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segunda-feira, 21 de setembro de 2020

"Utopia" (UK): uma série original, atual, aterrorizante e ousada (Bilíngue)

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E aí, meus caros cinéfilos! Tudo bem com vocês? Estou de volta, para falar de uma série bem peculiar. Inspiração para a futura adaptação americana da Amazon Prime Video (disponível a partir do dia 25), a série em questão é original, louca, absurdamente engajante e estranhamente realista, se conectando de maneiras impressionantes com a realidade em que vivemos hoje. Então, sem mais delongas, vamos falar sobre a versão britânica de “Utopia”. Vamos lá!

(What's up, my dear film buffs! How are you guys doing? I'm back, in order to talk about a TV show that's quite peculiar. The inspiration for the upcoming American adaptation from Amazon Prime Video (available on September 25th), the show I'm about to analyze is original, bonkers, absurdly engaging and strangely realistic, connecting with our reality in impressive ways. So, without further ado, let's talk about the British version of “Utopia”. Let's go!)



A série segue uma equipe de fãs de quadrinhos que, ao encontrarem o manuscrito da sequência de uma HQ que previu catástrofes e epidemias, são perseguidos por uma organização conhecida como “A Rede”, disposta a matar qualquer um para encontrar tanto o manuscrito quanto a misteriosa Jessica Hyde (Fiona O'Shaughnessy).

(The show follows a group of comic book fans that, by finding the manuscript of the sequel of a comic book that predicted catastrophes and epidemics, are chased by an organization known as “The Network”, that's willing to kill in order to get their hands on both the manuscript and the mysterious Jessica Hyde (Fiona O'Shaughnessy).)



Ok, antes de começar a falar da série em si, vamos aos fatos: britânicos são GÊNIOS. Não há palavra melhor para descrever a criatividade dessas pessoas, responsáveis pela criação de vários dos melhores (e mais originais) programas de TV dos últimos tempos, tais como “Doctor Who”, “Fleabag”, “Black Mirror”, “Sherlock”, “Inside No. 9”, “Peaky Blinders”, “Broadchurch”, “The End of the F***ing World” e “Derry Girls”, só pra dar alguns exemplos. Outra coisa que faz dos britânicos pessoas à frente de seu tempo é a ousadia que eles têm ao mostrar conteúdos explícitos em canais de TV paga. Eles não têm vergonha de mostrar violência tarantinesca, cenas íntimas ou, para tornar tudo mais realista, cenas involvendo o consumo de drogas ilícitas. A exibição desses tipos de conteúdo em plena TV paga pode servir como combustível para uma enxurrada de controvérsias, mas isso acaba por dar um tom menos mecânico e mais humano às histórias que eles desejam contar, o que resulta em uma quase total imprevisibilidade. Com isso dito, vamos falar do roteiro de “Utopia”. A série é criada e roteirizada pelo Dennis Kelly (que também foi responsável por escrever a adaptação musical de “Matilda”), e uma das melhores coisas que ele faz ao nos ambientar nesse universo fictício é pegar todos os artifícios fantasiosos que o enredo dispõe e cimentá-los no mundo real, dando um caráter bem realista às situações retratadas, por mais absurdas que elas pareçam ser. O quanto menos vocês souberem sobre a história, mais irão se impressionar com o que Kelly criou aqui. É uma história engajante, original e imprevisível, que abre portas para discussões sobre a realidade na qual vivemos agora, fazendo conexões incrivelmente bem pensadas com eventos da vida real, como o assassinato do membro do Parlamento Britânico Airey Neave em 1979 e a disseminação da doença da vaca louca. Outra coisa que Kelly acerta em cheio em “Utopia” é o desenvolvimento de seus personagens, e o roteirista faz questão de não colocá-los em categorias, de forma que ninguém aqui é mocinho ou vilão. As mentalidades, as personalidades e as reações desses personagens são muito maleáveis, o que acaba por colocar todos eles em uma zona cinzenta enorme, longe de qualquer extremo ou categoria pré-estabelecida. E isso é uma coisa que não se vê muito nas séries de hoje em dia, especialmente nas séries americanas. E aí temos o que faz de “Utopia” algo bem controverso: as cenas de violência extrema. Eu fiquei MUITO impressionado com a ousadia de Kelly ao retratar a violência na TV (e olha que não é nem no streaming, que aí já é outra conversa). É algo bem pesado, e ao mesmo tempo, alcança seu objetivo de causar desconforto e choque no espectador. (Eu juro que vocês nunca vão olhar para uma colher do mesmo jeito depois de assistirem à série.) A história se desenvolve extraordinariamente bem ao longo de seus 12 episódios, divididos em duas temporadas. Há várias reviravoltas, e um final em aberto, o que muitos podem considerar uma falha, mas eu considero como uma completude (e possível repetição) do ciclo narrativo, consolidando assim a estrutura nada convencional proposta por “Utopia”. Agora, é torcer para que a adaptação americana se mantenha fiel à ousadia da original, e que talvez dê uma continuidade à sua mitologia, pelas mãos da fantástica Gillian Flynn (autora e roteirista de “Garota Exemplar” e “Sharp Objects”), que também é conhecida pela imprevisibilidade de seu trabalho.

