”. Aqui ela consegue misturar muito bem a doçura e a compaixão compartilhadas por seus colegas nômades com a dureza e frieza de alguém que passou por uma situação muito difícil. Não irei me surpreender se descobrir que a diretora só decidiu colocar ela no meio dos nômades da vida real, e falou pra ela aprender a viver como eles viviam enquanto ela filmava tudo. É uma performance autêntica a esse nível. Junto com McDormand, o único ator profissional do elenco é o David Strathairn, que interpreta muito bem uma figura que compartilha das mesmas razões para adotar a esse estilo de vida, mas que é diferente da protagonista em todos os outros aspectos. Eu achei bem interessante como os atores que não são nômades têm nomes bem parecidos com os dos seus personagens, no sentido que a Frances McDormand virou “Fern” e o David Strathairn virou “Dave”. Eu amei a atuação dos nômades, porque nem parecia que eles estavam atuando. Todos eles têm uma ótima química com McDormand. A Linda May é a colega de trabalho e uma das mentoras de Fern ao aprender o modo de vida nômade; a Swankie entra em cena como uma âncora emocional surpreendentemente forte, cuja história causa um impacto na protagonista, e o Bob Wells, que literalmente tem um canal no YouTube sobre como viver em uma van e realmente organiza encontros de nômades, exatamente na cidade onde o filme os ambienta. Ele é o responsável pelo monólogo citado no parágrafo anterior, e ele o transmite com muita naturalidade.

(My dad told me something when we finished watching the film and I can't help but agree with him. Frances McDormand has an extraordinarily strong screen presence. When she enters the framing of the camera, she literally dominates every scene she's in. That's why she won 2 Oscars for her work in “Fargo” and “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, and is really close to win her third award for “Nomadland”. Here, she manages to blend really well the warmth and compassion she shares with her fellow nomads with the hardness and coldness of someone who went through a particularly difficult situation. I won't be surprised if I find out that the director just decided to place her in the middle of real-life nomads, and told her to learn how they lived while she filmed the whole thing. Her performance reaches that level of authenticity. Alongside McDormand, the only professional actor in the cast is David Strathairn, who portrays really well a figure who shares the same reasons why they adopted this lifestyle, but who is also different from the protagonist in every other aspect. I thought it was really interesting that the names of the non-nomad actors are very similar to their characters' names, in the way that Frances McDormand turned into “Fern” and David Strathairn turned into “Dave”. I loved the nomads' performances, especially because it didn't even seem they were acting. They all have a great chemistry with McDormand. Linda May plays Fern's co-worker and one of her mentors in learning the nomad way of life; Swankie enters the scene as a surprisingly strong emotional anchor, whose story causes an impact on the protagonist, and Bob Wells, who literally has a YouTube channel on how to live in a van and actually organized nomad gatherings, in the exact same town as the movie sets them. He's the responsible for the monologue mentioned in the previous paragraph, and he transmits it with great naturality.)



Assim como o roteiro e as performances, os aspectos técnicos são guiados pela diretora de um modo extremamente natural e minimalista. A direção de fotografia do Joshua James Richards aposta na captura de paisagens naturais estonteantes. Vários pores do sol, alvoreceres e cenários crus e sem filtro são retratados com pureza, dando ênfase à natureza e à estrada, que são algumas das partes mais importantes e características do modo de vida nômade, de acordo com o filme. Há um tom intencional de amadorismo no trabalho de Richards, onde a câmera balança às vezes ao acompanhar a protagonista em algumas cenas, injetando mais uma dose de naturalidade que seria onipresente em um documentário. Não há muito a dizer pela direção de arte, exceto que ela segue o mesmo plano minimalista dos outros aspectos do filme. A montagem, feita pela própria diretora (Chloé Zhao, mais conhecida como “ameaça tripla”), pode falhar em alguns momentos. Tiveram algumas cenas onde eu achei os cortes meio abruptos, e que a diretora poderia ter prolongado a cena um pouco mais e vice-versa, mas isso, de modo algum, manchou a minha incrível experiência com o filme. A trilha sonora original do pianista clássico italiano Ludovico Einaudi é linda. Nas cenas mais contemplativas de “Nomadland”, as quais geralmente são montagens de pequenos momentos na jornada da protagonista, a trilha de Einaudi brilha com peças e arranjos minimalistas de piano e violino, que acrescentam à beleza, melancolia e poesia da narrativa de Zhao. O trabalho dele está justamente empatado com o do Trent Reznor, Atticus Ross e Jon Batiste para a trilha sonora de “Soul” pra mim, a qual também depende muito do piano.

(Just like with the screenplay and performances, the technical aspects are guided by the director in an extremely natural and minimalist way. Joshua James Richards's cinematography bets on capturing astonishing natural landscapes. Several sunsets, sunrises and raw, unfiltered scenarios are portrayed with purity, emphasizing on nature and on the road, which are some of the most important and characteristic parts in the nomad lifestyle, according to the film. There's an intentional tone of amateurism in Richards's work, where the camera sometimes shakes when following the protagonist in some scenes, injecting yet another dose of naturality that would be ever so present in a documentary. There's not much to be said about the art direction, except that it follows the same minimalist plan as its other aspects. The editing, done by the director herself (Chloé Zhao, also known as a “triple threat”), can fail at some moments. There are some scenes that I found the cuts to be a little abrupt, and that the director could've stretched out the scene for a little longer and vice versa, but that didn't stain my amazing experience with the film, in any way. The original score by Italian classical pianist Ludovico Einaudi is stunning. In the more contemplative scenes in “Nomadland”, which generally are montages of small moments in the protagonist's journey, Einaudi's score shines with pieces and arrangements for piano and violin, which add to the beauty, melancholy and poetry of Zhao's narrative. His work is justly tied with that of Trent Reznor, Atticus Ross and Jon Batiste for the score of “Soul”, to me, which also relies heavily on the piano.)



Resumindo, “Nomadland” é uma obra-prima minimalista. Retratando seus objetos de estudo com respeito, honestidade e humanidade, Chloé Zhao analisa, através de sua protagonista (a qual é interpretada de forma impecável por Frances McDormand), temas importantes e relevantes como perda, luto e a dificuldade de superar momentos difíceis, com o auxílio de aspectos técnicos que complementam sua proposta. Vou me lembrar desse filme por um bom tempo.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Nomadland” is a minimalist masterpiece. Portraying her objects of study with respect, honesty and humanity, Chloé Zhao analyzes, through her protagonist (who is flawlessly portrayed by Frances McDormand), important and relevant themes such as loss, grief and the difficulty of overcoming tough times, aided by technical aspects that complement her proposal. I'm going to remember this film for quite a while.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


2 comentários: