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sábado, 5 de setembro de 2020

"Estou Pensando em Acabar com Tudo": o quebra-cabeça surreal (e genial) de Charlie Kaufman (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar de um dos lançamentos mais recentes da Netflix. Depois de 5 anos sem lançar nada novo, o roteirista e diretor Charlie Kaufman oferece a trama mais surreal, bizarra e aparentemente desconexa que já fez até agora, mas que acaba fazendo muito sentido com o passar do tempo. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre “Estou Pensando em Acabar com Tudo”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about one of the most recent releases on Netflix. After 5 years of not releasing anything new, writer-director Charlie Kaufman offers the most surreal, bizarre and apparently disconnected plot he's ever done to this day, but it ends up making a lot of sense the more you think about it. So, without further ado, let's talk about “I'm Thinking of Ending Things”. Let's go!)



Baseado no livro de mesmo nome escrito por Iain Reid, o filme gira em torno de uma jovem (Jessie Buckley) que se encontra em um relacionamento despido de química com seu namorado (Jesse Plemons). Ao chegar à casa dos pais dele (Toni Collette e David Thewlis) em uma fazenda remota, a jovem embarca em uma viagem para dentro de seu próprio psiquismo.

(Based on the book of the same name written by Iain Reid, the film revolves around a young woman (Jessie Buckley) who finds herself in a relationship devoid of chemistry with her boyfriend (Jesse Plemons). When arriving at his parents' (Toni Collette and David Thewlis) house at a farm in the middle of nowhere, the young woman embarks in a journey through her own psyche.)



Ok, antes de começar a falar do filme em si, é melhor eu dedicar algumas linhas para falar do trabalho do gênio por trás dele. O filme é escrito e dirigido pelo Charlie Kaufman, que é amplamente conhecido por suas tramas engenhosas e originais indicadas ao Oscar, tais como “Quero Ser John Malkovich”, “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (que venceu o Oscar de Melhor Roteiro Original), e “Anomalisa”. Se eu fosse categorizar o Kaufman de acordo com as histórias que ele inventa, eu diria que ele é mais conhecido por contar histórias de amor não-convencionais. Em vez de possuírem personagens estereotipados em uma estrutura narrativa bem previsível, os romances de Kaufman envolvem personagens profundamente humanos em situações inesperadas e improváveis. E mesmo sendo um roteiro adaptado de um livro, pode-se dizer que “Estou Pensando em Acabar com Tudo” segue o mesmo rumo. Com isso dito, vamos falar do roteiro. Já digo de primeira, esse não é um filme que irá agradar todo mundo. Não é um filme “pro povão”. Em vez de ter um roteiro frenético com pouco desenvolvimento de personagens e um tom uniforme, como a grande maioria dos blockbusters, o roteiro de Kaufman é lento, com personagens bem desenvolvidos e um tom deveras incoerente. O filme começa como um drama sobre relacionamentos, aí depois vira um thriller psicológico, e o roteiro transita por tantas coisas após isso que vai se tornando cada vez mais impossível de encaixá-lo em um gênero específico. Devo dizer que é um filme estranho com uma estrutura nada convencional. Em uma cena, vemos os dois personagens principais viajando de carro, aí do nada corta para uma cena musical e um zelador entediado no trabalho, aí depois volta para a viagem dos protagonistas. O espectador chega a pensar que essas cenas “sem sentido” estão desconectadas da narrativa principal, de tão inesperadas e aleatórias que elas são. Mas é aí que está o grande trunfo de Kaufman. A melhor coisa que eu posso comparar esse filme é a um quebra-cabeça: você não resolve o quebra-cabeça ao tirar as peças da caixa; você leva tempo para montá-lo e formar uma imagem compreensível. A mesma coisa pode ser dita em relação à “Estou Pensando em Acabar com Tudo”: o espectador pode não entender o filme de primeira, mas o quanto mais ele pensa e reflete sobre a história após assisti-lo, ele vai montando as peças (no caso do filme, as cenas) em uma linha do tempo na mente dele até formar uma imagem compreensível. Com essa análise, este é o melhor roteiro de Kaufman desde “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”. É engenhoso, inventivo e propositalmente confuso, mas acaba fazendo muito sentido quando o espectador vai montando a estrutura narrativa dele de pouco em pouco. É um filme aberto à interpretações, o que permite que vários pontos de vista sejam explorados pela legião de espectadores da Netflix. Para não entrar em território de spoiler, irei parar por aqui, mas se vocês quiserem saber da minha interpretação e teorias sobre o filme, eu dedico uma postagem só pra isso. A Academia precisa ter uma razão muito bem explicada para não dar o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado para Charlie Kaufman ano que vem.