(Okay, before I start talking about the series itself, let's face the facts: British people are GENIUSES. There simply isn't a better word to describe these people, who were responsible for creating some of the finest (and most original) TV shows in recent years, such as “Doctor Who”, “Fleabag”, “Black Mirror”, “Sherlock”, “Inside No. 9”, “Peaky Blinders”, “Broadchurch”, “The End of the F***ing World” and “Derry Girls”, to name a few. Another thing that makes the British ahead of their time is their boldness in showing explicit content on television channels. They aren't afraid of showing Tarantino-esque violence, intimate scenes and, to make it even more realistic, scenes involving the use of illicit drugs. The showing of content like that on TV may serve as pure fuel for a tsunami of controversy, but it ends up giving a less mechanic and more human tone to the stories they wish to tell, resulting in an almost complete unpredictability on what to expect next. With that said, let's talk about the screenwriting in “Utopia”. The show is created and written by Dennis Kelly (who also wrote the musical adaptation of “Matilda”), and one of the best things he does while setting us in this fictional universe is taking every fantasy aspect the plot may require and cement them into the real world, giving a more realistic feel to the situations portrayed on-screen, as absurd as they may seem. The less you know about the story, the more you'll be impressed with what Kelly has created here. It's an engaging, original and unpredictable story, that opens discussions about the reality we're living in right now, making incredibly well-thought connections with real-life events, such as the murder of British Parliament member Airey Neave in 1979 and the dissemination of the mad cow disease. Another thing in which Kelly excels at in “Utopia” is in the development of its characters, and the screenwriter manages to not label them into any category: none of them are either good or bad. Their mentalities, personalities and reactions are really flexible, which ends up putting them into this huge grey zone, far away from any extreme or pre-established label. And that's something we don't get to see very often in today's shows, especially American ones. And then we have the thing that made “Utopia” something really controversial: the scenes depicting extreme violence. I was REALLY impressed with Kelly's boldness in portraying violence on television (and it wasn't on streaming, since that's a whole 'nother thing). It's something really heavy to handle, but at the same time, it achieves its objective in causing discomfort in the viewer. (I swear you'll never look at a spoon the same way after watching this show.) The story is developed extraordinarily well throughout its 12 episodes, which were divided into 2 seasons. There are several plot twists, and an open ending, something that many may consider a flaw, but I consider it to be a completeness (and possible repetition) of the narrative cycle, therefore consolidating the unconventional structure of “Utopia”. Now, my fingers are crossed for the American adaptation to be faithful to the original series's boldness, and that maybe it can continue its mythology, under the command of the fantastic Gillian Flynn (writer and screenwriter of “Gone Girl” and “Sharp Objects”), who is also known by the unpredictability of her work.)



O elenco é composto de alguns nomes moderadamente famosos para o público britânico. Na linha de frente, temos a dinâmica entre a Alexandra Roach e o Nathan Stewart-Jarrett, que é explosiva ao mesmo tempo que é instável. Temos bons desempenhos de Oliver Woollford, Adeel Akhtar e Paul Higgins, que são alguns dos personagens mais imprevisíveis da série. Eu simplesmente amei a performance da Fiona O'Shaughnessy, que consegue transmitir perfeitamente na tela o mistério e a ambiguidade que a personagem dela tem no papel. É, de longe, a melhor personagem de “Utopia”. E, pra fechar esse elenco com chave de ouro, temos performances incríveis de Neil Maskell (que interpreta um alívio cômico extremamente ameaçador); Geraldine James (que possui um dos melhores desenvolvimentos, em termos de personagem), e Ian McDiarmid (sim, o Imperador de “Star Wars” está aqui, e interpreta um dos papéis mais surpreendentes da trama). Como dito anteriormente, o quanto menos souberem, mais irão se impressionar, então pra não entrar em território de spoiler, vou parar por aqui.

(The cast is composed by some names that are moderately famous for a British audience. On the front line, we have the dynamics between Alexandra Roach and Nathan Stewart-Jarrett, which is explosive, and at the same time, unstable. We have good efforts by Oliver Woollford, Adeel Akhtar and Paul Higgins, who play some of the most unpredictable characters in the show. I simply loved Fiona O'Shaugnessy's performance. She manages to perfectly transmit onscreen the mystery and ambiguity her character has on paper. She's, by far, the best character in “Utopia”. And, to round up this cast with a bang, we have incredible performances by Neil Maskell (who plays an extremely threatening comic relief); Geraldine James (who has one of the best character developments throughout the series), and Ian McDiarmid (yes, the Emperor from “Star Wars” is here, and he plays one of the most surprising roles in the plot). As previously stated, the less you know, the more you'll be impressed, so, in order for me to not enter any spoiler territory, I'll stop here.)



Nos aspectos técnicos, encontramos um dos maiores acertos da série. A direção de fotografia e a direção de arte de “Utopia” são de tirar o fôlego. Uma das razões do porquê disso acontecer é a escolha de não filmar em fullscreen (tela cheia), mas sim em widescreen (tela plana). Ela possui um visual puramente cinematográfico, com enquadramentos simétricos e tons vibrantes e fortes nas cores destacadas. É muito bom quando uma série tem a mesma quantidade de estilo e substância. Tem um episódio que é ambientado no passado e, por consequência, ele é filmado em 4:3, o que reflete como a televisão seria na época retratada. Outra prova da genialidade e do bom planejamento que os britânicos têm em relação às suas séries. A trilha sonora instrumental do Cristobal Tapia de Veer reflete muito bem o tom cínico e ousado que a série propõe desde o início. Algumas das cenas de violência são estilizadas ao máximo, a ponto de se tornarem até absurdas; outras, no entanto, possuem a crueza e o realismo que um ato de violência teria na vida real. E, pra fechar, temos a montagem. Ao todo, “Utopia” é uma série muito bem montada, e a edição é usada de forma brilhante para suavizar cenas que, mesmo para os britânicos, são explícitas e pesadas demais para serem vistas.

(In the technical aspects, we find one of the show's biggest triumphs. The cinematography and the art direction in “Utopia” are breathtaking. One of the reasons why that happens is the choice of not filming in fullscreen, but in widescreen. It has purely cinematic visuals, with symmetrical frames and vibrant, strong tones in the highlighted colors. It feels really good when a show has the exact same amount of style and substance. There's an episode that's set in the past, and consequently, it's filmed in 4:3, which reflects how television would be in the time shown onscreen. Yet another proof of the British's genius ability of planning out their shows. Cristobal Tapia de Veer's score wonderfully reflects the cynical, bold tone the series proposes from the very start. Some of the violent scenes are stylized to the max, to the point they become absurd; others, however, have the rawness and realism that an act of violence would have in real life. And, to round it up, we have the editing. As a whole, “Utopia” is a show marvelously well put together, and the editing devices are used brilliantly to soften the impact of some scenes that, even for the British, are too explicit and heavy to be witnessed.)



Resumindo, “Utopia” é mais uma prova da genialidade, originalidade e ousadia dos britânicos ao criarem séries. Munido com uma história imprevisível e estranhamente realista, um elenco extremamente competente, e um visual puramente cinematográfico, Dennis Kelly cria uma série nada convencional que manterá o espectador engajado até o último minuto.

Nota: 9,5 de 10!!

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado! Até a próxima,

João Pedro

(In a nutshell, “Utopia” is yet another proof of the British's genius, originality and boldness in creating TV shows. Armed with an unpredictable and strangely realistic story, an extremely competent cast, and purely cinematic visuals, Dennis Kelly creates an unconventional show that will keep the viewer engaged all the way through its last minute.

I give it a 9,5 out of 10!!

That's it, guys! I hope you liked it! See you next time,

João Pedro)


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