(OK, before I start talking about the film itself, I'd better dedicate some lines to talk about the work of the genius behind it. The film is written and directed by Charlie Kaufman, who is widely known for his ingenious, original, Oscar-nominated plots, such as “Being John Malkovich”, “Eternal Sunshine of the Spotless Mind” (which won him the Oscar for Best Original Screenplay), and “Anomalisa”. If I were to label Kaufman according to the stories he makes up, I'd say he's more known for telling unconventional love stories. Instead of having stereotyped characters in a really predictable narrative structure, Kaufman's romances revolve around deeply human characters who go through unexpected and unlikely situations. And even though this is based on a book, it can be said that “I'm Thinking of Ending Things” goes in the same way. With that out of our way, let's talk about the script. I'm already saying this upfront, this film will not please everyone. This isn't a film “for everyone”. Instead of having a fast-paced script with little character development and a uniform tone, Kaufman's script is slow, with well developed characters and a rather incoherent tone. It starts off as a relationship drama, then it turns into a psychological thriller, and the script transitions through so many things after that, to the point that it's nearly impossible to fit it into one specific genre. I must say this is a strange film with a structure that's anything but conventional. In one scene, we see the two protagonists traveling by car, then out of nowhere it cuts to a musical scene and a bored janitor working, and then it goes back to their trip. The viewer starts to think these “nonsensical” scenes are disconnected from the main narrative, because of their unexpected and random nature. But it's there that lies Kaufman's greatest feature. The best thing I can compare this film to is a puzzle: you don't get to solve it by simply taking the pieces out of the box; it takes time to assemble it and to form a comprehensible image. The exact same thing can be said about “I'm Thinking of Ending Things”: the viewer might not get it at first, but the more they think and reflect about the story after watching it, they assemble the pieces (or in the case of the film, the scenes) together into a timeline in their mind until it forms a comprehensible image. With that analysis, this is Kaufman's best script since “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”. It is ingenious, inventive and purposedly confusing, but it ends up making tons of sense when the viewer puts its narrative structure together, little by little. It's a film that's open to interpretations, allowing several points of view to be explored by Netflix's legion of viewers. To avoid entering spoiler territory, I'm going to stop here, but if you want to know my interpretations and theories about it, I'll dedicate a post to do so. The Academy needs a very well explained reason to not give Charlie Kaufman the Oscar for Best Adapted Screenplay next year.)



Ao contrário do teor engenhoso e ambicioso do roteiro de Kaufman, o elenco é bem menor, mas isso não quer dizer que não tenha talentos de qualidade. Eu fiquei feliz que a Jessie Buckley tenha sido escalada para um dos papéis principais, pelo fato dela não ter tido um papel significativo em um filme pro público geral até agora. Ela trabalha muito bem, sendo uma espécie de guia para o espectador pela história. A capacidade dela de transitar entre emoções é simplesmente fantástica. Ficarei bem decepcionado se ela ao menos não for indicada ao Oscar de Melhor Atriz. Em seguida, temos o Jesse Plemons, que é extremamente monótono aqui, mas com um propósito. E pelo ator ter completamente mergulhado nessa proposta, ele também merece uma indicação ao Oscar de Melhor Ator. A falta de química entre os dois protagonistas é o fio condutor da trama, e os dois atores trabalham essa condição emocional de forma genial. Interpretando os pais do personagem de Plemons, temos os talentos inegáveis de Toni Collette e David Thewlis. A atuação de Collette aqui é simplesmente extraordinária. Eu não acredito o quão subestimada essa atriz é. Ela consegue transitar entre duas emoções completamente opostas com bastante fluidez e credibilidade. É o melhor trabalho dela desde sua performance incrivelmente dedicada em “Hereditário”, e também merece atenção da Academia. Eu não vi tanta originalidade no trabalho do David Thewlis, por ele ter me lembrado bastante do personagem dele na terceira temporada de “Fargo”. O sotaque, a fisicalidade, tudo na atuação de Thewlis me lembrou do V.M. Varga, o que me impediu de criar uma conexão com o personagem dele nesse filme. E por último, mas não menos importante, temos o Guy Boyd, que interpreta um personagem que parece não fazer muito sentido dentro da narrativa, mas quando o espectador começa a pensar sobre o filme depois de assisti-lo, ele acaba virando um dos melhores personagens da trama.

(Unlike the ingenious and ambitious tone of Kaufman's script, the cast is quite smaller, but it doesn't mean it isn't composed by quality talent. I was glad that Jessie Buckley got cast in one of the main roles, as she didn't have a significant role in a more mainstream film until now. She works splendidly well, serving as a sort of guide to the viewer through the story. Her capacity of transitioning through emotions is simply fantastic. I'll be very disappointed if she doesn't at least get nominated for the Oscar for Best Actress. Then, we have Jesse Plemons, who is extremely monotonous here, but purposedly so. And because the actor did so well in diving into that proposal, he also deserves a nomination for Best Actor in the Oscars. The lack of chemistry between the two main characters is the conductive force of the plot, and both actors work with that emotional condition brilliantly. As the parents of Plemons's character, we have the undeniable talents of Toni Collette and David Thewlis. Collette's performance here is simply extraordinary. I can't believe how underrated this actress is. She manages to transition through two completely opposite emotions with plenty of fluidity and she makes it look believable. It's her best work since her incredibly committed performance in “Hereditary”, and it also deserves some attention from the Academy. I didn't see that much originality in David Thewlis's work, as he reminded me a lot of his character in the third season of “Fargo”. The accent, the physicality, everything in Thewlis's character reminded me of V.M. Varga, which stopped me from creating a connection with his character in this film. And at last, but not least, we have Guy Boyd, who plays a character that may not make a lot of sense inside the narrative, but when the viewer starts thinking about the film after watching it, he becomes one of the plot's best characters.)



Os aspectos técnicos daqui são os mais criativos em um filme ou roteiro de Kaufman desde “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”. A direção de fotografia do Lukasz Zal inova em gravar o filme inteiro em cores e em uma proporção de 4:3, o que dá um tom até retrô pra trama, e depois de deixar o roteiro marinar um pouco, chegaremos à conclusão que esse método de filmagem foi muito bem pensado e completamente adequado à proposta de Kaufman para a adaptação do material fonte. A direção de arte e o design de figurinos fazem um trabalho espetacular de contraste entre o tom vibrante das ambientações e o aparente desconforto e frieza das cenas e dos diálogos que os personagens compartilham. Isso é algo que definitivamente chamará a atenção da Academia ano que vem. Uma coisa que muitas pessoas irão pensar que não tem sentido é a montagem, especialmente na maneira que o Robert Frazen junta cenas aparentemente desconexas. A gente fica pensando “Por quê do nada cortou pra uma cena musical, e depois pra um velho, aí só depois que voltou para a narrativa principal?” quando as cenas são apresentadas para nós, mas acabamos por perceber que a montagem foi feita de forma genial e eficiente ao pensar um pouco sobre a estrutura narrativa que Kaufman elaborou. Eu adorei o número de referências ao musical “Oklahoma!”, que aparentemente não faz sentido com a proposta do filme, mas quando você dá uma pesquisada, parece ser uma das principais “inspirações” para o roteiro. Falando de uma forma mais simples, os aspectos técnicos colaboram de forma altamente eficiente com a proposta narrativa de Kaufman em “Estou Pensando em Acabar com Tudo”.

(The technical aspects here are the most creative in a Kaufman film or screenplay since “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”. Lukasz Zal's cinematography innovates in shooting the entire film in color and in a 4:3 grading, which even gives the plot a more retro feel, and after leaving the screenplay marinate for a while, we'll come to the conclusion that this filming method was well-thought and completely adequate to Kaufman's proposal of adapting the source material. The art direction and costume design do a spectacular work in contrasting the vibrant tone of the sets and costumes with the apparent discomfort of the scenes and dialogue the characters share. That's something that'll definitely catch the Academy's eye next year. One thing that many people will consider nonsensical is the editing, especially in the way Robert Frazen puts together scenes that are apparently disconnected. We keep thinking “Why out of nowhere did they cut to a musical scene, and then to an old man, and just now did they get back to the main narrative?” when the scenes are presented to us, but we end up realizing the editing was brilliantly and efficiently well done when we think about the narrative structure Kaufman elaborated. I loved how many references it made to the musical “Oklahoma!”, which apparently makes no sense with the film's proposal, but when you do a little research, it seems like one of the main “inspirations” for the screenplay. Talking in a more simple way, the technical aspects collaborate in a highly efficient way with Kaufman's narrative proposal in “I'm Thinking of Ending Things”.)



Resumindo, “Estou Pensando em Acabar com Tudo” é o quebra-cabeça mais bem elaborado por Charlie Kaufman até agora. Contando com um roteiro aberto a interpretações, performances dedicadas de seu elenco e aspectos técnicos que acentuam a ambiguidade da história, o roteirista e diretor cria uma experiência que fica cada vez melhor e mais clara com o passar do tempo, por mais confusa que pareça ser à primeira vista.

Nota: 10 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “I'm Thinking of Ending Things” is the most elaborate puzzle Charlie Kaufman has made so far. Relying on a script that's open to interpretations, committed performances by its cast and technical aspects that enhance the story's ambiguity, the writer-director creates an experience that gets better and clearer the more you think about it, as confusing as it may seem at first.

I give it a 10 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


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